Pobre mortal, subtrai-te por um momento a tuas ocupações habituais, esconde-te de teus tumultuosos pensamentos. Lança para longe de ti tuas pesadas preocupações, afasta de ti tuas laboriosas inquietudes. Busca a Deus por um momento, por um momento nele repousa.
Sto. Anselmo – Proslógio p.41
- A oração e o argumento
É comum que, em nosso tempo, ao pensarmos em livros de filosofia, tenhamos em mente escritos estritamente racionais num sentido quasi-matemático e, no caso de um escrito advindo da pena de um filósofo analítico, sejam repletos de notações lógicas. Mas nem sempre foi assim e, na verdade, concepções advindas de tempos tão simplórios podem nos impedir de entender e apreciar escritos filosóficos elaborados em forma de diálogo, poesia, mito ou oração. Não digo com isso que devamos fazer vista grossa aos circunlóquios praticados por aqueles pejorativamente rotulados de “continentais”, visto que eles de fato podem conter muita poesia e pouca filosofia – o que não redime sua contraparte, que pode também conter muita lógica e pouca filosofia –, mas que, para ler textos anteriores ao cisma, é preciso dar um passo para trás em nossas concepções e um para frente em nossa boa vontade.
O Proslógio de Sto. Anselmo faz parte do conjunto daqueles escritos que exigem uma leitura de certo modo peculiar. É comum que, logo após tomarmos nota do tema do Proslógio, imediatamente formalizemos o argumento ontológico e passemos a compará-lo com suas objeções, restrições e refeições; talvez isto seja útil no contexto de alguma pesquisa, mas a verdade é que passa longe das intenções de seu autor. O Proslógio é, assim como outros opúsculos produzidos por mãos monásticas, uma espécie de oração que contém em seu interior um argumento cuja compreensão correta exige algumas experiências quiçá peculiares. Nesse sentido, arrancar o argumento ontológico de seu interior é algo como, ao rezarmos o Pai Nosso, interrompermos nossa oração e erigirmos a seguinte pergunta: “como pode o Pai ser meu pai se sou filho de outro?” Sendo assim, pretendo aqui deixar de lado toda a querela que possa haver em torno do escrito de Sto. Anselmo e levar a cabo algum esforço para que o leitor compreenda um pouco do espírito do livro antes de cogitar algum ataque à sua tão caricaturada letra.
- Lectio Philosophica
Depois de ceder aos pedidos de alguns irmãos e dar à publicidade um opúsculo que servisse de exemplo de meditação sobre os mistérios da fé a um homem que, refletindo em silêncio consigo mesmo, tenta descobrir o que ignora…
Sto. Anselmo – Proslógio p.41
O livro se inicia, assim como ocorreu com Os Graus da Humildade e da Soberba por exemplo, com seu autor “reclamando” de que o livro fora escrito antes a pedido de seus pares do que por vontade própria, e que visa, prioritariamente, a servir como exemplo de meditação.[1] Aqui encontramos outro aspecto curioso ao leitor moderno, visto que o tema da meditação desvaneceu-se no tempo e sobrevive, até onde sabe este que vos fala, sobretudo em escritos de teor religioso – ainda que outrora fosse componente obrigatório dos estudos, como podemos conferir, a título de exemplo, no Didascalicon[2]de Hugo de S. Vitor. Nesse sentido, o Proslógio serviria como uma espécie de Imitação de Cristo na medida em que nos fornecesse tópicos para que leiamos e reservemos algo de nosso tempo e, submetendo-os ao exame minucioso e silencioso, extraiamos tudo o que pudemos e integremos em nossas almas como se estivéssemos em um diálogo com o autor. Este é essencialmente o procedimento utilizado no que se chamou de lectio divina.[3] Podemos compreender mais ou menos o modo de ler o Proslógio através das exortações vistas em seu primeiro capítulo, no qual o autor nos pede que nos livremos de nossas “ocupações habituais” e nos escondamos de nossos “tumultuosos pensamentos”, a fim de que possamos entrar num estado de recolhimento que nos permita livrarmo-nos de nossas inquietudes e, assim, no “santuário” de nossa alma, possamos considerar a busca por Deus.[4] Feito isso, o autor inicia uma série de perguntas que nos servem de guia para a meditação: como encontraremos Deus se ele não está em nós? Se ele é onipresente, por que não o vemos? E então nos fornece um versículo bíblico: o único que possui a imortalidade e habita em luz inacessível, a quem nenhum homem viu, nem pode ver (1 Tm 6,16).
O procedimento se assemelha àquele seguido por Sto. Tomás na Suma Teológica, a saber, em que o Aquinate contrapõe um ou outro versículo bíblico [sed contra] a algumas teses enunciadas na primeira parte da disputatio e, no contexto do Proslógio, o versículo serve para responder o motivo de não vermos a Deus.
