Por Richard Cocks
Tradução de Tibério Cláudio de Freitas
Notas e comentários de Johann Alves
Os relativistas morais, também conhecidos como “subjetivistas”, acham que todas as perspectivas morais são (em valor) iguais. Devemos, então, ser tolerantes às perspectivas morais das outras pessoas, mesmo quando discordam de nós. Uma vez que todas as perspectivas morais são iguais, é errado julgá-las como melhor ou pior. E todo julgamento de valor consiste numa avaliação das atitudes, ações, sentimentos, perspectivas etc. como melhor ou pior e mais ou menos importante.
O primeiro problema do relativismo moral é o de ele ser, em si mesmo, contraditório; sendo, então, falso. E assim que se afirma a verdade do relativismo moral, ocorre-se-lhe a negação.
- Primeiro que, se todas as perspectivas morais são iguais, então, o relativismo moral, enquanto uma perspectiva moral, não é melhor do que as outras morais. Se achas que o relativismo moral é verdadeiro, logo também achas que é a melhor das moralidades; então te comprometes em dizer que o relativismo não é melhor do que qualquer outra teoria moral — pois todas as morais são iguais. Não dá para defender o relativismo moral sem contradizer a asserção de que todas as perspectivas morais são iguais.
- Segundo: o relativismo moral declara que todas as perspectivas morais são iguais, logo é errado ter uma ou outra teoria moral como melhor. Em outras palavras: o não-julgar é melhor do que julgar. Mas isso quer dizer que estás a julgar o não-julgar como melhor — o que se trata de um julgamento. Quanto mais odeias julgar, mais te forças em dizer que é um erro fazer julgamentos, e tanto mais acabas por julgar — julgando que não julgar é melhor do que julgar. Portanto, não dá para evitar julgamentos, o que te obriga a re-decidir que moralidade é melhor.
- Terceiro: se te fizeste um relativista moral em favor da tolerância, então julgas a tolerância como melhor do que a intolerância — o que contraria a tua própria moralidade.[1]
E não existe algo como “contradições verdadeiras”. O princípio da não-contradição é um pré-requisito para uma discussão racional. Se a uma criança os pais lhe prometem, como recompensa por bom comportamento, uma bicicleta, e não lha darem (embora tenha se comportado), estão a se contradizer. — As premissas não podem ser verdadeiras e as conclusões falsas. Crendo na verdade das premissas, não se pode negar a verdade da conclusão. Se o fizeres, estás a contradizer-te e é vão alongar a discussão, pois o que dizes é ininteligível, irracional e nada inteligente.[2]
Os argumentos de reductio ad absurdum (redução ao absurdo) são um tipo de argumentação a mostrar que as implicações lógicas dum argumento contradizem proposições sabidamente verdadeiras. Se um argumento implica ou pressupõe que o céu não é azul num dia sem nuvens, então o argumento deve ter ao menos uma premissa falsa. Sabe-se que o céu é azul — é infundado qualquer argumento que o contradiga. Um argumento propriamente sólido é aquele que é válido e cujas premissas são verdadeiras.
Um reductio ad absurdum mostra que adotar uma determinada crença leva a conseqüências absurdas; isto é: a uma determinada asserção que contradiz diretamente algo que é sabidamente verdadeiro.
Se eu tentar convencer-te de que realmente vale a pena usar heroína, e embora devas gostar dum copo de café (ou de um energético), declaro que é muito melhor usar heroína. Em verdade, é tão bom usar heroína que é normal dos viciados perderem qualquer interesse em romance, sexo, amizade, família, trabalho, passeios, e até no cumprimento das próprias vontades e realizações pessoais. Com efeito, várias vezes os viciados chegam a enganar os próprios parentes e amigos; e a roubar e a assaltar outras pessoas só para manter o próprio vício. Eles arriscarão até mesmo uma overdose, já que o nível de pureza não é regulamentado e o tanto de prazer dado numa só vez pode matar. — É nessa medida toda quão boa a heroína é. É até comum dum viciado dispor-se a sacrificar tudo que há de valioso em sua vida. A adicção torna-se-lhe o maior interesse da própria existência. Neste caso, deves responder que usar da heroína não condiz com o teu ideal de como devidamente viver uma boa vida. Não queres abandonar o teu ideal, porque o tens como parte duma vida que é boa e que sentido não lhe falta — e abandoná-lo iria contra o teu objetivo de alcançar uma vida bem vivida.[3]
Ver alguma benesse no uso da heroína é tão contrário àquela boa vida que desejas para ti. As tuas crenças contradizer-se-iam crendo numa coisa assim; portanto, é preciso que: ou renuncies tudo de bom que queres para a própria vida, ou à idéia de usar heroína.
