Por Juan de Mariana S.J.
Tradução e Notas de Helkein Filosofia
Há seis formas de governo, e expô-las-emos brevemente antes de explicar o quão difere a bondade régia da perversidade tirânica.[1] A monarquia é essencialmente determinada pelo fato de concentrar, em apenas um homem, todas as potestades públicas. O governo dos melhores, chamado em grego de aristocracia, caracteriza-se pela reunião das potestades num certo número de magnânimos destacados por suas qualidades pessoais. A república, propriamente dita, supõe que os membros do povo participem do governo conforme seu mérito, concedendo aos melhores as honras e as magistraturas. E por último, no governo popular chamado democracia, as honras e cargos estatais são concedidos sem distinção de mérito ou classe – coisa decerto contrária ao bom senso na medida em que iguala aquelas que a natureza (ou outra causa superior e irresistível) fez desiguais.[2]
A antítese da república é a democracia; da aristocracia, a chamada pelos gregos de oligarquia, onde o poder público é confiado a poucos não conforme a virtude, mas as riquezas – o preferido aos demais é, portanto, o possuidor de maior renda. A tirania, última e pior forma de governo é antitética à monarquia, e exerce sobre os súditos um jugo rígido. O tirano arrebata o poder comumente pela força, mas, mesmo partindo de um início legítimo, degenera em todo tipo de vícios, principalmente na cobiça, na crueldade e na avareza. É dever de um bom regente defender a inocência, reprimir a maldade, fomentar o bem-estar público e procurar, para todos os membros do reino, a felicidade e todo tipo de bens; o tirano, inversamente, concentra seu poder na liberdade de entregar-se desenfreadamente às suas paixões; não considera indecorosa nenhuma maldade, comete todo tipo de crimes, destrói a fortuna alheia, viola a castidade, mata os bons e não dispensa, ao longo da vida, sequer uma única ação maléfica. O rei é humilde, tratável, acessível, afeito à vivência sobre o mesmo direito de todos; o tirano, desconfiado de seus cidadãos, é medroso e afeito ao terror mediante a máquina pública, submissa à severidade de seus costumes e inumanidade de seus julgamentos.
[…]
Explicadas as condições do bom príncipe, fica mais simples resumir as do tirano que, maculado por toda sorte de vícios e percorrendo a via contrária, ruma à destruição da república. Em primeiro lugar, [o tirano] desfruta do poder não por mérito ou concessão popular, mas pela força, pela intriga ou pelas riquezas. [E mesmo] quando acede ao poder pela vontade popular, o exerce violentamente não em prol da utilidade pública, mas sim de seus prazeres, vícios e demandas particulares. Ele pode apresentar-se, no princípio, brando e risonho, desejoso da vida sob mesmo direito de todos, [mas apenas] para enganar o povo com falsa suavidade[3] e clemência e, depois, robustecer seu domínio e fortalecer-se com armas e riqueza, qual fez Nero[4] – príncipe excelente durante os cinco primeiros anos de seu império. Assegurado de seu governo, muda completamente sua política e, não podendo dissimular por mais tempo sua crueldade, se arrola como fera indômita contra todas as classes do Estado, cujas riquezas saqueia movido pela leviandade, avareza, crueldade e infâmia, feito aqueles monstros descritos em narrativas fabulosas sobre os primeiros tempos históricos, como o Gerião de três cabeças na Espanha[5], de Anteu, na Líbia[6], a Hidra da Beócia[7] e a Quimera da Lícia[8], contra os quais foi necessário o esforço de heróis para imputar-lhes a morte. Os tiranos buscam subjugar a todos[9] e, em especial, os ricos e os bons, para eles cem vezes mais suspeitos que os maus – pois temem menos seus vícios que a virtude alheia. Assim como os médicos se esforçam para expelir os maus humores do corpo mediante jugo saudável, o tirano trabalha para[10] desterrar os capazes de melhorar a república: “caia o que houver de mais elevado no reino”, dizem para si, e procuram a satisfação de seus desejos, senão apelando explicitamente à força, com acusações e calúnias secretas. Esgota o tesouro dos particulares, impõem todos os dias novos tributos, semeiam a discórdia entre os cidadãos, enlaçam ou outra guerra, põem em jogo todos os meios possíveis para impedir sublevações contra sua tirania. Constrói grandes monumentos à custa dos súditos; não foram, por acaso, feitas assim as pirâmides do Egito e subterrâneo do Olimpo, na Tessália? Lemos, nas Sagradas Escrituras, que Ninrode[11], o primeiro entre os tiranos, empreendeu, para fortificar-se enquanto extenuava seus súditos, a construção de uma torre[12] elevadíssima e imponente de forma a aparentemente inspirar a fábula grega dos gigantes que, para destronar Júpiter de seu trono celeste, empilharam montes no campo macedônico de Flegra. Não foi outro o objetivo do faraó quando obrigou os hebreus a edificar cidades egípcias, tornando o povo suficientemente abatido, sobrecarregado pelos males, de forma que não pudesse aspirar à liberdade.
Jean-Bédel Bokassa, ditador centro-africano, é um exemplo de tirano moderno cuja ascensão ao poder e ações conferem com a descrição fornecida por Juan de Mariana – tomada do poder via golpe, centralização de poderes, perseguição, uso do dinheiro público a ponto de quebrar o país, etc. [N.T.]
