É unicamente o que procuram aqueles a que chamam filósofos, e a palavra filosofia não significa outra coisa senão o amar a sabedoria. Que é a sabedoria? É, dizem antigos filósofos, o conhecimento das coisas divinas e humanas e das causas de que elas dependem. Se se despreza tal estudo, não sei o que será digno de louvor.
Marco Túlio Cícero — Dos Deveres p.86
Tendo em conta o princípio de que parvus error in principio magnum est in fine, sabiamente citado por Sto. Tomás em seu De Ente et Essentia, pretendemos, aqui, prover um guia básico para um dos elementos fundamentais do estudo da filosofia, a saber, a aquisição de uma cultura filosófica referente à antiguidade por ter sido ali que a disciplina do amor à sabedoria foi criada.
O presente figura enquanto complemento dos Guia de Leitura para os Filósofos Pré-Socráticos, Guia de Leitura para Platão e Guia de Leitura para Aristóteles. Enquanto os anteriores, de certa forma, contemplam o período que vai, mais ou menos, desde Pitágoras até a morte de Aristóteles, este guia para filosofia antiga procura fornecer orientações referentes ao período que vai desde a morte do estagirita até o último entre os filósofos antigos, Boécio. Todavia, tendo em vista que a bibliografia acerca de qualquer pensador pode ser multiplicada ao infinito a depender do detalhamento desejado, forneceremos apenas o “essencial normal” e legível a qualquer estudante de filosofia que, sabendo que usa o guia enquanto primeira ferramenta à mão, poderá procurar sozinho o material extra necessário ao prosseguimento de seus estudos.
Recomenda-se efusivamente a leitura do Conselhos ao Estudante de Filosofia para que se tenha em mente a importância dos guias e, principalmente, seu enfoque eminentemente histórico. Ademais, é bom que se tenha em mãos a coleção História da Filosofia Grega e Romana para consulta de informações e bibliografia adicional.
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Após o término dos estudos aristotélicos, compete ao estudante completar seu estudo de filosofia antiga e conferir o que aconteceu após a morte do estagirita e o que se deu da fragmentação do legado socrático. Sendo assim, a primeira coisa a fazer é consultar as famosas escolas epicurista e estóica. Felizmente, dada certa escassez de escritos de ambos os lados, o estudante terá pouco a ler — ainda que muito a aprender.
Para Epicuro, basta a leitura de seu Cartas & Máximas principais; comentários extras poderão ser encontrados em Os Caminhos de Epicuro e Ler Epicuro e os Epicuristas. Para os estóicos, e aqui falamos principalmente dos neoestóicos, compete a leitura de Sêneca, Marco Aurélio e Epicteto. Para o primeiro, principalmente Sobre a Brevidade da Vida e Sobre a Ira e Sobre a Tranquilidade da Alma; quanto às outras obras fica a critério do estudante embora, dado serem sempre livros pequenos, seja fácil ler tudo. Para o segundo basta sua única obra, a saber, Meditações. Para o terceiro, novamente basta apenas uma obra, a saber, O Manual de Epicteto compilado por Flávio Arriano. As leituras podem ser acompanhadas pelo História da Filosofia Vol.1 de Giovanni Reale, como indicado no Esboço de Conselhos ao Estudante de Filosofia; adicionalmente recomenda-se a leitura do Estoicismo de Roberto Radice e O Estoicismo de George Stock para que se confira, em especial, informações acerca das doutrinas do estoicismo antigo.
Manuel Domínguez Sánchez — Morte de Sêneca
Acerca da escola cética, é interessante ler A Vida Cética de Pirro e Os Céticos Gregos. Informações sobre a escola cínica e eclética podem ser encontradas nas histórias da filosofia já citadas.
Após o estudo dos estóicos, epicuristas e céticos, chega o momento de estudar aquele que não se dava tão bem com os primeiros mas concedia algo ao terceiro, a saber, Marco Túlio Cícero. Recomenda-se, assim, a leitura de Dos Deveres, Do Sumo Bem e do Sumo Mal, Da Amizade, Da República e Discussões Tusculanas; é importante, caso o estudante obtenha acesso ao livro, conferir o clássico Sobre a Natureza dos Deuses. Fica a critério do leitor ler suas Orações e outros textos — como Acadêmicas, Brutus e Retórica a Herênio.