Novamente, temos diante de nós algo que pode soar estranho aos ouvidos do leitor moderno, que, desavisado, pode tomar as primeiras páginas do livro como meros artigos de fé ou, para evitar os eufemismos, como irracionalidade piegas.[5] Mas entender assim não é mais do que ignoratio elenchi, preconceito iluminista e, mais do que tudo, mero anacronismo, visto que Sto. Anselmo nunca pensou em escrever uma Investigação Lógica para um stultus. O autor prossegue perguntando-se acerca da localização da luz habitada por Deus, e, se for realmente inacessível, como poderíamos encontrar a Deus? Como encontraremos e reconheceremos Aquele cuja face nunca vimos?[6] Após algumas indagações, a oração é concluída com Sto. Anselmo rogando a Deus que lhe ensine.
“[…] a buscar-Te, mostrar-Te a quem te busca, porque não posso buscar-Te se não me ensinas o caminho. Não posso encontrar-Te se não te mostras a mim. Que eu te busque desejando-Te, que eu te deseje buscando-Te, que eu te encontre amando-Te, que eu te ame encontrando-Te.”[7]
Entre os autores de viés patrístico, é lugar comum – ainda que estranho para nós -a percepção de que nada podemos saber acerca de Deus sem que Ele mesmo nos revele[8]. Essa realidade pode ser encontrada nas Confissões [9] de Sto. Agostinho, quando o autor diz: “[Tu] chamaste, clamaste e rompeste minha surdez; cintilaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira”; o mesmo pode ser conferido no Peri Physeon de João Escoto Erígena, quando o autor comenta que
“Patiens esto. Nom enim res parva inter nos quæritur nec nisi multis diligentissime ratiocinationis ambagibus et investigaria er inveniri potest – si tamem ad purum iveniri potest. Nullim enim mortali sesui quamuis videatur acute inquirere licet hoc promittere ne incautus redarguatur esse [quod suas vires superar invenire por se ipsum ptomittens. Nam quam invenitur non ipse qui quaerit sed ipse qui quæritur et qui est lux mentium invenit][10]”
Nesse momento, a oração se desdobra num misto de ansiedade e desistência à medida que o autor reconhece suas limitações ao perceber que não pode entender Deus enquanto dotado de um intelecto humano, mas, ao mesmo tempo, deseja compreendê-lo na proporção de sua capacidade – e aqui encontramos a linha mestra do Proslógio: “Neque enim quæro intelligere ut credam, sed credo ut intelligam. Nam et hoc credo: quia ‘nisi credidero, non intelligam”.[11] Sto. Anselmo não está interessado em um argumento irrefutável para que creia: ele já crê, e é por crer que a oração recebe seu sentido, visto que é a crença mesma, enquanto ato de inteligência[12], que o fará entender aquilo que Deus lhe conceder que entenda – pois, caso não cresse, não poderia entender. Nesse sentido, o Proslógio é antes um discurso para convertidos do que um livro apologético ecumênico: desde o início, ele foi pensado como auxílio meditativo aos irmãos, aparentado antes às Moradas do Castelo Interior do que à Suma Contra os Gentios.[13]
Sto. Anselmo prossegue e roga a Deus que lhe conceda, na medida do possível e do útil, entender como podemos compreender que Ele exista como descrito pela fé. Nisto, temos o primeiro componente da meditação: “Et quidem credimus te esse aliquid quo nihil maius cogitari possit”; crê-se que nada possa ser concebido acima de Deus. [14] Mas como assim… “acima”? Sto. Anselmo, como muitos de seus pares, toma para si muitas noções da filosofia platônica, sendo que a apresentada aqui relaciona a superioridade e a anterioridade: princípios superiores são anteriores enquanto prioritários na escala do ser. Por exemplo, as eidos são anteriores, na ordem do ser, às coisas que participam de sua ratio; sendo assim, numa escala ascendente, Deus é o primeiro, o maior, Aquele para além do qual nada pode ser cogitado – por conseguinte, também é termo último. Isso combina bem com o credo cristão; lemos, por exemplo, no Credo Niceno-Constantinopolitano: Credo in unum Deum, Patrem omnipotentem, Factorem caeli et terrae, visibilium omnium et invisibilium[15]; Deus, o único, é todo poderoso e criador das coisas visíveis e invisíveis. Para que seja criador das coisas visíveis e invisíveis, precisa ser anterior a elas; logo, Deus vem primeiro. Mas para criá-las, Ele precisa ser algo mais do que elas; logo, Ele é superior de algum modo a elas. Não foi complicado para os autores da patrística resolverem o problema, e logo o raciocínio se tornou comum, como podemos ver, por exemplo, no De Doctrina Christiana, de Sto. Agostinho:
Omnes tamen certatim pro excellentia Dei dimicant, nec quisquam inveniri potest qui hoc Deum credat esse quo est aliquid melius. Itaque omnes hoc Deum esse consentiunt quod ceteris rebus omnibus anteponunt.[16]
Nesse sentido, tomando parte na terminologia aristotélica, podemos dizer que Sto. Anselmo raciocina por endoxa,[17] isto é, segundo a opinião comum em seu meio: a de que Deus é o quo nihil maius cogitari possit e, assim, é possível que aceitemos uma das críticas de Sto. Tomás de Aquino quando este diz que o argumento ontológico pode soar ineficiente, pois há aqueles que não crêem que Deus seja o maior na medida em que endossam, por exemplo, que Deus seja corpo ou algo assim.[18]