O tirano faz bem em temer quem o teme, pois pode muito bem encontrar sua ruína naqueles que, escravizados, o servem. Supressa toda sorte de garantias, o povo, desarmado, condenado a não poder exercer as artes liberais dignas de homens livres e nem a robustecer o corpo com exercícios militares – ou alguma outra coisa – não poderá recuperar seu ânimo e desmoronará. Os temores tirânicos também são os régios; mas temido pelo primeiro é o passível de prejudicar os súditos, enquanto o segundo teme os próprios vassalos como inimigos que podem arrebatar-lhe o governo e os tesouros. Não é por outra razão que este proíbe que o povo se reúna ou comente os negócios públicos, utilizando espias para lhes desinformar e impedir a liberdade de expressão; eis a máxima servidão, pois impede protestos contra os males tirânicos. Por não confiar nos cidadãos, busca apoio na intriga, solicita cuidadosamente a amizade de príncipes estrangeiros a fim de blindar-se, compra guardas de outros povos dos quais se fia por sua condição estrangeira e contrata mercenários. [13] Nos tempos do imperador Nero, diz Tácito, divagavam pelas praças, casas, campos, cercanias das cidades, soldados a pé e a cavalo, mesclados com os bárbaros estrangeiros em cuja nacionalidade estrangeira residia a confiança do príncipe.[14]
A história é suficiente para caracterizar o tirano. Tarquínio, o Soberbo, foi, segundo dizem, o primeiro rei de Roma a ignorar o senado. Governou conforme o próprio conselho e rescindiu por si e sem anuência do povo tratados de guerra, de paz, de alianças ofensivas e defensivas com os reis e nações que melhor lhe aprouveram. Conciliou-se principalmente em favor dos latinos por crer, diz Lívio, serem mais confiáveis que seus súditos. Matou, nos conta o mesmo autor, os principais patrícios sem substituí-los por outros, a fim de depreciar o povo; assumiu, ademais, o juízo de todas as penas capitais, algo próprio de um tirano. Não é preciso mais do que isto; o tirano transtorna a república, se apodera de tudo sem respeitar as leis (de cujo império crê-se isento); postula a própria saúde acima da do reino[15] e condena os cidadãos a uma vida miserável, acossados por toda sorte de males, e despoja a todos e a cada um de seus patrimônios para denominar-se, assim, senhor de toda a fortuna. Arrebatado de todos os seus bens, todos os males tornam-se calamidades para os súditos.[16]
É Lícito Matar o Tirano?
Eis o caráter e os costumes do tirano, aparentemente feliz, mas nunca o será. Odiado por Deus e pelos homens, seus crimes lhe servem de tormento, pois sua alma e consciência jazem dilaceradas pela crueldade, leviandade e medo, à maneira de um corpo açoitado,[17] e os alvos da vingança celeste são precipitados ao céu antes de sua ruína.[18] A história, tanto antiga quanto a moderna, nos fornece exemplos de quão poderoso é o ódio de uma multidão enfurecida disposta a derrubar o príncipe. Tivemos na França, recentemente, um exemplo da importância da tranquilidade dos ânimos populares, sobre os quais não é possível exercer o mesmo domínio aplicado aos corpos, num ocorrido tão memorável quanto triste. Henrique III, rei daquela monarquia, morreu pelas mãos de um monge após ter as entranhas atravessadas por um punhal envenenado[19], num lamentável e pouco elogiável espetáculo, embora útil para os príncipes perceberem que seus atentados não podem permanecer impunes e seu poder é débil quando sem o respeito dos vassalos.
Intentava aquele, por carecer de descendência, deixar o reino para seu cunhado Henrique [de Navarra][20], este manchado desde a tenra idade com doutrinas religiosas depravadas, maldito pelos pontífices e[21] despojado de seu direito de sucessão, embora agora, tendo mudado de idéia, seja o rei da França. Mas grande parte da nobreza, tomando nota desta resolução, entrou em acordo com outros príncipes, tanto franceses quanto estrangeiros, e alçaram armas para defender a pátria e a religião, fornecendo-lhe todo o socorro e auxílio. [Henrique de] Guise[22] lidera a sublevação, duque sobre o qual descansara, naquele tempo, as esperanças e a fortuna francesa. Os reis raramente mudam de idéia; daí Henrique [III], desejando vingar-se da nobreza, chama Guise a Paris, na intenção de matar-lhe; e quando vê que não pode levar a cabo sua obra, pois povo jaz enfurecido e armado, deixa a cidade. Passado algum tempo, simula mudar de idéia e anuncia o desejo de deliberar com os cidadãos o conveniente à saúde do reino. Reunidos todos os estamentos do Estado em Blois, junto às águas do rio Loire, mata, no palácio real, do duque e o cardeal de Guise, que, confiando na palavra do rei, haviam assistido à assembleia.[23] Depois, tratando de cobrir os fatos com a capa do direito, acusa ambos de lesa-majestade, quando já não podiam se defender, levando ao escândalo de aparentar terem sido mortos por alta traição. No entanto, prende a muitos outros, entre eles o Cardeal de Bourbon[24], que mesmo ancião ainda possuía a justa esperança de suceder Henrique III devido a seu direito de sangue.
Nicolae Ceaușescu é um exemplo de tirano moderno. Instaurou um estado policial na Romênia, promoveu a censura, causou um desastre econômico, etc. Foi derrubado de maneira parecida com a proposta de Mariana. [N.T.]
Isto comoveu grandemente os ânimos de grande parte da França; muitas cidades se rebelaram, exigindo a abdicação de Henrique [III] em prol do bem público – entre elas, Paris, que não pode ser comparada, devido às suas riquezas, sabedoria, meios de instrução e, sobretudo, por sua grandeza. O incêndio foi considerável, pois os movimentos da plebe são, sem dúvida, feio uma torrente cujo fluxo cresce e evanesce em pouco tempo. Os ímpetos do povo estavam muito debilitados e Henrique III acampava, por volta de quatro milhas de Paris, não sem esperanças de lavar com sangue a mancha de sua honra, quando a audácia de um jovem levantou novamente os ânimos. Este jovem, chamado Jacques Clément, natural de Saint-Cloud, estudava teologia num colégio dominicano. Tendo aprendido com os teólogos a licitude da eliminação do tirano, se apoderou de várias cartas dos que, pública ou secretamente, eram aliados de Henrique e, sem se aconselhar com pessoal alguma, dirigiu-se ao acampamento do rei, intentando matá-lo, em 31 de julho de 1589. Foi admitido sem demora devido ao rei crer que este fora devolver-lhe suas cartas, convocando-lhe para uma audiência no dia seguinte. Na manhã de agosto, dia de São Pedro ad Vincula, celebrada a missa, visitou o rei, que o recebeu enquanto recém-levantado do leite e mal vestido; trocadas algumas palavras, já próximo de sua vítima, sob o pretexto de entregar-lhe outras cartas, apunhalou-o na bexiga com um punhal envenenado, antes escondido em suas mãos. Serenidade notável, feito memorável! Transpassado pela dor, o rei feriu seu assassino com este mesmo punhal, no peito e no olho, enquanto gritava: “ao traidor, ao parricida”.
Os cortesãos, comovidos pelo ocorrido, irromperam nos aposentos do rei e esfaquearam Clemente, já prostrado e exasperado. Este permaneceu sem proferir palavra alguma, permanecendo sereno, de forma que, entre os golpes e feridas, seu rosto revelava a alegria de haver redimido, com seu sangue, sua pátria infortuna e a liberdade do reino.