Encerrado o estudo de Cícero urge ler algo de Plotino, o grande neoplatônico. Plotino nos legou apenas uma obra, a famosa Enéada. É muito complicado conseguir, em formato físico, uma tradução integral para o português/ sendo assim, resta ler a versão digital e dividida em nove partes das Enéadas. Há ainda uma versão completa em inglês, Plotinus, The Enneads. A obra completa de Plotino é relativamente pequena; entretanto, o esforço para compreendê-la não é e, por conta disto recomenda-se, como leituras de apoio e para além das histórias da filosofia já exaustivamente recomendadas por aqui, a leitura do Cambridge Companion de Plotino e A Metafísica de Plotino. Após entender algo de Plotino — pois em momento algum buscamos exaurir qualquer um dos filósofos citados — é perfeitamente possível “repetir o processo” e ler outros integrantes do neoplatonismo, como Proclo e Damáscio — ficando a critério do estudante selecionar as obras mais importantes e as leituras de apoio. Recomenda-se, ainda e por fim, verificar o pequeno e importantíssimo tratado de nome Isagoge, de um dos alunos de Plotino, Porfírio de Tiro.
Terminado o estudo de Plotino, entraremos no Período Patrístico, representado principalmente por Sto. Agostinho. Aqui precisamos de um método diferente; recomenda-se, antes de qualquer coisa, a leitura de pelo menos um terço do Curso de Patrologia para que o estudante tome posse de algumas informações históricas importantes e também conheça o panorama de autores que compõem o período sob exame. Assim o recomendo pois, após a leitura de Sto. Agostinho, caso o estudante se interesse, ele poderá selecionar os autores que mais lhe chamaram a atenção e procurar por suas obras — novamente, selecionando as fontes primárias mais importantes e alguns livros de apoio. Em primeiro lugar, urge ler o sempre clássico Confissões; logo em seguida, o magnífico O Livre Arbítrio; os quatro escritos contidos no volume 24 da coleção Patrística, Solilóquios, A Vida Feliz e então sua obra magna, A Cidade de Deus. Há ainda as obras eminentemente teológicas que, ainda que sejam quase “opcionais” para o estudante de filosofia “normal”, decerto interessam sobremaneira ao seminarista; nesse caso, recomenda-se a leitura de A Doutrina Cristã, A Trindade, Comentário do Gênesis, e o gigantesco Comentário dos Salmos. É bom, ainda, que se verifique os seguintes comentários: Confissões de Agostinho, Cambridge Companhion de Sto. Agostinho e A fé trinitária e o conhecimento de Deus.
Victor Schnetz — O adeus de Boécio à sua família
Finalizado o estudo de Sto. Agostinho, o último autor a ser estudando, no contexto da filosofia antiga, é Severino Boécio, o último dos antigos e também, por vezes, considerado o último dos romanos. Boécio é um autor capital para o estudo da filosofia posterior, a medieval, por conta dos temas e resultados por ele obtidos serem o estopim, por exemplo, da grande querela dos universais. Sendo assim, recomenda-se a leitura das seguintes obras: O grande clássico A Consolação da Filosofia e Opuscula Sacra — que, apesar do nome, nem de longe contém apenas escritor teológicos. Como apoio recomenda-se a leitura do Cambridge Companion de Boécio e A Metafísica do Ser em Boécio.
Completadas tais leituras, que contemplam apenas o “normal” de filosofia antiga a ser lido por aquele que estuda sem pretensão de especializar-se em algum dos citados, o estudante poderá considerar que entende algo sobre a filosofia antiga e, creio eu, estará “vacinado” contra interpretações duvidosas acerca dos antigos. Nunca nos esqueçamos que, para além de todo o valor dos comentadores, o juízo final acerca dos filósofos deve referir-se prioritariamente à fonte primária.
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