Por Arthur Schopenhauer
Tradução, Notas e Comentários de Helkein Filosofia.
1. Descartes
Até mesmo nosso excelente Descartes, o promotor da investigação subjetiva e, por conseguinte, pai da filosofia moderna, encontra-se emaranhado em confusões praticamente inexplicáveis; veremos aqui o quão sérias e lamentáveis são as confusões metafísicas causadas por seus erros. Em seu Responsio ad Secundas Objectiones in Meditationes de Prima Philosophia, axioma I, diz:
Nulla res existit, de qua, non possit quaeri, quaenam sit causa, cur existat. Hoc enim de ipso Deo quaeri potest, non quod indigeat ulla causa ut existat, sed quia ipsa ejus naturae immensitas est causa sive ratio, propter quam nulla causa indiget ad existendum[1]
Dever-se-ia dizer: a infinitude de Deus é um princípio de conhecimento do qual se segue que Deus não necessita de causa. Confunde, sem dúvida, ambos os conceitos, e se vê que tampouco possui uma visão clara da profunda diferença entre causa e princípio de conhecimento.[2] Mas, no caso, é realmente a intenção que falsifica o conceito. Com efeito, onde a lei de causalidade exige uma causa, substitui-a pelo princípio de conhecimento por este nos levar tão longe quanto aquela e ainda nos abrir, através de tal axioma, o caminho para o argumento ontológico da existência de Deus, cujo inventor, Sto. Anselmo, só nos deu uma noção geral e preliminar. E então, imediatamente após os axiomas, dos quais citamos o primeiro, desenvolve formal e seriamente o argumento ontológico; como dito, o axioma está incluso ou pelo menos sai dele mais ou menos como um frango sai do ovo. Assim, enquanto todas as outras coisas precisam, para existir, de uma causa, é suficiente para Deus sua immensitas, latente em seu próprio conceito, ou, como a prova mesma expressa: in conceptu entis summe perfecti existentia necessaria continetur[3]. Este é, portanto, o tour de passe-passe[4], para o qual os dois principais significados do princípio de razão, desenvolvidos por Aristóteles, têm servido in majorem Dei gloriam.
Entretanto, caso o examinemos com clareza de despreocupação, o argumento ontológico transforma-se em história da carochinha. Pois basta que imaginemos um conceitos, não importa qual seja, composto de todos os predicados, tendo especial cuidado para que incluamos, convenientemente, ou melhor, envolvamos em perfectio, immensitas ou qualquer outro do mesmo tipo o de realidade ou de existência. E assim se torna fácil compreender que, dado um conceito por meio de juízos analíticos, podemos retirar dele todos os seus predicados essenciais, digo, aqueles implícitos no conceito mesmo e, do mesmo modo, os predicados dos predicados que impliquem uma necessidade lógica, i.e, tenham seu fundamento no conceito mesmo. Por tal procedimento o criador do conceito pode retirar-lhe facilmente o predicado de realidade [realität], ou existência [existenz] e, finalmente atingir, a necessidade da efetividade [wirklichkeit] de um objeto correspondente ao conceito mas que independa dele.
“Se tal pensamento não fosse tão engenhoso, os homens tentariam chamá-lo de estúpido”[5]
A propósito, a resposta ao argumento é muito simples: “tudo depende de onde o conceito foi retirado; da experiência? A la bonne heure! Então lá estará o objeto correspondente. Ou o tiraste desta sua cabeça oca [sinciput]? Então não lhe servem de nada seus predicados: é uma quimera.” Que a teologia, para entrar no domínio da filosofia – que lhe é estranha–, tenha que recorrer a tais argumentos, impede grandemente suas afirmações. Mas olhe! A sabedoria profética de Aristóteles! Jamais lhe passou pela mente a prova ontológica; mas ao mergulhar seu olhar na escura noite dos tempos que viriam com a farsa escolástica, resolveu atolar-lhe o caminho demonstrando concisamente no livro VII do segundo livro dos Analíticos Posteriores[6] que a definição de uma coisa e a prova de sua existência são coisas diferentes que nunca devem ser confundidas, pois a primeira investiga sua possibilidade e a segunda sua existência E, como um oráculo, expressa essa sentença:
το δ’ειναι το ουκ ουsια ουδενι. ου γαρ γeνος το ον (esse autem nullius rei essentia est, quandoquidem ens non est genus; a existência não é parte da essência; o ser das coisas não pertence a seu existir).