Então, os argumentos de reductio ad absurdum tentam convencer a alguém lhe declarando que uma asserção sua é inconsistente, e o fazem apresentando uma coisa contrária do que crê. Uma maneira de tornar este argumento pouco convincente, é como quando a pessoa que se quer persuadir apenas aceita as implicações lógicas das asserções iniciais e replica (semelhantemente ao sobredito): “Acho que realmente não quero viver tanto tempo, pelo menos não sem ser viciado na heroína; tendo mudado de idéia: agora concordo em não me importar com as conseqüências que sofrerão a minha família, os meus amigos e toda a minha vida profissional.”
Um exemplo mais prosaico seria o de uma criança a dizer: “Eu não quero levar comigo o meu casaco!” e então seu pai lhe diz: “Queres pegar um resfriado ou molhar-te?”, e a criança treplica com uma negação; a idéia da criança de não querer levar consigo o casaco é inconsistente para com o seu desejo de não se molhar e nem se resfriar. E logicamente, a criança poderia renunciar à própria vontade de não se molhar e nem se resfriar; e, neste caso, ela não precisaria carregar consigo o casaco. Mas uma criança assim normalmente não renuncia à própria vontade e se deixa persuadir pelo argumento do pai.
Tornando a tratar da moralidade: se o relativismo moral é real, então a perspectiva moral de Hitler deve equivaler moralmente à perspectiva moral de Jesus — mas isso é um absurdo; não crês nisso. Bem sabes que a moral de Jesus é superior à de Hitler. No relativismo moral tem uma implicação lógica que é sabidamente falsa. Se, em verdade, a moral de Jesus não é melhor do que a de Hitler, então isso torna num absurdo qualquer noção de “bem” ou “mal”. O relativismo moral seria, neste sentido, indistinguível da moral nihilista.
E realmente é esse o caso. O relativismo moral leva diretamente ao nihilismo moral. A moral nihilista é a crença de que não há moral boa ou má. O bem e mal, para ela, são uma invenção.[4] Se todas as morais são iguais, isso só se dá por não haver uma correta (pois não dá para as definir como verdadeiras ou falsas). O bem e o mal são o que quer que se diga que são; sendo, então, duas coisas arbitrárias. Se não se pode errar, é porque também não se pode acertar.
Mas na prática ninguém é moralmente nihilista. Todos aqueles de moral nihilista são hipócritas. Eles não crêem no próprio posicionamento que declaram. Caso marretasses o carro de um nihilista, ou jogasses gasolina nele ameaçando atear-lhe fogo, contra ti ele seria impotente. Ele não poderia dizer: “Que te fiz para merecer isto tudo?”, dado que não crê em justiça. Não poderia recorrer à bondade, à misericórdia, ao direito de se ter uma propriedade, suplicar pelo teu “bom” lado, nem dizer algo como “Não sejas maldoso.”; não lhe seria possível chamar pela polícia sem contradizer as suas supostas convicções, uma vez que o direito penal pressupõe a existência de verdades morais.[5]
Até o próprio Adolf Hitler não era moralmente nihilista. Ele apenas tinha idéias morais incorretas, como as que pensava sobre os judeus, homossexuais, ciganos, eslavos, comunistas e qualquer um que se lhe opusesse e ele considerasse como alguém a ser morto.
Ser Tolerante
O relativismo moral provavelmente foi ensinado para promover a tolerância. A sua origem é semelhante ao fato de existirem pessoas ricas e altas: é difícil de se definir com exatidão quando que alguém passou a ser rico ou alto. Certos casos são de difícil solução. E o mesmo se passa quando se trata da moralidade. Ajudar uma velha a cruzar a rua é algo bom; já passar propositalmente por cima dela com um carro é algo mau. Na maior parte do código penal se identifica corretamente coisas más, tais como o homicídio, o estupro, o assalto, o roubo, a fraude, a invasão de propriedade, o incêndio culposo, o roubo de carros, etc.
Nunca se deve, porém, tolerar coisas realmente más; e esta não era a intenção original do relativismo moral. Alguns estudantes pensam que para serem moralmente bons, se faz necessário que aprendam a tolerar desde a escravatura até o Holocausto.
Que não se confunda a tolerância para com a discordância de opiniões, com “tolerar” coisas completamente más, como o assassinato, o estupro, etc…
O Realismo Moral
A alternativa para o relativismo (ou subjetivismo) moral é o realismo moral. O realismo moral é a noção de que o bem e o mal realmente existem. Ambos não são uma questão de opinião. Se duas pessoas discordam acerca duma questão moral, não tem como ambas estarem corretas. Se uma pessoa é a favor de que se possa cozinhar gente com um lança-chamas, e dela uma outra discorda — alguma das duas está no erro.
Cozinhar alguém com um lança-chamas é imoral pois viola a máxima “fazer aos outros o que gostarias que te fizessem a ti”; é uma sugestão que se baseia na justiça, eqüidade e reciprocidade. Se eu não quiser ser envolto em chamas e nem churrascado enquanto vivo, não devo então fazer o mesmo com outra pessoa. Bem justo.