Pressupondo que Deus seja posto, segundo o entendimento tradicional e de acordo com a fé, como Aquele acima do qual nada mais pode ser cogitado, o foco volta-se à inquirição sobre como é possível que tal ser exista frente à objeção do stultus, aquele que, segundo o Salmo 13, crê que não há Deus: Dixit insipiens in corde suo: non est Deus. Então Sto. Anselmo aponta que o insipiens – pressupondo que ele possua algum conhecimento acerca da tradição teológica que descreve Deus como maius cogitari possit – entende o que a descrição anselmiana aponta, ainda que não creia, e aqui temos o curioso caso da correlação entre o assentimento do intellectus e do cor, do intelecto e do coração: nem tudo o que entendemos toca o nosso coração – é perfeitamente possível que se entenda corretamente o que é Deus e ainda assim não crer.[19] [20] Mas o ponto anselmiano consiste em certa correlação entre ambos na medida em que se crê para entender e se entender para crer: por conseguinte, é necessário mover o coração à crença. Em linguagem voegeliana, é necessário voltar a alma do stultus em direção ao polo transcendente de sua consciência, para que ele se dê conta de que aquele que entende enquanto maius cogitari possit jaz presente na estrutura mesma dela [a consciência], e, ainda que não o creia em seu coração, Deus habita nele segundo a percepção agostiniana que denomina tal local como interior intimo.[21] Mas para que o coração seja movido, assim como o intelecto, faz-se necessário a ajuda d’Aquele a Quem se busca; novamente topamos com o problema enunciado no início: a saber, que, para que compreendamos algo [de Deus] é necessária a ajuda d’Aquele a quem buscamos, mas, agora precisamos de ajuda também para que creiamos. Isso está de acordo com a tradição cristã e remonta à conversão de S. Paulo, que, antes perseguidor dos cristãos, tornou-se seu apóstolo depois de uma aparição de Jesus,[22] mas também está de acordo com a filosofia neoplatônica[23] na medida em que, no percurso do processo dialético, procura-se recolocar a alma do filósofo numa posição hábil para que ela possa perceber a realidade mesma por trás das palavras ou, em outros termos, a realidade da idéia; no contexto anselmiano, quer-se que o meditante perceba a presença de Deus. Mas como algo assim seria possível?
Não é como se pudéssemos ir à Igreja mais próxima e convidar Deus para que faça uma aparição ao descrente mais próximo. Sto. Anselmo prossegue e comenta que uma coisa é conceber algo e outra é crer em sua existência no sentido de uma efetividade, uma permanência na realidade extra mentis e independente de nós; seguindo o mesmo exemplo do santo, o pintor pode conceber em seu intelecto [intra mentis] um quadro que ainda não existe de fato [extra mentis] mas que pode passar a existir depois de pintado. Mas visto que com Deus isso não pode ocorrer, pois não podemos produzi-lo – o que seria, na verdade, uma forma de idolatria – é necessário que o divino seja percebido por outras vias, isto é, a partir do entendimento do conceito enquanto maius cogitari possit; entretanto, para que a partir da cogitação infiramos a existência, faz-se necessário que a cogitação revele uma percepção: do contrário, teríamos o caso dos argumentos ontológicos racionalistas, que sofrem com o problema da passagem do conceito à realidade efetiva.[24] Sto. Anselmo, que nunca ouviu falar do racionalismo e repudiaria seus princípios, procura por uma constatação semelhante à que, ao entendermos o princípio de identidade, nos tornamos capazes de identificá-lo na realidade circundante. Acrescenta-aqui mais uma camada meditativa: Deus será entendido ao modo de um princípio, que, ao tomarmos nota de seu significado, poderá ser identificado como real. Enquanto maius cogitari possit, Ele possui proeminência ontológica em razão de princípio anterior e superior a tudo o que há; então é perfeitamente possível, segundo o contexto da discussão anselmiana, entender o ser acima de todos os seres enquanto ser necessário; se entendermos Deus como ser necessário na medida em que é anterior a todo e qualquer ser, torna-se impossível negar sua realidade sem que neguemos a realidade que nos engloba; portanto, um ser assim concebido não pode ser mero intra mentis, e exige sua realidade extra mentis; “existe, por conseguinte, sem sombra de dúvida, um ser acima do qual não se pode pensar o que quer que seja…” [25] O entendimento do ser maior enquanto ser necessário é confirmado em várias passagens;[26] podemos aferi-lo logo no início do capítulo 3, onde se lê que “se o ser acima do qual não se pode pensar nada maior [maius] pode ser considerado não-existente [por conseguinte, contingente] segue-se que […] já não é aquele acima do qual nada maior se possa conceber”[27]; atentemos ainda a que a concepção de Deus aqui pressuposta, enquanto ser necessário, exclui concepções que tenham Deus enquanto corpóreo, visto que teses assim foram banidas do pensamento cristão desde pelo menos Sto. Agostinho, que tanto insistiu em que as coisas corpóreas [contingentes] cantavam a glória de Deus [ser necessário]; e, novamente, temos a confirmação textual no Proslógio: “existe […] um ser acima do qual não podemos erigir um outro, de tal sorte que nem sequer pode ser pensado como não-existente.”[28] Sto. Anselmo prossegue, e a meditação antes eivada por especulações filosóficas agora retorna à oração piedosa, ainda que mantenha um veio filosófico, por exemplo, quando diz que “o que quer que exista fora de Ti pode ser pensado como não-existente”. Apenas Deus é verdadeiramente existente, pois apenas Ele é necessário; todo o resto, enquanto contingente, apenas existe devido a um ato da vontade divina, e deve sua existência a Ele; se concebemos um ser necessário, então ele não pode existir apenas na mente: logo, ele existe na realidade.[29] Dentro do escopo da meditação cristã, é impossível que seja diferente, pois Deus é precisamente o que há de mais real [ens realissimum]: antes que a realidade fosse, Ele é[30]; eis um ser tão abstruso para que o pensamento humano o abarque que teólogos místicos o chamaram de “Profundeza, este mistério incognoscível que nenhum ser pode compreender”[31].