A morte do rei tornou seu nome famoso por expiar uma morte com outra[25] e oferecer sangue real como holocausto pelo duque de Guise, este perfidamente assassinado. Assim morreu Clemente, considerado pelos demais como a glória eterna da França, com apenas vinte e quatro anos. Era de gênio modesto e corpo pouco robusto, mas um impulso superior aumentou suas forças e revigorou sua alma.[26] O rei parecia, à noite, esperançoso com sua saúde e, por isto, dispensou os sacramentos; entretanto, exalou seu último suspiro durante a madrugada, enquanto pronunciava o dito de Davi: “Eis que nasci na culpa, e minha mãe concebeu-me no pecado.”[27] Que lástima! Tal rei poderia ter sido feliz caso seus últimos atos tivessem correspondido aos primeiros, e tivesse demonstrado ser um príncipe tão bom quanto se pensava ser quando, sob o reinado de seu irmão Carlos, foi o general-chefe de suas tropas contra os rebeldes, com um sucesso que lhe rendeu um chamado ao trono da Polônia pelo voto dos nobres daquele reino. Mas tais primícias foram borradas por sua conduta posterior, e os crimes cometidos em sua maturidade lançaram ao esquecimento as glórias de sua juventude. Morto seu irmão, foi chamado novamente à sua pátria e proclamado rei da França, e a tudo converteu em joguete de seu poderio. Ora, parece ter sido elevado ao topo da grandeza em prol da medida de sua queda! Assim opera a fortuna, ou uma força superior, contra os negócios humanos.
Mariana considera Henrique III da França um tirano [N.T.]
Nem todos opinaram da mesma maneira sobre a ação do monge. Muitos o elogiaram e o julgaram digno da imortalidade; outros, mais prudentes e eruditos, o censuraram, negando que um particular possa, por sua autoridade privada, matar um rei proclamado pelo consentimento do povo e ungido e consagrado, segundo o costume, com o óleo santo. Importa pouco, diziam, os costumes e depravações do rei ou a degeneração de seu poder em tirania: os livros sagrados e a história do cristianismo manifestam a ausência de razões para o regicídio. Tamanha, dizem, não foi, nos tempos antigos, a maldade de Saul, rei dos judeus! Quão libertina foi sua vida e depravados seus costumes! Sua mente, agitada por infames pensamentos, vacilava pelo remorso de seus crimes. Destronado, deveria passar a coroa para Davi, por disposição divina, e este, não obstante, apesar de saber quão injustamente reinava e de vê-lo mergulhado em crime e loucura, quando o teve repetidas vezes sob seu poder, não se atreveu a despojá-lo de sua dignidade. Ele tinha, sem dúvida, certo direito para vindicar o comando e até para defender sua própria vida, pois seu perseguidor atentava de mil maneiras contra ela, seguindo seus passos aonde fosse; e não só perdoou suas injúrias, mas também matou como ímpio e temerário o jovem amalequita que o assassinou, vendo-o vencido na batalha, caído sobre sua própria espada e desejando alguém para tirar-lhe a vida.[28] Creu que Saul, mesmo tirano, era digno de perdão e fora justo castigar quem atentara contra um príncipe consagrado pela mão de Deus (pois este é o significado da unção).[29]
É famosa a crueldade demonstrada pelos imperadores romanos nos primeiros tempos da Igreja contra adeptos da religião de Cristo. Promoviam horrorosas carnificinas em todas as províncias e esgotaram, nos corpos dos fiéis, todos os tormentos possíveis. Quem jamais pensou em se vingar ou resistir-lhes com armas? Não se sustentava, pelo contrário, a necessidade de opor paciência à crueldade, e afabilidade à maldade? Não disse São Paulo que o resistente à vontade de um magistrado, resiste à vontade de Deus.[30] E se não se considerava lícito tocar num pretor, por mais iníquo e temerário que fosse, pior ainda o regicídio, independente da degeneração de seus costumes. Ignoramos, por acaso, que Deus e a comunidade os colocaram no cume do poder para os súditos os respeitarem, feito homens de condição superior, qual divindades terrenas? Os desejosos, ademais, de mudar de príncipe, provocam maiores males, pois não é fácil derrubar um governo sem grandes convulsões – das quais muitas vezes vitimam seus próprios promotores.[31] A história é lotada de exemplos. De nada adiantou aos siquemitas a conspiração contra Abimelec, buscando vingar aos irmãos que este havia sacrificado ímpia e inumanamente, movido pela terrível e perniciosa ambição de mandar, apenas de ser um bastardo.[32] A cidade foi completamente destruída e seu solo salgado; todos os seus cidadãos morreram. Do que serviu a Roma a morte de Domiciano Nero, senão para lhe sucederem Otão e Vitélio, dois tiranos tão danosos quanto ele para a saúde da república? O resultado foi apenas um estrado um pouco menor enquanto durou seu império.
Crêem muitos, à vista de tantos e terríveis exemplos, que devemos suportar o príncipe reinante, seja justo ou injusto, e atenuar, pela obediência, os rigores de sua tirania. A clemência dos reis e dos chefes de um Estado depende, dizem, não apenas de seu caráter, mas também do de seus súditos. Se o rei de Castela, Dom Pedro[33], mereceu o nome de Cruel, não foi tanto por sua culpa, mas porque a intemperança dos nobres, ávidos de vingar, com ou sem razão, as injúrias recebidas, o colocou na dura necessidade de reprimir tão temerário atrevimento. Mas tal é a condição deste mundo. Atribuímos a desgraça das virtudes aos vícios, julgamos as coisas por seus resultados. Que respeito poderão ter os povos por seu príncipe (respeito no qual se funda a autoridade) se forem persuadidos de poderem punir suas faltas? Ora, por motivos verdadeiros ou aparentes, a cada passo se perturbará a tranqüilidade da república, o dom mais apreciável que podemos receber do céu. Cairão sobre nós todo tipo de calamidades e os bandos opostos disputarão o poder com armas em punho. Quem não acredita que esses males devam ser evitados, carece de bom senso ou tem coração de ferro.