Entretanto, podemos conferir como Schelling venerava o argumento ontológico caso leiamos uma extensa nota na página 152 do primeiro livro de seus escritos filosóficos de 1809[7]. E ainda se desprende algo mais instrutivo daqui: quão fácil é deslumbrar os alemães com audazes e enfáticos palavrórios. Ainda outro miserável, Hegel, cuja filosofia é uma amplificação monstruosa do argumento ontológico, quis defende-lo contra a crítica de Kant, uma defesa que o próprio argumento teria vergonha se pudesse. Não espere que eu fale com respeito de pessoas que tornam a filosofia algo desprezível.
2. Spinoza
Embora a filosofia de Spinoza consista principalmente na refutação do dualismo cartesiano entre Deus e o Mundo e entre a alma e o corpo, entretanto, ele permanece fiel a seu mestre quanto à confusão entre o princípio de conhecimento e consequentemente a noção de causa e efeito; e o sujeito ainda procurou obter mais proveito dela para sua metafísica, pois tal confusão degringola no fundamento de todo seu panteísmo.
Com efeito: em um conceito [Begriffe] estão contidos implicite todos seus predicados essenciais: logo, podemos deduzi-los explicite por meros juízos analíticos. A soma destes constitui sua definição, a qual difere do conceito não por seu conteúdo, mas por sua forma, no sentido de que a definição se compõe de juízos compreendidos no conceito; e nesta última está o princípio de conhecimento [Erkenntnißgrund] enquanto expõe sua essência. Resulta, pois, que tais juízos podem ser considerados como consequência da noção e esta como seu princípio. Porém, semelhante relação entre um conceito e os juízos analíticos fundados sobre ele e que dele podem derivar-se é também a relação do Deus de Spinoza com seu mundo, ou melhor, a relação da substância universal e única com seus infinitos acidentes. (Deus, sive substantia constans infinitis attributis.22 Eth, libro I, pr. ii, Deus, sive omnia Dei attributa[8]). Se trata, pois, da relação do princípio de conhecimento com suas consequências, diametralmente oposto ao teísmo, (o de Spinoza é um teísmo nominal) que adota a relação de causa e efeito e na qual a consequência é distinta do princípio, não como aquele que difere apenas na maneira de considerar esses elementos, mas em si mesma, isto é, uma verdadeira separação. Pois a palavra “Deus”, entendida como se deve entender, não significa outra coisa senão esta mesma causa do mundo, com adjunção de personalidade. Um Deus impessoal é uma contradictio in adjecto. Aplicando agora Spinoza a palavra Deus à substância, como expressamente chama a causa do mundo, demonstrou que confundia as relações e, por conseguinte, também que confundia por completo o princípio de conhecimento com o princípio de causalidade. Isso se infere de inúmeras passagens, entre elas a seguinte:
Notandum, dari necessario unius — cujusque rei existentis certam aliquam causam, propter quam existit. Et notandum, hanc causam, propter quam aliqua res existit, vel debere contineri in ipsa natura et definitione rei existentis (nimirum quod ad ipsius naturam pertinet existere), vel debere extra ipsam dari (Eth., parte I, prop. 8, esc. 2).[9]
No último caso ele se refere a uma causa eficiente, como se infere a partir do que se segue. No primeiro, pelo contrário, a um simples princípio de conhecimento. Identifica ambas e assim prepara seu trabalho de identificar Deus com o mundo. Seu procedimento consiste em mesclar o princípio de conhecimento, que jaz no fundo de um determinado conceito, com uma causa eficiente externa, confundindo-as ao modo cartesiano. Como exemplo, cito a seguinte passagem:
Ex necessitate divinae naturae omnia, quae sub intellectum infinitum cadere possunt, sequi debent (Eth., parte I, prop. 16).