O argumento ontológico anselmiano consiste no uso do aparato filosófico vigente enquanto ferramenta meditativa inclusa numa oração em cujo escopo o meditante roga àquele a quem ora para que se revele de alguma forma, o que ocorre na percepção de que Ele é o maius cogitari possit. A partir da percepção místico-especulativa[32] de Deus enquanto sumo cogitável, Aquele que foi buscado e antevisto pelos olhos da fé revela-se [proporcionadamente] também aos olhos do conhecimento: assim, a razão entende e auxilia a crença – que recebe mais uma confirmação de sua realidade –, e esta guia a razão em direção ao seu termo: intelligere ut credam, sed credo ut intelligam. Não poderia ser diferente; Sto. Anselmo não era como um teólogo moderno que procura a Deus enquanto objeto de especulação filosófica ou enquanto mero ser que sirva de solução a um problema epistemológico ou de fundamento para uma moral, ele estava interessando antes num contato, através de um entrelaçamento entre as experiências noética e pneumática, com o Criador mesmo, que, por conseguinte, a fim de que houvesse algum contato, deveria revelar-se por vontade própria. Olhando por este ângulo, nosso afã em transformar o Proslógio num mero receptáculo para o argumento ontológico – apenas mais uma entre as provas relativas à existência de Deus – serve de exemplum horribile de nossa ingenuidade[33] através da manifestação de que, dadas as intenções mesmas de tal redução, somos imanentistas metodológicos – o exato inverso da intenção anselmiana.
Mas como algo tão provado assim [na medida de suas intenções] pode passar despercebido ao insipiens? Se ele entende o dito, então deveria admitir a existência de um ser necessário. Sto. Anselmo consterna-se, pois, a seu ver, como poderia dizer em seu coração que não há Deus quando seu intelecto asseguraria a existência de um maius cogitari possit? Como pode ocorrer uma cisão entre o cor e o intellectus se “dizer em seu coração e pensar são a mesma coisa?”[34] Então o santo distingue entre a atenção voltada ao que é dito e a atenção voltada ao que é apontado pelo dito; “uma coisa é pensar em algo quando se pensa na palavra que o designa; outra coisa é a entender pela inteligência o que aquilo é”[35]. De fato, no contexto conferido, é impossível que se negue a existência de Deus senão da boca para fora; mas talvez – por incrível que pareça a nós, visto que é comum em nosso tempo – não tenha ocorrido a Sto. Anselmo que existam, no jargão voegeliano, eunucos espirituais[36], i.e., pessoas incapazes de uma experiência como a proposta no Proslógio. Sem a experiência proposta da percepção de um ens realissimum que nos sustente na realidade, perde-se o fio racional da meditação; esta é, a título de exemplo, a situação do imanentismo nietzschiano[37] ou a negação do argumento etiológico levado a cabo por Marx.[38] Novamente, no jargão voegeliano, o polo divino da consciência foi negado; o argumento ontológico, aqui, torna-se ineficiente por decair no percebido por Sto. Tomás de Aquino: “talvez aquele que ouve o nome de Deus não entenda que ele designa algo que não se possa cogitar maior; pois alguns acreditaram que Deus é um corpo”; no caso dos citados, crêem-se deuses para si mesmos.[39]
A partir do capítulo 5, Sto. Anselmo prossegue enumerando e comentando algumas características divinas através da percepção recém adquirida de Deus enquanto ser necessário: “[…] é melhor que exista […] sendo o único que existe por si mesmo, fez tudo do nada”; “[…] é sensível, embora não seja corpo”. Neste sentido, o Proslógio assemelha-se a outros escritos de teologia na medida em que passa a enumerar e louvar as propriedades divinas, mas talvez salte aos olhos que, diferente do feito, por exemplo, no Compêndio de Teologia, de Sto. Tomás, Sto. Anselmo prefira expressar a superioridade divina através de paradoxos: “[…] é onipotente, embora muitas coisas lhe sejam impossíveis”[40]. O uso dos paradoxos, mais tarde levado a superlativos por autores como Nicolau de Cusa e seu conceito de coincidentia oppositorum, serve à teologia e em especial à meditação proposta no Proslógio como lembrete para que não percamos de vista que, ainda que utilizemos por vias analógicas conceitos criados para falar de coisas quando falamos de Deus, Ele jaz para além do aparato conceitual humano e não pode ser abarcado por meras conceituações[41] – o que, a propósito, combina bem com o sentido do nome da obra: […] Proslogion, ou Alloquium em versão latina, que significa uma tensão ou uma tendência para o discurso, um esforço para dizer o inefável, e para inteligir o supra-inteligível.[42]Assim se seguirá até o final do livro.