Assim raciocinam os defensores do tirano; mas os patronos do povo não apresentam menos ou menores argumentos. A dignidade real, dizem, origina-se na vontade pública. Se assim o exigirem as circunstâncias, não apenas há faculdade de chamar o rei ao direito, mas e despojar-lhe do cetro e coroa caso se recuse a corrigir seus erros. O povo lhe transmitiu seu poder, mas reservou para si um poder maior; assim, para impor tributos ou mudar suas leis fundamentais, é indispensável o seu consentimento. Não discutiremos, agora, a manifestação de tal consentimento, mas conste apenas o assentimento popular pode sancionar novos impostos e estabelecer leis que transformem as antigas; conte, ademais, que os direitos reais, mesmo hereditários, confirmam-se apenas mediante o juramento deste mesmo povo. É preciso, ademais, ter em que, em todas as épocas, mereceram grandes elogios os pretendentes a tiranicidas. Por que o nome de Trasíbulo foi elevado às nuvens, senão por libertar[34] sua pátria dos opressores trinta tiranos? Por que Aristógito e Harmódio[35] foram tão exaltados, e os dois brutos, cujos elogios são repetidos prazerosamente pelas novas gerações, estão legitimados pela autoridade do povo? Muitos conspiraram, sem sucesso, contra Domiciano Nero, e ninguém censura sua conduta; ao contrário, são aclamados por todos os séculos. Assim morreu Caio, monstro horrendo, pelas mãos de Quereas, e Domiciano, pelas de Estevão, e Caracala, por Macrino, Heliogábalo, prodígio e desonra do império que afinal expiou seus crimes com seu próprio sangue e as lanças das guardas pretorianas. E quem, repetimos, vituperou jamais a audácia destes homens? O senso comum nos serve de espécie de voz natural, saída do fundo de nosso entendimento, ressoando sem cessar em nossos ouvidos, ensinando a distingüir o torpe e o honesto.
Ademais, o tirano é como uma besta feroz e desumana, que devasta, saqueia e incendeia todo o tocado, causando estragos por toda parte com suas garras, dentes e chifres. Quem acreditará ser indigno de elogio quem, arriscando própria vida, tenta salvar o povo de suas garras? Não é necessário lançar todas as flechas e punhais contra tal monstro cuja vida sustenta a carnificina? Chamarás de cruel, covarde ou ímpio aquele que, vendo sua mãe ou esposa maltratadas, não as socorre? E devemos consentir ao tirano abusar e atormentar à vontade nossa pátria, à qual devemos mais do que aos nossos pais? Longe de nós tamanha maldade e vileza. Importa pouco arriscarmos a riqueza, a saúde, a vida; devemos salvar a pátria do perigo e da ruína.
Eis as razões de ambas as partes. Consideradas atentamente, não será difícil explicar a resolução da questão proposta. Em primeiro lugar, tanto os filósofos quanto os teólogos concordam que, se um príncipe se apoderou da república pela força das armas, sem direito algum e sem o consentimento do povo, pode ser despojado por qualquer um do governo e da vida; sendo um inimigo público e provocando todo gênero de males à pátria, merece, verdadeiramente, o título de tirano, podendo ser não apenas destronado, mas pode sê-lo por qualquer meio, inclusive com a mesma violência usada para usurpar o poder. Por essa razão, Eúde, depois de ter conquistado com presentes o favor de Eglom, rei dos moabitas, o matou a punhaladas,[36] libertando seu povo de uma servidão suportada por quase vinte anos.
Mas se o príncipe ascendeu ao trono por direito hereditário ou vontade popular, acreditamos que deva ser suportado, apesar de suas leviandades e vícios, enquanto não desprezar as leis do dever e da honra às quais está sujeito por razão de seu ofício. Não se pode mudar facilmente de reis se não quisermos incorrer em maiores males e provocar distúrbios, como dissemos. No entanto, não é possível ignorar sua maldade quando perturba a comunidade, se apodera das riquezas de todos, menospreza as leis e a religião do reino e desafia, com sua arrogância e impiedade, o próprio céu. Deve-se pensar, neste caso, num meio de destroná-lo, para não se agravarem os males nem se vingue um crime com outro. Se ainda forem permitidas as reuniões públicas, o caminho mais rápido e seguro será consultar a opinião de todos e aceitar como mais razoável o estabelecido por comum acordo. Deve-se proceder moderadamente e por etapas. Deve-se advertir o príncipe e chamá-lo à razão e ao direito; se condescender e satisfizer os desejos da república, se mostrando disposto a corrigir suas faltas, não há motivo para ir além ou tentar remédios amargos; se, pelo contrário, rejeitar as observações, se não deixar lugar para esperança, deve-se começar por declarar publicamente que ele já não é reconhecido como rei. E por declaração necessariamente provocar uma guerra, convém preparar os meios de defesa, conseguir armas, impor contribuições aos povos para os custos bélicos e, se for necessário e não houver outro modo de salvar a pátria, passar o príncipe à espada feito inimigo público, mediante a autoridade legítima do direito de defesa concedida pelo povo mesmo – pois tal faculdade reside em qualquer particular que, sem se preocupar com sua pena, e desprezando sua própria vida, deseje ajudar na salvação da pátria.
Enver Hoxha pode ser visto como tirano moderno. Instaurou um estado policial dotado de um serviço secreto aos moldes de NKVD, STASI E KGB, eliminou adversários políticos, restringiu informações e, o que escandalizaria Juan de Mariana, expropriou posses da Igreja (e de outras religiões), buscando instaurar um estado ateu. [N.T.]
Pode-se perguntar o que deve ser feito quando não há nem a possibilidade de se reunir, como acontece muitas vezes; mas supondo o povo oprimido pela tirania do príncipe, porque os cidadãos não podem se reunir, existe sempre a mesma causa e, por conseguinte, o mesmo direito. Por ter suas reuniões impedidas, não deve faltar no povo a vontade de derrubar o tirano, vingar as intoleráveis maldades do príncipe, de reprimir os esforços que tendem à ruína dos povos, tais como a subversão da religião da pátria e chamar ao reino nossos inimigos. Nunca poderei acreditar que aja mal quem, seguindo os desejos públicos, atentou, nestas circunstâncias, contra a vida de seu príncipe. Já demos muitas razões, e acreditamos em sua suficiência.