Ao mesmo tempo chama Deus de causa do mundo:
Quidquid existit Dei potentiam, quae omnium rerum causa est, exprimit[10], ibíd., prop. 36, Demonstr.; Deus est omnium rerum causa immanens, non vero transiens[11], ibíd., prop. 18; Deus non tantum est causa efficiens rerum existentiae, sed etiam essentiae[12], ibíd., prop. 25. Eth., parte III, prop. i, Demonstr., dice: Ex data quacunque idea aliquis effectus necessario sequi debet[13], y ibíd., prop. 4: Nulla res nisi a causa externa potest destrui[14]. Demonstr. Definitio cujuscunque rei, ipsius essentiam (esencia, constitución, para distinguirla de existencia) affirmat, sed non negat; sive rei essentiam ponit, sed non tollit. Dum itaque ad rem ipsam tantum, non autem ad causas externas attendimus, nihil in eadem poterimus invenire, quod ipsam possit destruere[15].
Ou o que dá no mesmo: como um conceito não pode conter nada que contradiga sua definição, isto é, a soma de seus predicados, tampouco uma coisa pode conter o que é causa de sua destruição. Esse conceito é levado ao extremo na segunda – extensa – demonstração da segunda proposição, onde também se confunde a causa que pode criar ou destruir uma coisa com a contradição que a definição em si mesma contém e que a invalida. A necessidade de identificar a causa com o princípio de conhecimento é tão patente aqui que Spinoza nunca diz somente causa ou ratio somente, senão sempre ratio sive causa, o que repete oito vezes na mesma página afim de dissimular o engano. Descartes já havia feito o mesmo anteriormente.
Assim, o panteísmo de Spinoza é apenas a realização da prova ontológica cartesiana. Antes de tudo, adotou o citado princípio onto-teológico de Descartes: ipsa naturae Dei immensitas est causa sive ratio propter quam nulla causa indiget ad existendum[16]; em vez de Deus, diz sempre substantia e logo termina: substantiae essentia necessario involvit existentiam, ergo erit substantia causa sui (Eth. parte I, prop. 7).[17] Deste modo, com o mesmo argumento com que Descartes demonstrava a existência de Deus, demonstra Spinoza a absoluta e necessária existência do mundo, o qual, deste modo, não necessita de Deus algum. Isso se torna claro no segundo escólio da oitava proposição:
Quoniam ad naturam substantiae pertinet existere, debet ejus definitivo necessariam existentiam involvere, et consequenter ex sola ejus definitione debet ipsius existentia concludi.[18]
Mas essa substância, como sabemos, é o mundo. E no mesmo sentido caminha a proposição 24:
Id, cujus natura in se considerata (isto é, sua definição) involvit existentiam, est causa sui.[19]
Para o que Descartes postulou apenas ideal e subjetivamente, i.e, apenas para nós e para fins cognitivos, – nesse caso, a prova da existência de Deus – Spinoza emprega real e objetivamente como efetiva relação de Deus com o mundo. Em Descartes, no conceito de Deus reside o de existência e serve assim de probatória; em Spinoza, Deus está contido no mundo; e o que em Descartes serve de princípio de conhecimento se converte em fundamento da realidade em Spinoza; ele nos diz que da essência de Deus segue-se sua existência como sua causa sui e começa corajosamente sua Ética com as palavras: per causam sui intelligo id, cujus essentia (conceito) involvit existentiam[20], ao mesmo tempo em que Aristóteles grita: το δ’ εiναι ουκ ουσια ουδενι![21] Aqui temos a mais evidente confusão entre princípio de conhecimento e causa. E se os neospinozanos (assim como os discípulos de Hegel e Schelling), acostumados a tomar as palavras pelos conceitos promovem devotas aclamações a esta causa sui, eu a vejo como nada além de uma contradictio in adjecto[22], um dissimular do que está adiante, uma desavergonhada maneira de romper a cadeia infinita da causalidade, algo análogo ao que contam daquele austríaco que, como as mãos não alcançavam o fecho de seu chaco[23], subiu em uma cadeira. O verdadeiro símbolo da causa sui é o barão de Münchhausen[24] tentando tirar seu cavalo da água segurando-o entre as pernas e puxando-o para cima, com o rabo em seu rosto. Poder-se-ia colocar uma placa embaixo: causa sui.
