Por Edward Feser
Tradução e notas de Gabriel Marvin
Comentários de Helkein Filosofia
Algo comumente alegado entre os ditos Woke é que o termo, depreciativo, carece de significado. Não dá para dizer se muitos deles acreditam mesmo nisso, ou apenas o fingem; mas, seja o que for — não é verdade. Eu diria que a compreensão de wokeness, segundo seus críticos, seja, sem dúvidas, a seguinte: Woke significa uma paranóica e alucinada mentalidade hiper-igualitarista, que tende a ver opressão e injustiça onde não há; e, quando presentes, acaba por muito exagerá-las.[1]
Alguns exemplos disso: qualificar comportamentos “micro-agressivos” como [se fossem] racistas, quando na realidade são completamente inofensivos e (no máximo) rudes; condenar como uma “desigualdade” racista algum resultado econômico, mesmo que não haja qualquer prova de ter causas racistas; denunciar como “transfóbico” o reconhecimento do fato científico — e do senso comum — que afirma a binariedade dos sexos; condenar como “racista” a idéia de que as políticas públicas devem ser racialmente “daltônicas” (no sentido de que a discriminação racial é sempre errada); denunciar como “anti-gay” a idéia de que é inapropriado às escolas abordar sexualidade[2] em sala de aula sem a devida permissão dos pais; e assim por diante.
Se te ocorreu pensar: “Mas o que tem de errado nessas afirmações?”, há chance de seres woke; devias, então, pedir por ajuda — porque tais atitudes são muito irracionais. O meu livro All One in Christ: A Catholic Critique of Racism and Critical Race Theory explica os erros daquilo que consideram “antirracista”; mas, verdadeiramente, não tem nada disto. (Acharás utilidade para grande parte do livro, mesmo que não sejas católico, pois a argumentação é, principalmente, de natureza filosófica e científico-social em vez de teológica).
Ao adjetivar o sujeito woke como alucinado e paranóico, não faço insultos; descrevo, antes, reais traços psicológicos da postura Woke. Greg Lukianoff e Jonathan Haidt na obra The Coddling of the American Mind — acerca do qual falo brevemente em meu livro — observam como o estado de espírito encorajado pelas idéias Woke (Teoria Crítica da Raça, Teoria/Ideologia de Gênero, “Guerreiro da Justiça Social” e afins)[3] muito semelha-se à mentalidade identificada pela Terapia Cognitivo Comportamental enquanto uma das principais causas de distúrbios psicológicos.
As particularidades dessa mentalidade incluem: sentimentalismo, ou deixar que os próprios sentimentos determinem sua interpretação da realidade em vez de deixá-la precisar o sentimento apropriado;[4] catastrofizar, ou concentrar-se obsessivamente no pior resultado possível, ao invés daquilo que é o mais provável; supergeneralização, ou tirar conclusões precipitadas com base em um ou outro incidente; pensamento dicotômico, isto é, encarar as coisas como se a forma de análise binária fosse a única possibilidade; leitura mental, ou precipitar-se em conclusões sobre os pensamentos de outras pessoas; rotulação, isto é, imputar uma descrição simplista e planificadora a um fenômeno ou pessoa;[5] filtro negativo e desqualificação do positivo, ou procurar provas que confirmem alguma suposição pessimista, enquanto nega ou menospreza evidências de que as coisas não são tão ruins como o pensado; e culpar, ou centrar-se em outrem como fonte dos próprios sentimentos negativos, em vez de assumir-lhes a responsabilidade.
Exemplo de sentimentalismo woke no campo político.
E, logicamente, quanto mais se é propenso ao hábito de pensar assim, maior é a probabilidade de perceber, muito negativamente, o mundo, levando, então, à miséria. A Terapia Cognitivo Comportamental busca auxiliar os doentes na identificação e combate desses maus hábitos. Mas o “wokismo” incita ativamente tais distorções cognitivas; por exemplo, ao ensinar o raciocínio emocional na medida em que põe “narrativas” pessoais de opressão contra os ideais de racionalidade e objetividade, e porquanto faz das reações subjetivas das pessoas ofendidas a métrica para determinar se são (ou não) vítimas de “micro-agressões”; incita a culpabilização ao considerar que, nas acusações de micro-agressões e outras queixas, não tivesse qualquer sentido atribuir a culpa à sensibilidade excessiva e à paranóia da pessoa ofendida; concede o filtro negativo e a desqualificação do positivo ao definir arbitrariamente termos como “racismo”, “sexismo”, “transfobia”, “homofobia”, e afins, de forma que tudo pode ser considerado uma discriminação, e até aquilo que fora historicamente reconhecido como uma política paradigmática do igualitarismo (v.g. as políticas daltônicas ou neutras do ponto de vista racial, e a oposição de toda a discriminação racial); igualmente, dedica-se a rotular, ignorando todas as causas complexas das disparidades e os diferentes motivos por detrás das várias políticas e ações tomadas, limitando-se a descrevê-las como “racista”, “sexista”, etc.; fomenta o pensamento dicotômico ao insistir se deve, apenas: ou concordar com idéias Woke ou desprezá-la (conforme anteriormente exposto); mostra-se catastrófica porque insiste na necessidade duma urgente implementação das mais extremas de suas recomendações, e tudo que minimamente pareça se distanciar disso, deixará a nossa sociedade injusta e com pouco (ou nenhum) progresso; estimula a leitura da mente alheia ao imputar-lhe “racismo”, “fanatismo”, “ódio”, “parcialidade implícita”, “fragilidade branca” e outras atitudes semelhantes, a todos os críticos, mesmo na ausência de qualquer prova objetiva para estas atribuições; supergeneraliza, por considerar qualquer caso específico onde se perceba (ou até mesmo onde realmente tenha) uma injustiça, como uma confirmação absoluta da cosmovisão Woke.