Uma vez postulada a existência de um direito ao tiranicídio, a questão verte para isto: quem merece ser considerado tirano. Muitos temem que, com esta teoria, se ataque freqüentemente a vida dos príncipes, denunciando-os como tiranos; mas é necessário advertir que não deixamos a qualificação de tirano ao arbítrio de um particular e nem mesmo ao de muitos; queremos que a fama pública o proclame como tal e que os homens respeitados por sua sabedoria e prudência concordem. Seria de outra forma se houvesse muitos homens de grande coração dispostos a desprezar seu bem-estar e sua vida pela liberdade da pátria; mas, infelizmente, muitos são detidos de seus nobres intentos pelo desejo de preservar seu bem-estar e vida. Entre tantos tiranos antigos, poucos caíram pela espada ou punhal. Na Espanha, apenas um ou outro, embora isso deva ser atribuído à lealdade dos súditos e à clemência dos príncipes, que exerceram com humanidade e moderação o poder confiado pelo consentimento público e o direito. No entanto, é saudável os príncipes estarem persuadidos de que, se oprimirem o reino, e forem intoleráveis por seus vícios e crimes, poderão ser mortos, não só com direito, mas com aplauso e glória das gerações futuras. Talvez esse temor sirva para não se entregarem tão facilmente à leviandade nas mãos de seus cortesãos corruptos, e ponham algum freio em seus excessos. E, mais importante, que estejam persuadidos de que a autoridade do povo supera a sua, sem dar ouvidos a homens malvados e bajuladores que, adulando-os, digam o contrário.[37]
Com referência à observação antes colhida sobre a conduta do rei Davi, deve-se responder que ele não tinha uma causa suficiente para matar o rei Saul, pois podia recorrer à fuga para proteger sua vida. E, sendo o rei Saul constituído por Deus mesmo, se o tivesse assassinado para se proteger, seu ato teria sido atribuído à impiedade e não ao amor pelo bem público. Ademais, os costumes de Saul não eram tão depravados, nem pode-se dizer que ele oprimia tiranicamente os súditos, se apoderasse de seus bens, ou quebrantasse escandalosamente as leis divinas e humanas. A coroa deveria, certamente, passar para Davi quando Saul morresse, mas isso não justifica arrebatar-lhe o poder e a vida. Ignoro o fundamento de Sto. Agostinho, no capítulo XVII de sua obra contra Dimano ao afirmar que Davi não desejava matar Saul, embora apesar da licitude.
Tampouco é necessário esforçarmo-nos para rejeitar a objeção referente aos imperadores romanos. Com a resignação e o sangue dos fiéis, se lançavam, então, os alicerces da grandeza da Igreja, que estendeu-se até os limites da orbe; quanto maior a opressão e as vítimas, tanto mais [a Igreja] crescia por um favor especial do céu. Não convinha, por esta razão e naqueles tempos, os cristãos atentarem contra a vida dos príncipes –embora fosse permitido pelo direito e pelas leis. Assim nos demonstra Zózimo quando, no capítulo II do livro VI de sua História, ao discutir se era verdadeira a acusação de que um soldado havia morto o imperador Juliano, diz que, se o tivesse feito, o teria com direito e por isso mereceria o aplauso das gentes.
Cremos, por fim, que devem ser evitadas as sublevações populares para que, com a alegria da deposição do tirano, não se produzam excessos, e sejam esquecidas as medidas necessárias para o bem público, esterilizando tão grave decisão. Deve-se tentar todos os caminhos para corrigir o príncipe antes de uma resolução extrema. Mas quando não resta esperança, quando foram postas em perigo a santidade da religião e a saúde do reino, a quem faltará a razão a ponto de não confessar a licitude da derrubada do tirano com a força do direito, das leis e das amas? Alguns se perguntarão o motivo de o tiranicídio ter sido reprovado no Concílio de Constança, condenando-o na seguinte proposição:
“Qualquer tirano pode e deve licita e merecidamente ser morto por qualquer vassalo ou súdito seu, também através de insídias, lisonjas ou bajulações, não obstante qualquer juramento prestado ou acordo feito com ele e sem esperar a sentença ou o mandato de qualquer juiz” …[38]
Este decreto não foi aprovado pelo pontífice romano Martinho V e nem por Eugênio ou seus sucessores,[39] de cujo assentimento depende a força legislativa dos concílios eclesiásticos; este decreto foi dado numa época de transtornos para a igreja quando três pontífices disputavam o trono de São Pedro. O propósito dos padres conciliares foi, sem dúvida, frear a licença dos hussitas[40] e reprovar sua doutrina, segundo a qual era lícito destronar os príncipes por qualquer crime, atribuindo a qualquer um a faculdade de depô-los do poder injustamente exercido. É provável que este decreto também tenha sido suscitado com o propósito de condenar a opinião de João Petit[41], teólogo parisiense que tentava desculpar o assassinato de Luís de Orléans por João de Borgonha com a doutrina de que se pode, por autoridade privada, assassinar o rei prestes a cair na tirania, algo decerto ilícito quando, como naquele caso, existe um juramento de fidelidade e não se espera, como não se esperou, que se pronunciem contra o monarca.
Eis meu parecer, nascido de espírito sincero e em que posso, feito homem, enganar-me. Estou disposto a retificá-lo se alguém fornecer argumentos melhores, e agradecerei de coração. Me agrada concluir com as palavras do tribuno Flávio, que, convicto numa conspiração contra Domiciano Nero, quando lhe perguntaram como pôde esquecer um juramento de fidelidade, respondeu: “Embora eu te odeie, não tiveste um soldado mais fiel enquanto mereceste ser amado; passei a odiar-te quando te tornastes parricida de tua mãe, matar tua esposa, após fazer-te um palhaço, auriga e incendiário”. Esta frase, própria de um militar com um espírito viril, é referida por Tácito no livro 15 de sua História.
APÊNDICE I: OBSERVAÇÕES SOBRE O TIRANICÍDIO
- A opinião de Francisco Suárez S.J., semelhante à de Mariana, aceita – naturalmente – as resoluções do Concílio de Constança e distingue minuciosamente o caso herético, i.e., onde uma pessoa comum ataca o regente, e o caso onde o rei ataca deliberadamente a sociedade a fim de destruí-la. A opinião de Francisco pode ser conferida neste link.
- Outra discussão sobre o tiranicídio pode ser conferida neste link.