Se eu fizer algo de bom para ti, deves tu fazer algo de bom para mim. Ao menos não deves devolver um bem com um mal. Não é justo, por exemplo, que eu gaste o dia a ajudar-te com mudanças para depois vires tu me esmurrar a cara. Se contigo eu partilhar os meus víveres, deves tu também fazê-lo. Até os chimpanzés agem assim.
Nenhum ser humano (a não ser um psicopata) duvida que a eqüidade seja justa e verdadeira. Todos sabem que está no erro quando alguém pensa que se deve ser maldoso com um outro que lhe fizera um bem.
Como saberemos que a eqüidade é verdadeira? É difícil de saber. Ela é até um tanto misteriosa, mas nós conhecemo-la. Dá para compará-la ao fato de que bebês de um dia de vida preferem rostos bonitos a rostos mais simples — como é possível dos bebês saberem o que é a beleza? nós não sabemos; mas (do fato) se sabe.
O realismo moral pode então ser combinado com um “falibilismo epistêmico”; esta é a noção de que não é sempre que sabemos o que é o quê, nem o que é certo ou errado. Nós somos falíveis. Normalmente somos, mas de quando em quando acabamos confusos e temos de nos aconselhar com amigos e parentes sobre como proceder numa situação. Sob condições assim, os sensatos podem discordar de nós; e, caso necessário, nós podemos com eles concordar.
Moral Relativism and Moral Realism – VoegelinView
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Notas:
[1] O relativismo moral emerge como uma conseqüencia direta do relativismo epistêmico; daí que todas as aporias presentes no primeiro encontram-se contidas no último, pois o gênero comunica à espécie a suas notas. É dessa forma que Cocks pôde, de maneira acertada, aferir uma série de contradições lógicas no relativismo moral. Mas o fato é que ainda há a possibilidade de aceitar uma corrente epistêmica que aceite certas verdades de fato; ou seja, conceda validade universal a “dados objetivos”, enquanto a nega aos juízos de valor. Essa saída foi usada pelas filosofias empiristas e as suas ramificações. [N.E.]
[2] Podemos diferir três tipos de contradição: intrínseca, extrínseca e moral: diz-se contradição intrínseca quando os dois termos de uma proposição se anulam mutualmente — isto é, quando a sua cópula é impossível a priori (e.g. um quadrado redondo); diz-se contradição extrínseca quando os termos de uma proposição não se repelem a priori, mas a posteriori (e.g. se digo que todo homem é branco, o sujeito “todo homem” não repele analiticamente o predicado “branco”); diz-se uma contradição moral quando a vontade contradiz a si mesma em uma das suas máximas (e.g. se acho que roubar é errado e mesmo assim roubo) — a contradição moral não gera, portanto, impossibilidade real, mas apenas uma impossibilidade de coerência. [N.E.]
[3] É contra esse tipo de raciocínio que Kant argumenta; pois, em todo caso, do não querer usar heroína por sentir-se apegado às suas idéias, não se implica que usá-la seja moralmente errado, e muito menos que seja objetivamente condenável. “Se se acrescentar que, a menos que se queira recusar ao conceito de moralidade toda a verdade e toda a relação com qualquer objeto possível, se não se pode contestar que a sua lei é de tão extensa significação que tem de valer não só para os homens mas para todos os seres racionais em geral, não só sob condições contingentes e com exceções, mas sim absoluta e necessariamente, torna-se então evidente que nenhuma experiência pode dar motivo para concluir sequer a possibilidade de tais leis apodícticas.” (BA //29) Noutras palavras, se desejamos que as leis morais tenham necessidade universal, elas devem ser válidas antes de qualquer dado contingente, seja ele a natureza humana, o efeito real de ações, ou mesmo o desejo pelo bem. [N.E.]
[4] Tal posição é defendida, por exemplo, por Cálicles (Górgias, 482e) e por Trasímaco (República 338c), que negam que a moral seja outra coisa senão a vontade do mais forte. A resposta de Sócrates a essas duas personagens os obriga a renunciar o uso da razão, os conduzindo, de absurdo em absurdo, a uma série de contradições. No entanto, um e outro, quando se mostram desarmados de suas razões, ainda não cedem o seu ponto: valiosa lição de Platão! Pois o logos (discurso) do nihilista não tem por finalidade a verdade, mas a autojustificação — a vontade, quando abdica de toda lei moral, torna-se a lei de si mesma. A possibilidade do diálogo, nesta circunstância, é abolida: não se pode estabelecer o acordo de qualquer premissa, uma vez que a verdade, para ele, não é matéria de discussão. [N.E.]
[5] A impossibilidade aqui não se dá, de fato, como uma impossibilidade intrínseca ou extrínseca; mas como uma impossibilidade moral, porque não se pode universalizar a máxima da ação niilista sem que ela entre em contradição consigo mesma. Ou seja, o nihilista pode, com efeito, agir subjetivamente como se não houvesse lei moral, mas não pode querer que outros ajam, objetivamente, de mesma forma (e.g. posso impor a minha vontade sobre todos, arbitrariamente, somente pela força, mas não posso querer que outros o façam comigo). [N.E.]
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