- Epílogo: minha experiência com o Proslógio
Este que vos fala possui algumas anedotas acerca da leitura do Proslógio. Vim a conhecer o argumento ontológico antes mesmo de tomar nota de sua origem, como urge que ocorra a todos aqueles que se interessaram antes pelos argumentos do que pela filosofia. Como era de se esperar, conheci-o através de versões de segunda mão; o modelo era o seguinte: “imaginemos um ser imenso a ponto de não possuir um maior do que ele; ora, um ser assim não seria o maior caso não existisse realmente; então ele existe”. Logo em seguida me deparei com a refutação tomista, e, dado de ombros, segui meu caminho. Algum tempo depois, tive a oportunidade de comprar um Proslógio bilíngue, e, ao lê-lo, não fiquei impressionado; é isso o que acontece quando o estudante despreparado se depara com livros deste jaez, visto que o mesmíssimo caso ocorrera com as Confissões de Sto. Agostinho. Cria eu: poesia demais, filosofia de menos; quem dera eu tivesse maturidade suficiente para perceber que a acusação serviria muito bem a muitos livros, mas não aos citados. Minhas impressões mudariam somente após um bom tempo, quando, em meio a meus estudos de Mário Ferreira dos Santos, vi o autor defender o argumento ontológico com unhas e dentes em seu O Homem Perante o Infinito. Interessado no que havia de tão interessante no argumento ontológico, passei a consultar os autores que havia em minha estante em busca de mais comentários; assim encontrei a versão colorida de Duns Scotus e uma defesa um tanto mirabolante advinda de Louis Lavelle. Percebendo que talvez o problema fosse antes comigo do que com o escrito, resolvi reler o livrinho de Sto. Anselmo. Novamente, não foi uma leitura proveitosa como se esperaria, visto que eu procurava antes um argumento que servisse de porrete para acertar a cabeça o incrédulo mais próximo do que uma meditação que, no fim das contas, serviria de porrete para acertar a minha.
A leitura do Proslógio foi acertada apenas muito tempo depois, após ter me desvencilhado da pretensão de provar coisas para os outros e, num movimento quasi-introspectivo, ter resolvido seguir o caminho sugerido por São Bernardo, prestando mais atenção à minha própria consciência. Um dos primeiros passos consistiu na releitura das Confissões de Sto. Agostinho, e, ao encerrá-las, retratei-me por ter um dia crido que fosse um livro chato e quiçá inútil. Outro passo importante foi apropriar-me do exame da estrutura da consciência descrito e utilizado por Eric Voegelin. Tomando como ponto de partida a atenção voegeliana voltada ao movimento da consciência e de sua estrutura no processo meditativo, foi como se o Proslógio fosse revelado como um novo livro em alguns aspectos, dos quais enumerarei três.
O primeiro aspecto notado refere-se ao percurso da meditação e seu contexto: o homem não é um ser abstrato, digo, ele possui uma biografia erigida num tempo e num espaço determinados, de onde recebe e concebe informações diversas; não ter isso em mente quando se lê um livro meditativo constitui um ato quase criminoso. Sto. Anselmo não estava interessado em entrar numa disputatio acadêmica e fornecer um argumento contra os incrédulos, como costuma ser a intenção daqueles que o procuram, mas sim em fornecer um percurso meditativo para seus irmãos de cela; e, haja vista que seus pares eram monges beneditinos, espera-se que seu trabalho contenha traços típicos de sua ordem, como a prática da lectio divina. Através destas noções, retiramos Sto. Anselmo do contexto em que anteriormente o colocamos, a saber, o da querela apologética, e devolvemo-lo a seu contexto original, o único que nos permite entender suas palavras como as de alguém que está interessado em nos ajudar a rezar. O segundo aspecto notado refere-se ao desdobramento da oração em more philosophico – claro que sou suspeito demais para o dizer, mas talvez o Proslógio seja, em razão do seu uso de ferramentas bem conhecidas, o livro perfeito para o estudante de filosofia que queira aprender a rezar. O terceiro aspecto notado consiste na percepção de que, no afã da expectativa de auxílio divino que paira no Proslógio, algo natural daquele que ora, a resposta das perguntas acerca de como poderíamos entender o Deus da fé como existente surge muito naturalmente e desemboca na noção de maius cogitari possit. Como poderia ser diferente? O Antigo Testamento está repleto de hipérboles advindas da tentativa de simbolizar algumas características divinas, e a patrística desdobra-se na esperança de simbolizá-las através de categorias humanas; só nos resta, no percurso proposto, extrapolar tudo em conceitos que mais tarde constituirão a oração que inicia o Tratado do Primeiro Princípio: Tu es verum esse, tu es totum esse. O sumo cogitável anselmiano pode ser simbolizado adequadamente apenas pelo ser enquanto ser, e, do exame dos resultados do percurso, retiram-se outras características já conhecidas.