- O Papa Paulo V sanciona, em 1615, as resoluções do Concílio de Constança, em sua bula Cura Domini Gregis. Fica, portanto, classificada como herética a posição condenada em tal concílio. A opinião de Mariana, quando diz que “pode ser despojado por qualquer um do governo e da vida” (com o mesmo valendo para seus elogios não tão velados ao tiranicida de Henrique III), fica, então, condenada. No entanto, deve-se atentar que o filósofo defende antes a idéia de insurreição mediante autoridade pública do que o mero tiranicídio. Interpretada nesta clave, a conclusão de Mariana confere com a de Sto. Tomás de Aquino e deixa de ser herética; a opinião tomista pode ser conferida neste link.
APÊNDICE II: AÇÕES TIRÂNICAS
Oferecemos a seguinte lista de ações tirânicas, feita conforme a descrição de Juan de Mariana, para a identificação de possíveis tiranos modernos.
- Ascensão ao poder via golpe ou recrudescimento da regência após ascensão legítima.
- Saque da população (expropriação ilícita/confisco, aumento excessivo de impostos).
- Desinformação, espionagem, censura prévia, supressão de liberdade de expressão, perseguição de oponentes políticos (estado policial).
- Ações alheias à lei (ex: inconstitucionais ou sem lei definida) e supressão de garantias legais.
- Desarmamento civil.
- Proibição do ensino das artes liberais.
- Proibição de livre-associação e supressão de protestos.
- Formação de milícia mercenária.
- Uso dos cofres públicos para benefício próprio (luxos, obras faraônicas, propaganda de culto à personalidade, guerras desnecessárias).
Bibliografia Recomendada
- Platão – A República
- Aristóteles – Política
- Sto. Agostinho – A Cidade de Deus
- Sto. Tomás de Aquino – Do Governo dos Príncipes ao Rei de Cipro
- Francisco Suárez – Defensio Fidei Catholicae
- Eric Voegelin – A Nova Ciência da Política
- Eric Voegelin – Hitler e os Alemães
- Eric Voegelin – História das Idéias Políticas Vol. I-VIII
- Eric Voegelin – Ordem e História Vol. III: Platão e Aristóteles
- Claude Mossé – O Cidadão na Grécia Antiga
- Erik Von Kuehnelt-Leddihn – Liberdade ou Igualdade
- Álvaro Calderón – O Reino de Deus
- James H. Billington – A Fé Revolucionária: Sua Origem e História
- Olavo de Carvalho – O Jardim das Aflições
- Heinrich Denzinger & Peter Hünermann – Compêndio dos Símbolos, Definições e Declarações de Fé e Moral
- Bertrand de Jouvenel – O Poder: História natural de seu crescimento
- Alejandro Antonio Chafuen – O Pensamento Econômico de Juan de Mariana
- Lucas Duarte Silva – O direito de resistência e o tiranicídio no pensamento político de Juan de Mariana: contextualização, apresentação e a justificação do direito de resistência
- Walter Luiz de Andrade Neves – Juan de Mariana: um “maquiavelista dissimulado”?
- Walter Luiz de Andrade Neves – A doutrina do tirano, da tirania e do tiranicídio na neoescolástica hispânica
Tradução feita dos capítulos V e VII de Del Rey y de la Instituición Real, de Juan de Mariana, conforme a edição Biblioteca de Autores Españoles, Obras de Padre Juan de Mariana, Tomo Segundo. Madrid, 1854.
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Notas:
[1] Juan adere, portanto, a uma concepção próxima da aristotélica conforme Política 1278b. Há três constituições retas, da melhor à pior: Monarquia, Aristocracia e República; notemos que cada uma delas reflete a excelência das qualidades do governante, partindo do ajuizamento de um, de alguns e muitos. Segue, então, o mesmo com as formas degeneradas, conforme o princípio corruptio otimi pessima: um péssimo (Tirania), alguns péssimos (Oligarquia) e muitos péssimos (Democracia). Notemos ainda, conforme Reale (História da Filosofia Grega e Romana vol.III p.132), que as formas retas de governo são naturais; as outras são, necessariamente, degenerações das primeiras. Uma opinião semelhante, quiçá inspiração para a aristotélica, pode ser encontrada na República (544d+) de Platão.Ali, as formas corrompidas de pólis são, da melhor para a pior: Timocracia, Oligarquia, Democracia e Tirania, correspondendo à prioridade corrupta da honra, da riqueza, da demagogia e do poder. O filósofo crê, ainda, que a série de corrupções decorre uma da outra; nisto, a degeneração da honra decai no amor à riqueza; a corrupção da avareza degenera na sua tomada pela via demagógica; e o caos demagógico prepara o caminho para a estabilização nas mãos de um poder implacável. [N.T.]
[2] A opinião de Mariana, neste ponto, confere com a de Kuehnelt-Leddihn: “O homem não vive só do pão. […] Falar em igualdade não é falar em eqüidade (o que é outra palavra para justiça). Mesmo a assim chamada “igualdade cristã” não se manifesta de maneira mecânica, e significa somente que todo mundo está sujeito a uma mesma lei — trata-se, antes, de isonomia. Para o cristão, dois bebês recém-nascidos possuem uma igualdade espiritual, apesar de todos os fatores físicos e intelectuais que os diferenciam no momento da concepção (ainda que só em potência). Não pretendemos elaborar muito os motivos psicológicos por trás das tendências igualitárias e identitárias de nosso tempo, das quais já tratamos em outra ocasião; basta-nos dizer que a imposição artificial da igualdade é tão pouco compatível com a liberdade quanto a imposição de leis injustas de discriminação […] Se a ambição, o orgulho e a soberba são a base das discriminações, os combustíveis da moda identitária são a inveja, o ciúme e o medo. A “natureza” (ou seja, a ausência de intervenção humana) não é nada igualitária. Se quiséssemos deixar tudo realmente nivelado, deveríamos começar demolindo as montanhas e preenchendo os vales. E como a igualdade pressupõe a intervenção contínua de uma força artificial que, a princípio, é opressora, os conceitos de igualdade e liberdade se contradizem.” Erik Von Kuehnelt-Leddihn – Liberdade ou Igualdade p.10-11 [N.T.]
[3] Kuehnelt-Leddihn descreve o fenômeno da seguinte maneira: “Aristóteles há muito já traçara um arquétipo preciso do tirano moderno: um fiel defensor das classes mais pobres contra a opressão dos ricos ou de minorias impopulares (aristocratas, plutocratas etc.). O tirano deve ser um “homem do povo” e, como já dissemos repetidas vezes, deve se portar corno um “líder” e não como um “comandante”. Erik Von Kuehnelt-Leddihn – Liberdade ou Igualdade p.64-66 [N.T.]