Por fim confiramos a proposição 16 do primeiro livro da Ética, onde em virtude do princípio de que ex data cujuscunque rei definitione plures proprietates intellectus concludit, quae revera ex eadem necessario sequuntur, deduz que ex necessitate divinee naturae (isto é, sua realidade) infinita infinitis modis sequi debent[25], indiscutivelmente põe que este Deus está para o mundo do mesmo modo que um conceito está para sua definição. Não menos ligado a isso está o corolário: Deum omnium rerum esse «causam efficientem[26] . Não se pode levar mais adiante a confusão do princípio de conhecimento com a causa. Este é o tema da presente dissertação.
Aos erros provenientes da falta de clareza especulativa dos grandes espíritos do passado, Schelling nos oferece em nossos dias um pequeno exemplo ou paródia ao esforçar-se para levar o que tratamos a um clímax. Se Descartes, cedendo à existência do princípio de causalidade que colocava seu Deus em apuros, substitui a causa por um princípio de conhecimento e Spinoza por sua vez faz deste uma causa real, uma causa sui, e funde Deus ao mundo, o senhor Schelling, no Tratado da Liberdade Humana, distinguindo em Deus mesmo o princípio e a consequência, consolida ainda mais o erro elevando-o a uma real e viva hipóstase da razão e de sua consequência, dando-nos a conhecer que “em Deus não está Deus mesmo, senão sua razão enquanto causa primeira, ou, por melhor dizer, um insondável”. Hoc quidem vere palmarium est.[27] Quanto ao resto é bem sabido que ele tirou isso do livro mysterium Magnum Jacob Boehme.[28] Mas o que não parece sabido é de onde tomou Jacob esta relação e, onde há, por conseguinte, a origem de seu insondável; permita-me expô-lo. É o βυθος, ou seja, o abyssus, vorago, a profundidade sem fundo, o abismo dos valentinianos que fecunda seu consubstancial silêncio, dando nascimento à razão e ao mundo segundo nos disse Irineu em seu Contra as Heresias livro I c.I, nas seguintes palavras:
λέγουσι γάρ τινα είναι ἐν ἀοράτος, καὶ ἀκατονοομάστοις ύψώμασι τέλειον Αίῶνα προόντα τούτον δὲ καὶ προαρχήν, καὶ προπάτορα, καὶ βυθὸν καλοῦσιν. –Υπάρχοντα δὲ αύτὸν, ἀχώρητον καί ἀόρατον, ἐν ἡσυχία καί ἠρεμια πολλῆ γεγονέναι ἐν ἀπείροις αίῶσι χρόνων. Συγυπάρχειν δὲ αύτῳ καί Εννοιαν, ἣν δὲ καί Χάριν, καί Σιγὴν ὀνομάζουσι καί ἐννοηθῆναί ποτε ἀφ‘ ἑαυτού προβαλέσθαι τὸν βυθὸν τούτον ἀρχὴν τῶν πάντων, καί καθάπερ σπερμα τὴν προβολὴν ταύτην (ἣν προβαλέθαι ἐνενοήθη) καθέσ θαι, ὡς ἐν μήτρα, τῆ συνυπαρχούση, ἑαυτῳ Σιγῆ. Ταύτην δὲ, ύποδηξαμένην τὸ σπερμα τούτο, καί ἐγκύμονα γενομένην, ἀποκυῆσαι Νούν, ὀμοιόν τε καί ίσον τῳ προβαλόντι, καί μόνον χωρούντα τὸ μέγεθος τού Πατρός. Τὸν δὲ νούν τούτον καί μονογενῆ καλούσι, καί ἀρχὴν τῶν πάντων[29] (Dicunt enim esse quendam in sublimitatibus illis, quæ nec oculis cerni, nec nominari possunt, perfectum Æonem præexistentem, quem et proarchen, et propatorem, et Bythum vocant. Eum autem, quum incomprehensibilis et invisibilis, sempiternus idem et ingenitus esset, infinitis temporum seculis in summa, quiete ac tranquillitate fuisse. Unâ etiam cum eo Cogitationem exstitisse, quam et Gratiam et Silentium (Sigen) nuncupant. Hunc porro Bythum in animum aliquando induxisse, rerum omnium initium proferre, atque hanc, quam in animum induxerat, productionem, in Sigen (silentium) quæ unâ cum eo erat, non secus atque in vulvam demisisse. Hanc vero, suscepto hoc semine, prœgnantem effectam Intellectum, parenti suo parem et æqualem, atque ita comparatum, ut solus paternæ magnitudinis capax esset. Atque hunc Intellectum et Monogenem et Patrem et principum omnium rerum appellant)
Eis o original de onde Boehme tirou tal ideia e de cujas mãos recebeu, credulamente, Schelling.