Foram confeccionadas muitas versões do argumento ontológico: existe a versão cartesiana, que parte de uma idéia inata de Deus enquanto ser perfeito, e dela deduz que, visto que a existência é uma perfeição, então ela deve incluir-se na idéia: logo, Deus existe.[43] Spinoza, num ato quiçá preguiçoso, embute um argumento ontológico na primeira definição de sua Ética: “por ‘causa de si’ entendo aquilo cuja essência envolve a existência ou, em outras palavras, aquilo cuja natureza não pode ser concebida como não existente”.[44] Kant, por sua vez, condenará as provas ontológicas como impossíveis à razão pura não apenas na medida em que a existência não seja um predicado[45], mas também na de que argumentos como o cartesiano assemelham-se ao caso do mercador que acrescenta alguns zeros ao seu livro-razão na esperança de que o número ali escrito encha o cofre – devo dizer que foi a piada mais “refutadora” que já li. Schopenhauer, mirando novamente os argumentos ontológicos de seu tempo, dirá que a confusão entre causa [Ursache] e princípio de conhecimento [Erkenntnißgrund] erige um caso curioso, a saber, o de que a prova cartesiana destinada a comprovar a realidade de Deus é utilizada por Spinoza para demonstrar a realidade do mundo.[46] Há muitas outras versões e refutações, todas elas elaboradas segundo propósitos bem diversos do anselmiano; neste sentido, podemos dizer que o credo ut intelligam foi substituído pelo intelligere ut credam. E assim encerra-se este pequeno ensaio que desde o princípio não esconde sua preferência não apenas pelo argumento original, mas também pelo livro que o contém e pelo autor que o trouxe à luz.
Nota:
Todos os versículos bíblicos em português foram retirados da Bíblia Ave Maria; suas versões latinas advieram da Bíblia Sacra Vulgata.
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Bibliografia
- Aristóteles – Órganon
- Arthur Schopenhauer – O Mundo como Vontade e como Representação Tomo II
- Arthur Schopenhauer – Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente
- A.S. McGrade (Org.) – Filosofia Medieval
- Bernardo Bonowitz – S. Bernardo: o Numerólogo
- Duns Scot – Tratado do Primeiro Princípio
- Eric Voegelin – História das Idéias Políticas – Volume VII: A Nova Ordem e a última Orientação
- Eric Voegelin – História das Idéias Políticas – Volume VIII: A Crise e o Apocalipse do Homem
- Eric Voegelin – The Collected Works of Eric Voegelin vol. 5: Modernity Without Restraint
- Emanuela Scribano – Guia para leitura das Meditações Metafísicas de Descartes
- Hugo de S. Vitor – Didascalicon
- Immanuel Kant – Crítica da Razão Pura
- João Escoto Erígena – PeriPhyseon
- Karl Marx – Manuscritos Econômico-Filosóficos
- Mário Ferreira dos Santos – O Homem Perante o Infinito
- Maria Leonor L. O. Xavier (Coord.) – A Questão de Deus na História da Filosofia Volume I
- Pe. Lima Vaz – Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental
- Pe. Leonel Franca – A Psicologia da Fé.
- Pseudo-Dionísio o Areopagita – Obra Completa
- S. Bernardo de Claraval – Os Graus da Humildade e da Soberba
- S. João da Cruz – A Subida do Monte Carmelo
- Sto. Agostinho – Confessiones [Latim Ed.]
- Sto. Agostinho – De Doctrina Christiana [Latim Ed.]
- Sto. Anselmo – Proslógio
- Sto. Tomás de Aquino – Suma Teológica Vol.I [Loyola]
- Sto. Tomás de Aquino – Suma Contra os Gentios
- Thomas Williams (Org.) – Duns Scotus
- Tomás de Kempis – Imitação de Cristo
Notas:
[1] Caso necessário o leitor poderá confirmar o dito, por exemplo, aqui: “Nesse texto, em uma meditação completamente baseada na tradição monástica beneditina, reaparecem as feições do ideal agostiniano de uma jornada intelectual cristã em direção à sabedoria.” Steven P. Marrone – A Filosofia Medieval em seu Contexto in A.S. McGrade (Org.) – Filosofia Medieval p.43
[2] O Capítulo X do livro III é dedicado ao tema da meditação.
[3] Em algumas edições da Imitação de Cristo encontramos os Conselhos do Cardeal Henrico Henriques para uma boa leitura da obra.
[4] O tema do recolhimento é típico da meditação cristã. Podemos encontra-lo, por exemplo, no cap.3 do livro I da Imitação de Cristo.
[5] De forma alguma digo que artigos de fé sejam irracionais ou piegas; apenas aponto que é esta a forma segundo a qual eles tendem a ser erroneamente entendidos.
[6] Proslógio p.41. É bem curioso como as mesmas perguntas aparecem no livro I das Confissões, revelando o gosto de Sto. Anselmo pelos escritos de Sto. Agostinho.