[4] Nero Cláudio César Augusto Germânico (37 d.C –68 d.C.). [N.T.]
[5] Mito greco-romano adaptado no folclore espanhol devido à descrição do gigante Gerião, filho de Crisaor e Calírroe, habitar uma ilha mítica cuja localização confere com a Espanha moderna. [N.T.]
[6] Mito grego de Anteu, gigante filho de Poseidon e Gaia. Possui versões fora da Grécia devido à sua presença na cultura berbere. [N.T.]
[7] Também conhecida como Hidra de Lerna, é um personagem da mitologia grega. O monstro, com corpo de dragão e cabeças de serpente, era filho de Tifão e Equidna. [N.T.]
[8] Monstro mítico caracterizado pela união de partes de vários animais. [N.T.]
[9] “Platão descreve a rebelião das massas contra as elites, a idolatria da juventude, a crescente exploração dos “bem-afortunados” (que acaba por deixá-los precavidos, na defensiva), e a escolha de um “líder das massas” cuja função é proteger “os interesses do povo”. Está tudo lá: os seguranças armados dos demagogos, a fuga dos intelectuais e dos mais ricos, a eventual rejeição da democracia pelas classes mais altas que se assustaram com a forma e ela assumiu, o sutil deslocamento semântico de “proteção” para “tirania”, a espoliação dos templos religiosos, a militarização do povo, o recrutamento de criminosos para a polícia, os conflitos militares motivados propositalmente (que servirão de pretexto para medidas emergenciais e um ainda mais rigoroso controle governamental), os inevitáveis expurgos e as ondas de corrupção.” Erik Von Kuehnelt-Leddihn – Liberdade ou Igualdade p.23-24. O mesmo modus operandi aparece aqui: “Nas fontes antigas, o tirano é apresentado como aquele que, para chegar ao poder, promete a partilha das terras e a abolição das dívidas, e que se apoia não só nos mais pobres do dêmos mas também nos escravos, a quem torna neopolitai. O exemplo mais conhecido de tal prática é, no século iv, o do tirano Dionísio de Siracusa. De facto, o historiador Diodoro da Sicília diz-nos que, quando se tornou senhor da grande cidade siciliana, em 406, Dionísio confiscou os bens dos seus inimigos e distribuiu uma parte dos bens confiscados a escravos entretanto libertados, que passaram a chamar-se neopolitai. Outros tiranos da mesma época procederam de igual modo, como o famoso Clearco de Heracleia Pôntica, que não só libertou os escravos dos seus adversários e os tornou cidadãos, como obrigou as mulheres e as filhas dos ricos heracleotas a unirem-se pelo matrimónio aos seus antigos escravos. O mesmo fez, século e meio mais tarde, o tirano Nábis de Esparta, de quem o historiador Políbio diz que “exilou os cidadãos, libertou os escravos, deu-lhes em casamento as mulheres e as filhas dos seus senhores.” Claude Mossé – O Cidadão na Grécia Antiga p.45-46
[10] República 567c: “Sim – disse eu – é o contrário do que fazem os médicos com os corpos: estes retiram o pior e deixam o melhor; aquele, é o inverso.” [N.T.]
[11] Gn. 10:8-9: “Cus gerou Nemrod, o qual começou a ser poderoso na terra. Era um robusto caçador diante do Senhor. Daqui veio este provérbio: Robusto caçador diante do Senhor como Nemrod. [N.T.]
[12] Gn. 11: 3-9. Mariana refere-se à Torre de Babel. [N.T.]
[13] Tese platônica presente em República 567 d-e. [N.T.]
[14] “Também é característica do tirano frequentar as refeições púbicas e estar mais em companhia dos estrangeiros que dos cidadãos, porque estes são inimigos e os outros não se contrapõem a eles – essas características e outras da mesma natureza são características do tirano e da preservação do seu poder, e não lhes falta nada de maldade. E por assim dizer, todas essas estão reunidas em três espécies.” Aristóteles – Política 1314a1 [N.T.]
[15] “Por um lado, havia aqueles que, como Trasímaco da Calcedónia, que Platão pôs como interlocutor de Sócrates na República, defendiam o direito do mais forte, justificando assim o poder de um único homem; em última análise, como defendia um tal Cálicles noutro diálogo de Platão, o Górgias(2), a tirania era o melhor regime porque permitia ao homem superior não se preocupar nem com os homens, nem com as leis feitas por e para os fracos. Nos antípodas estavam os que, como Antifonte, afirmavam que a natureza tinha feito todos os homens iguais, e sobretudo Protágoras, que, no diálogo de Platão que tem o seu nome, recorre ao mito para justificar a democracia: de facto, Zeus teria incumbido Hermes de repartir entre todos os homens a politikè technè — a capacidade de julgar, e a virtude.” Claude Mossé – O Cidadão na Grécia Antiga p.92-93 [N.T.]
[16] República 567a: “E também a fim de os cidadãos, empobrecidos pelo pagamento de impostos, serem forçados a tratar do seu dia-a-dia e conspirarem menos contra ele?” [N.T.]
[17] República 579e: “Logo, na verdade, e ainda que assim não pareça a alguns, o tirano autêntico é um autêntico escravo, de uma adulação e servilismo extremo, lisonjeador dos piores; incapaz de satisfazer de algum modo os seus desejos, mostra-se muito carecido de quase tudo e pobre de verdade, se alguém souber contemplar sua alma inteira, toda vida cheio de medo, carregado de dores convulsivas, se, na realidade, a sua disposição semelhante à da cidade na qual manda. Ora ela é semelhante, ou não?” [N.T.]
[18] Pr. 16:18: “A soberba precede a ruína, a altivez do espírito precede a queda.” [N.T.]
[19] Henrique III, antes Alexandre Édouard, da casa de Valois-Angolema, foi assassinado em 1589. [N.T.]
[20] Henrique IV da França (ou Henrique III de Navarra) foi o primeiro rei francês da casa de Bourbon. [N.T.]
[21] Mariana talvez se refira à proximidade, na infância, de Henrique IV com o partido calvinista. Quanto à maldição pontífica, refere-se à excomunhão de Henrique por Sisto V, em 1585. Sua “mudança de idéia” é referente à sua segunda conversão ao catolicismo, por volta de 1590. [N.T.]