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Nota do Tradutor:
A presente tradução contempla duas seções, a saber, §7 e§8 do Capítulo 2 do livro Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente, que pode ser adquirido aqui. [Link] Foram consultadas as seguintes traduções:
The Fourfold Root of the Principle of Sufficient Reason and On the Will in Nature. Translated by Karl Hilldebrand. Revised Edition, London, George Bell and Sons, 1903
De la Cuádruple Raíz del Principio de Razón Suficiente. Traducción de Leopoldo Eulogio Palacios. 1º Edición, Madrid, Editorial Gredos, 1981.
Ueber die Vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde. Leipzig, F.U. Brodhaus,1864
Bônus: Recomendações de leitura ao interessado em Schopenhauer
comentário: Como tantas vezes comentado, possuo uma relação de amor e ódio com Schopenhauer; isso ocorre por, ainda que seja um filósofo que vai na direção contrária de tudo o que é postado por aqui, sua leitura sr extremamente frutífera para o estudante amadurecido. É muito raro que, em nosso dias, encontremos pessoas que diferenciem os filósofos dos quais se desgosta dos filodoxos; é perfeitamente possível não gostar do Schopenhauer (e, como eu, descartar metade de sua obra) mas é impossível não admitir que ele foi um grande filósofo. Por mais que algumas de suas teses andem tortas por linhas retas, a atenção a seus raciocínios é clara e instrutiva; isso não acontece com filodoxos. Sendo assim, apresento aqui algumas sugestões de leitura aos interessados no nosso filósofo rabugento.
Adolphe Bossert — Introdução à Schopenhauer
Arthur Schopenhauer — Metafísica do Belo
Comentário: A introdução do Bossert (esse nome não funciona no Brasil) pode ser lida sem pressupostos desde que atentemos principalmente ao componente biográfico. Aqui o estudante entenderá muitos dos motivos que levaram Schopenhauer ao pessimismo e também o que exatamente se quer dizer com este termo. A Metafísica do Belo, ainda que possua um nome um pouco assustador, revela-se como uma ótima introdução ao pensamento schopenhaueriano; isso se dá pois, antes de falar propriamente do belo e como ele se manifesta nas artes, o autor utiliza metade do livro para expor uma versão resumida de suas próprias idéias. Caso o leitor tenha um bom conhecimento de Platão a leitura se torna muitos mais frutífera.
Arthur Schopenhauer — Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente
Arthur Schopenhauer — O Mundo como Vontade e como Representação
Comentário: Schopenhauer comenta em todos os seus livros que o Quadrúplice Raiz deve ser lido como iniciação a seu pensamento; e isso é correto, dado que a divisão quadrúplice do princípio de razão suficiente em princípio do devir, do conhecer, do ser e do agente perpassa toda a sua obra e regra até mesmo a ordem dos capítulos, normalmente organizados por tema, a saber: epistemologia, metafísica, estética e ética, cada um deles regido por uma face do princípio e sempre na mesma ordem. Sendo assim, é absolutamente impossível entender Schopenhauer sem ter entendido o que ele ensina no Quadrúplice Raiz. A mesma “sombra do princípio” é percebida na ordem dos livros de O Mundo como Vontade e como Representação; ali lemos: Livro I: o mundo como representação [epistemologia]; Livro II: o mundo como vontade [metafísica]; Livro III: o mundo como representação [estética]; Livro IV: o mundo como vontade [ética]. O Tomo II de O Mundo como Vontade e como Representação é uma versão reescrita do mesmo livro já na velhice do autor; recomenda-se a leitura principalmente do Tomo I, ficando o segundo como opcional aos que realmente gostaram do autor.