[8] Como se nota, por exemplo, neste trecho da Epístola aos Romanos: “[…] porque o que se pode conhecer de Deus Ihes é manifesto, pois Deus Iho manifestou.” Romanos 1, 19
[9] “Vocasti et clamasti et rupisti surditatem meam, coruscasti, splenduisti et fugasti caecitatem meam.” Livro X, 27.38
[10] “O tema que temos em mãos não é de pouca monta, e não pode ser investigado apropriadamente sem muitas recapitulações e um raciocínio deveras arguto caso desejemos [572B] contemplar um resultado claro, pois não é permitido ao intelecto humano, por perspicaz que seja em sua inquisição e sem que possa ser acusado de temeridade [pretender resolver por si mesmo questões que excedam suas forças. Pois, caso resolva, não resolve aquele que indaga, mas sim Aquele que é Buscado, a Luz do mundo].” Peri Physeon, Livro II, 572b.
[11] “Pois não busco entender para crer, mas creio para entender. Creio, com efeito, pois, se não crer, não entenderei.” [Is.7,9]. – Proslógio, p. 45.
[12] Para melhor entendimento da crença e, mais especificamente, da fé enquanto ato intelectual, cf. A Psicologia da Fé – Pe. Leonel Franca, SJ.
[13] As intenções da Suma Contra os Gentios são explicitadas no cap. II do livro I.
[14] Encontramos uma linha de raciocínio parecida no A Subida do Monte Carmelo, de S. João da Cruz [p.60], onde lemos: “É o que quis dizer São Paulo com as palavras: A quem quer chegar à união com Deus, convém crer que Ele existe. Em outras palavras: quem aspira unir-se a Deus não deve apoiar-se nem em seus sentimentos nem na imaginação, mas deixar-se penetrar pela essência de Deus, que não cabe no entendimento, nem no desejo, nem na imaginação, nem em nenhum outro sentido, nem pode ser conhecida nesta vida.”
[15] “Creio em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.”
[16] “Todos tomam como certa a excelência de Deus, de forma que não há quem creia que algo possa estar acima d’Ele. Por conseguinte, todos consentem que Deus jaz anteposto a todas as coisas.” De Doctrina Christiana Lib. I, Cap.7. (Tradução livre.)
[17] “Opiniões de aceitação geral, por outro lado, são aquelas que se baseiam no que pensam todos, a maioria ou os sábios, isto é, a totalidade dos sábios, ou a maioria deles.” Aristóteles – Tópicos, 100b20, in Órganon, p. 348.
[18] S. Th. I q.2 a.1 Ad.2: “Quanto ao 2º, deve-se afirmar que talvez aquele que ouve o nome de Deus não entenda que ele designa algo que não se possa cogitar maior; pois alguns acreditaram que Deus é um corpo”.
[19] “Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; (mas isso não basta, porque) também os demônios creem, e (todavia) tremem (no inferno sob os golpes da justiça divina).” S. Tiago 2, 19.
[20] É um insight do mesmo jaez que motiva Schopenhauer a dizer que nada adianta falar ao intelecto quando este permanece “travado” por uma vontade que “não quer entender”. “Nada é mais fastidioso do que disputar com argumentos e explicações com alguém, empregar todo o esforço para convencê-la supondo lidar meramente com o seu entendimento, — para ao fim descobrir que ela não quer entender; portanto, lidávamos com a sua vontade, que se furtava à verdade e arbitrariamente lançava mão de mal-entendidos, chicanas, sofismas, entrincheirando a si mesma atrás do seu entendimento e sua pretensa falta de intelecção”. O Mundo como Vontade e como Representação Tomo II, p. 254.
[21] “Tu autem eras interior íntimo meo et superior summo meo.” Confessiones 3.6.11. “Tu eras mais íntimo de mim do que minha parte mais íntima e superior ao que eu possuía de mais sumo.” Tradução por minha conta. É outra forma de apontar o Imago Dei em nós.
[22] Atos dos Apóstolos 9:3. Num sentido mais profundo podemos atentar que a doutrina da salvação humana no cristianismo depende da ação divina na medida em que faz-se necessária a encarnação do Verbo para que seja feita uma ponte entre o humano e o divino. Em outras palavras, nada podemos fazer sem o auxílio divino.
[23] Ver E.J. Ashworth – Linguagem e Lógica in A.S. McGrade (Org.) – Filosofia Medieval p.104
[24] É o erro capital dos argumentos ontológicos racionalistas refutados por Kant na Crítica da Razão Pura.