[22] Henrique de Guise foi chefe da “liga católica” e líder do “dia das barricadas”, uma sublevação contra a pretensão de Henrique III em nomear rei Henrique IV. Este evento é conhecido também como “guerra dos três Henrique´s”. [N.T.]
[23] Trata-se da reunião dos Estados Gerais no Castelo de Blois, em 1588. A outra vítima foi Luís, Cardeal de Guise. [N.T.]
[24] Carlos I de Bourbon ou Carlos X da França foi proclamado rei pela liga católica contra a pretensão de Henrique IV. [N.T.]
[25] Henrique de Guise e Henrique III [N.T.]
[26] Mariana não se esforça para escamotear seu apreço pelo tiranicida, de forma que sua opinião final, neste texto, fica já explícita. [N.T.]
[27] Sl. 50:7 [N.T.]
[28] I Cr. 10:4-6: “Saul disse ao seu escudeiro: Desembainha a tua espada e mata-me, não suceda virem estes incircuncidados zombar de mim. Todavia o escudeiro, possuído de temor, não quis fazer tal; então Saul pegou na sua espada e lançou-se sobre ela. Vendo isto o seu escudeiro, vendo que Saul certamente estava morto, ele mesmo se lançou também sobre a sua própria espada, e morreu. Morreu Saul e três filhos seus, e toda a sua família pereceu juntamente.” [N.T.]
[29] 1 Samuel 1:13-15: “Davide disse ao jovem que lhe trouxera a notícia: Donde és tu? Ele respondeu-lhe: Sou filho dum homem estrangeiro Amalecita. Davide disse-lhe: como não temeste estender a mão para matar o ungido do Senhor? Davide (então), chamando um dos seus criados, disse-lhe: Vem cá, lança-te sobre esse homem. Ele feriu o amalecita, que morreu.” [N.T.]
[30] Rom. 13: 1-2: “Toda a alma esteja sujeita às autoridades superiores, porque não há autoridade que não venha de Deus e as que existem, foram instituídas por Deus. Aquele, pois, que resiste à autoridade, resiste à ordenação de Deus. E os que resistem, atraem sobre si próprios a condenação.” [N.T.]
[31] Mariana prevê, aqui, o caso da Revolução Francesa, onde os próprios revolucionários foram, um a um, guilhotinados – incluso o inventor da guilhotina – até que a revolução mesma desembocou na tirania napoleônica. [N.T.]
[32] Juízes 9. [N.T.]
[33] Pedro I de Castela, o Cruel, foi rei entre 1350 e 1369, quando morreu pelas mãos de um irmão bastardo. Seu epíteto advém de ter mandado executar uma série de conspiradores, inclusos os próprios irmãos. [N.T.]
[34] General ateniense da época da Guerra do Peloponeso. Reuniu um pequeno exército e rebelou-se contra a tirania dos trinta. [N.T.]
[35] Dupla tiranicida que derrotou Hiparco, tirano de Atenas. [N.T.]
[36] Juízes 3:15-22: “Depois disto, clamaram ao Senhor, que lhes suscitou um salvador chamado Aod, filho de Gera, filho de Jemini, que era canhoto. Os filhos de Israel mandaram, por meio dele, presentes a Eglon, rei de Moab. Aod mandou fazer para si um punhal de dois gumes, que tinha os copos da largura da palma da mão, e o cingiu debaixo das vestes no lado direito. E ofereceu os presentes a Eglon, rei de Moab, que era em extremo gordo. Depois de lhe ter oferecido os presentes, foi seguindo os companheiros, que tinham ido com ele. Voltando de Galgala, onde estavam os ídolos, disse ao rei: Tenho que dizer-te, ó rei, uma palavra em segredo. O rei impôs-lhe silêncio, e, tendo saído todos os que o rodearam, Aod aproximou-se do rei, que estava sentado só no seu quarto de verão, e disse-lhe: Tenho que dizer-te uma palavra da parte de Deus. O rei levantou-se logo do trono, e Aod, estendendo a mão esquerda, tirou o punhal do lado direito e cravou-lho no ventre, com tanta força que os copos entraram com a lâmina pela ferida, e ficou coberta pela muita gordura. E não tirou o punhal, mas, como o cravou, assim o deixou no corpo; e logo os excrementos do ventre saíram pelas suas vias naturais.” [N.T.]
[37] Ver Política 1314a1: De fato, o povo que ser monarca. Por isso também o bajulador é honrado em ambas as formas de governo; junto às democracias, o demagogo (pois o demagogo é o bajulador do povo), e junto aos tiranos, os que se comportam de modo abjeto, que é uma obra de bajuladores. De fato, por isso a tirania é amiga dos malvados; pois os tiranos se comprazem em serem bajulados, e isso não é nada que alguém faria com um pensamento livre, mas que os comedidos amam, ou não bajulam.” [N.T.]
[38] Denzinger 1235: 15ª sessão, 6 jul. 1415: Decreto “Quilibet tyrannus”. [N.T.]
[39] Mas foi, posteriormente, aprovado por Paulo V na bula Cura dominici gregis. [N.T.]
[40] Encontramos, no Denzinger, no capítulo 1201-1230: Sessão 15ª, 6 jul. 1415: Decreto confirmado, 30 proposições condenadas de João Hus. [N.T.]
[41] Denzinger p.352-3: “Por ordem do duque João de Borgonha tinha sido morto, em 23 nov. 1407, o duque Ludovico de Orleães. Jean Petit, mestre na universidade de Paris, em 8 mai. 1408, tinha solenemente defendido este delito como legítimo tiranicídio. Logo que em 1413, depois da morte de Jean Petit, a facção dos Orleães conquistou o poder em Paris, foram condenados por um sínodo parisiense 9 teses da “Justificatio ducis Borgundiae” de Petit. Já que os seguidores de Petit apelaram a Roma, a questão foi levada ao Concílio de Constança (MaC 28, 757-760: texto das teses). O concílio aboliu a decisão do Sínodo de Paris e apresentou uma resolução mais suave. Falta uma confirmação expressa por parte de Martinho V. Uma condenação do tiranicídio se encontra todavia na constituição de Paulo V, “Cura dominici gregis”, de 24 jan. 1615 (BullTau 12,269). [N.T.]
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