Arthur Schopenhauer — Sobre a Vontade na Natureza
Arthur Schopenhauer — Sobre a Liberdade da Vontade
Comentário: Sobre a Vontade na Natureza procura aplicar as teorias expostas em O Mundo e demonstrar como a vontade age por trás dos fenômenos físicos. Sobre a Liberdade da Vontade foi o ensaio vencedor de um concurso realizado pela Real Sociedade da Dinamarca que pedia pela solução de alguns problemas sobre o livre arbítrio. O filósofo ficou tão feliz que participou de outro concurso de tema parecido com seu Sobre o Fundamento da Moral mas não venceu por ter brincado com a cara do Hegel. Talvez isso tenha deixado Schopenhauer “ainda mais puto” com seu rival, dado que encontramos críticas — por vezes virulentas mas absurdamente engraçadas — em quase todos os seus livros posteriores. Ambos os ensaios foram reunidos em Os Dois Problemas Fundamentais da Ética, até o momento sem edição em português — mas existe em espanhol.
Arthur Schopenhauer — Aforismos para a Sabedoria de Vida
Arthur Schopenhauer — A Arte de Escrever
Arthur Schopenhauer — Sobre a Filosofia e seu Método
Arthur Schopenhauer — Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão
Comentário: Recomendo aqui apenas os “pedaços” do Parerga und Paralipomena que li; todos extremamente divertidos, em especial os A Arte de Insultar e A Arte de Escrever, que possuem críticas aos chamados “eruditos” muito parecidas com as feitas por certo outro autor que escreveu certo outro livro que deu muito o que falar. Todos os pressupostos para a leitura de Schopenhauer são dados por Bossert e, de qualquer forma, espera-se que o leitor tenha consciência de sua própria capacidade e senso de disciplina para não “queimar” os passos durante o estudo.
Quanto às obras ruins, nunca se lerá pouco quando se trata delas; quanto às boas, nunca elas serão lidas com freqüência excessiva. Livros ruins são veneno intelectual, capaz de fazer definhar o espírito.
Para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim, pois a vida é curta, o tempo e a energia são limitados.
Notas:
[1] “Nenhuma coisa existe da qual não se possa indagar qual seja a causa pela qual exista. Logo, até mesmo de Deus se pode indagar mas não porque necessite de uma causa para existir, pois sua natureza infinita é causa e razão, e não precisa de outra causa.” [NT]
[2] Ursache und Erkenntnißgrund [NT]
[3] “No conceito do ente sumamente perfeito está contida a existência” [NT]
[4] “Passe de mágica” [NT]
[5] Schiller, “Wallenstein Trilogie. Piccolomini” Ato 2, Sc, 7. [NA]
[6] “E a existência não é a substância de coisa alguma, uma vez que o ser não é um gênero. Assim, haverá demonstração de que uma coisa é. É como as ciências realmente operam.” Analíticos Posteriores 92b1 10-15. [NT]
[7] Schopenhauer refere-se ao livro Philosophische Untersuchungen über das Wesen der mensslichen Freiheit und die damit zuzammenhängenden Gegenstände, que possui uma tradução para o português intitulada como Investigações Filosóficas Sobre a Essência da Liberdade Humana editado pela editora Edições 70. [NT]
[8] “Por Deus entendo o ente absolutamente infinito, uma substância que possui infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita” Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras, Definição VI. [NT]
[9] “Por fim, é preciso notar que essa causa, em virtude da qual ela existe, deve estar contida na própria natureza e definição da coisa existente (então pertence à sua natureza existir), ou existir fora dela. ” Ibidem, escólio 2 da proposição 8 da Parte 1 [NT]