[26] No artigo O Argumento Anselmiano entre Continuadores e Críticos, de Maria Leonor L. O. Xavier, encontramos um trecho muito elucidativo: “Estes princípios denunciam uma metafísica implícita, que é o que verdadeiramente suporta a força do argumento. Os dois princípios concernem ao ser (esse), que é correlativo da essência (essentia) e do ente (rés), na análise metafísica do real, segundo Anselmo. Trata-se do ser (esse) que é permutável com a existência (existere). Ora, ser, ou existir, é susceptível de posições e de disposições distintas: das posições de ser no intelecto (esse in intellectu) e de ser na realidade (esse in re); da disposição absolutamente necessária do ser, de modo que a sua negação seja impensável (quod non possit cogitari non esse), e da disposição relativamente contingente do ser, de modo que a sua negação seja pensável (quod non esse potest cogitari) […] O primeiro princípio aplica-se em Proslogion 2, postulando que a dupla posição do ser no intelecto e na realidade é maior do que a posição do ser apenas no intelecto. […] Novo passo se impunha na construção do argumento anselmiano, mediante a aplicação de um segundo princípio de ordem. Este ordena as duas disposições do ser, há pouco discriminadas, postulando que a disposição absolutamente necessária é maior do que a disposição relativamente contingente. Assumida esta relação de ordem entre as duas disposições do ser, ou da existência, o insuperável na ordem do pensável não pode ser dubitável […] Concedendo a noção anselmiana de Deus e os dois referidos princípios de ordem, deve, pois, concluir-se, com Anselmo, que Deus existe não só realmente mas também com uma necessidade indefectível […] No âmbito desta metafísica, a fé anselmiana na existência de Deus revela ser racional, e o ateísmo irracional, à luz de Proslogion 2; até a dúvida sobre a existência de Deus se torna irracional, à luz da conclusão do argumento em Proslogion 3.” in Maria Leonor L. O. Xavier (Coord.) – A Questão de Deus na História da Filosofia Volume I p.274.
[28] Proslógio, p.47-8. Duns Scotus fará sua versão do argumento ontológico tratando-o como sumo cogitável; neste sentido, o argumento se insere numa série de sete provas acerca da infinitude de Deus. Cf. Tratado do Primeiro Princípio, cap. IV, conclusão 9. Pode ser interessante consultar o artigo Teoria Modal de Duns Scotus presente em Thomas Williams (Org.) – Duns Scotus p.169.
[29] Este é também o modo como Mário Ferreira dos Santos entendeu o argumento ontológico. O filósofo afirma que as coisas finitas podem ser concebidas como existentes ou não, mas o ser não pode ser concebido como inexistente [tese 1 da Filosofia Concreta]; as coisas podem ser concebidas como possuindo um início e um fim [no tempo], mas o ser não pode. O ser é entendido então como necessário; e se entendemos que o ser [enquanto ser] é necessário [se ele não houvesse então nada haveria] então somos forçados a admitir sua realidade. Como se pode conferir, não houve passagem alguma do ser à realidade como ocorre nos argumentos ontológicos de viés racionalista. “E nós podemos concebê-lo, esse Maior, e ele existe necessariamente, não por que podemos concebê-lo, mas podemos concebê-lo porque ele existe […] não somos nós que o criamos com o nosso pensamento, é o nosso pensamento que é uma vaga expressão da sua magnificência”. Mário Ferreira dos Santos – O Homem Perante o Infinito p.89
[30] “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.” S. João I, 1. [Nota do Revisor]
[31] Sobre os Nomes Divinos 913b in Pseudo-Dionísio o Areopagita – Obra Completa p.107
[32] No sentido exposto pelo Pe. Lima Vaz – Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental p.41
[33] Recomenda-se efusivamente a leitura do cap. XIII de S. Bernardo: o Numerólogo de D. Bernardo Bonowitz, em que o autor comenta como S. Bernardo via tal redução de Deus a um objeto de estudo.
[36] “Numa civilização em crise, quando ruíram as instituições espirituais, e, particularmente, quando o cientificismo se institucionalizou, surge a situação que descrevemos em nossa seção “impotência espiritual”. A organização da defesa social contra o eunuquismo espiritual, que é sempre um perigo para a civilização…” História das Idéias Políticas – Volume VIII: A Crise e o Apocalipse do Homem p.440.
[37] Conferir o cap.4 de História das Idéias Políticas – Volume VII: A Nova Ordem e a última Orientação.
[38] Ocorre na página 114 do Manuscritos Econômico-Filosóficos [Ed. Boitempo, 1ª ed. 8ª Reimpressão, 2018]
[39] Conferir o capítulo The Murder of God, presente em The Collected Works of Eric Voegelin vol. 5: Modernity Without Restraint. Atentar em especial ao texto da página 285.
[41] O Pseudo-Dionísio, em vez de usar paradoxos, prefere o uso do termo “supra” antes do termo técnico para que saibamos que Deus jaz para além da conceituação.
[42] Maria Leonor L. O. Xavier – O Argumento Anselmiano entre Continuadores e Críticos in Maria Leonor L. O. Xavier (Coord.) – A Questão de Deus na História da Filosofia Volume I p.274.
[43] A prova cartesiana aparece no livro 5 das Meditações Metafísicas. Para explicações adicionais ver Emanuela Scribano – Guia para leitura das Meditações Metafísicas de Descartes p.131. Salta aos olhos como a versão cartesiana difere radicalmente da anselmiana em muitos pontos mas em especial num nevrálgico: Sto. Anselmo não era inatista e nem visava uma prova meramente conceitual.
[44] Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras in Spinoza: Obra Completa vol. IV p.88
[45] Crítica da Razão Pura A592/B620. A piada do mercador está em A602/b630.
[46] Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente p.55