[10] “Tudo o que existe exprime de certo e determinado modo a potência de Deus, que é causa de todas as coisas e, por conseguinte, algum efeito dela se deve seguir.” Ibidem, proposição 36 da Parte 1. [NT]
[11] “Deus é a causa imanente de todas as coisas, mas não transitiva” Ibidem, proposição 18 da Parte 1. [NT]
[12] “Deus não é só causa eficiente da existência das coisas, mas também da essência.” Ibidem, proposição 25 da Parte 1. [NT]
[13] “Além disso, sendo dada uma ideia qualquer, algum efeito deve seguir-se” Ibidem, proposição 1 da Parte 3. [NT]
[14] “Nada pode ser destruído senão por causa exterior”. Ibidem, proposição 4 da Parte 3. [NT]
[15] “Tal proposição é patente por si: a definição de uma coisa qualquer afirma, mas não nega a essência dessa coisa, ou ela põe, mas não suprime a essência da coisa. Enquanto consideramos apenas a coisa, e não as causas exteriores, nada podemos encontrar nela que a possa destruir. Ibidem, demonstração da proposição 4 da Parte 3. [NT]
[16] “A mesma natureza infinita de Deus é causa e razão, de modo que nenhuma outra causa é necessária”. [NT]
[17] “[…] sua essência envolve necessariamente sua existência, ou que pertence à sua natureza existir”. Ibidem, demonstração da proposição 7 da Parte 1. [NT]
[18] “Assim sendo, dado que pertence à natureza de uma substância existir, sua definição deve envolver a existência necessária, e, por conseguinte, sua existência deve ser concluída de sua definição.” Ibidem, escólio da proposição 8 da Parte 1. [NT]
[19] “Pois aquilo cuja natureza envolve a existência é causa de si e existe apenas por necessidade de sua natureza” Ibidem, demonstração da proposição 24 da Parte 1. [NT]
[20] “Por causa de si entendo aquilo cuja essência envolve a existência” Ibidem, definição 1 da Parte 1
[21] “E a existência não é a substância de coisa alguma…” Analíticos Posteriores 92b1 10-15. [NT]
[22] Contradição de termos [NT]
[23] Chapéu militar cilíndrico. [NT]
[24] Personagem cômico popular na Alemanha. Suas aventuras são carregadas de hipérboles e podem ser encontradas no livro As Aventuras do Barão de Münchhausen lançado pela editora Iluminuras em 2010. [NT]
[25] Schopenhauer refere-se ao trecho: “considerando=se que o entendimento conclui, da definição dada de uma coisa qualquer, várias propriedades que lhe são consequências necessárias, e tanto mais que a definição da coisa exprime, como que envolvida em sua essência, mais realidade”. Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras, demonstração da proposição 16 da parte 1. [NT]
[26] “Disso se segue que Deus é a causa eficiente de todas as coisas” Ibidem, corolário 1 da proposição 16 da Parte 1. [NT]
[27] ”isto é certamente algo evidente”, de forma irônica [NT]
[28] Jacob Boehme (1575 — 1624), foi um filósofo e místico alemão.
[29] “Eles dizem que existia, nas alturas, invisíveis e inenarráveis, um Éon perfeito, anterior a tudo, que chamam Protoprincípio, Protopai e Abismo. Incompreensível e invisível, eterno e ingênito que se manteve em profundo repouso e tranquilidade durante uma infinidade de séculos. Junto a ele estava Enóia, que chamam também Graça e Silêncio. Ora, um dia, este Abismo teve o pensamento de emitir, dele mesmo, um Princípio de todas as coisas; essa emissão, de que teve o pensamento, depositou-a como semente no seio de sua companheira, o Silêncio. Ao receber esta semente, ela engravidou e gerou o Nous, semelhante e igual ao que o tinha emitido e que é o único capaz de entender a grandeza do Pai. Este Nous é também chamado Unigênito, Pai e Princípio de todas as coisas.” Contra as Heresias, in Patrística Vol. 4 [NT]
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