Exemplo de banalização do termo “fascismo”
Em suma, as idéias Woke encorajam hábitos mentais paranóicos similares à ansiedade, depressão e outras desordens psicológicas. Essa cosmovisão nos leva a enxergar opressão e injustiça até onde não existem; a nos sentirmos muito prejudicados com problemas imaginários; e a considerar a narrativa de injustiça, que daí resulta, como se fosse uma prova da realidade da opressão e injustiça imaginadas.[6]
Os fatores psicológicos subjacentes ao Woke são responsáveis por duas características, que apesar de bem conhecidas por quem já lidou com isso, podem parecer incongruentes. Por um lado, os Woke confiam demais na própria “cosmovisão”, de modo que a vêem tão obviamente correta que não lhes é compreensível como poderia haver discordantes. E, ainda assim, parecem quase incapazes de se relacionar calma e racionalmente com seus críticos, sempre os atacando em vez de refutar-lhes as afirmações e argumentos contrários. Imagina, caro leitor, uma pessoa que sofre duma ilusão paranóica onde todos querem pegar-lhe pelo pescoço; isto acontece porque ele interpreta excessivamente o comportamento de outras pessoas — encontrando motivações malignas nas ações e comentários mais inócuos —, pensa ter evidências esmagadoras de que todos estão tentando pegá-lo, embora, na realidade, sejam os indícios pequenos. Por outro lado, em função disso, considera impossível discutir o assunto, calma e racionalmente, com qualquer discordante. “É tão óbvio! Se tu não o consegues ver, deves ser louco! Em verdade, também deves conspirar contra mim!”. Poderia ser dito o seguinte: uma pessoa paranóica e alucinada pensa ter despertado para uma realidade onde todos desejam destruí-la; enquanto, verdadeiramente, ela só se perdeu em uma fantasia. Basta recordar da interpretação, feita por Russell Crowe, de John Nash, no filme A Beautiful Mind, onde se vê ciladas e conspirações por todos os lados — até onde literalmente não tem ninguém.
A diferença entre Woke e outras formas paranóicas é que a paranóia e a ilusão que lhe são próprias refletem o que acima referi como cosmovisão hiper-igualitarista. Note-se que não estou dizendo que todas as formas de igualdade são más. Pelo contrário, conforme defendo em All One in Christ, porque os seres humanos de todas as etnias têm a mesma natureza, eles têm os mesmos direitos básicos e a mesma dignidade. Daí que seria injusto, por exemplo, um governo que se diz defensor da vida, da liberdade e dos direitos de propriedade dos cidadãos duma certa etnia, não tratar do mesmo jeito gente de uma outra raça. Esse seria um caso óbvio de desigualdade injusta.
Chamo de hiper-igualitarismo[7] essa tendência de suspeitar que todas as desigualdades são, per se, injustas; por exemplo, achar que se 10% da população de um país for duma certa etnia, mas ocorrer de menos de 10% dos corretores da bolsa serem dessa mesma etnia, aí se trata de uma desigualdade “racista” sem explicação inocente e deve ser eliminada, de alguma forma, pela política governamental (Confira a famosa afirmação de Ibram X. Kendi: “Quando vejo disparidade racial, vejo racismo”). Novamente, imagine a atuação de Russell Crowe em A Beautiful Mind, mas supõe que em vez de enxergar mensagens ocultas, complôs soviéticos e espiões por toda a parte, ele viu racismo, sexismo, homofobia, transfobia, etc. e dividiu o mundo entre: “fanáticos intolerantes”, com o objetivo de manter esse sistema de “opressão interseccional”; e “aliados”, que trabalham com ele para a subversão dessa situação.[8] A ilusão parece assustadoramente real; mas, na prática, se mantém através de raciocínios circulares e ataques ad hominem contra todos que tentam convencê-lo do contrário.
Exemplo de influência política de viés Woke
Claro que não digo que todos os Woke sejam loucos que nem o personagem de Crowe; e tampouco estridentes como o estereótipo de guerreiro da justiça social da internet ou a gentalha twitteira. À semelhança doutras formas de paranóia ilusória, o Woke vem em graus. Porém, se pensares que as idéias como a Teoria Crítica da Raça, a Teoria do Gênero etc. são tão obviamente corretas ao ponto de nenhuma pessoa decente e bem informada poder opor-se a elas, e ao menos achares complicado se relacionar calmamente e racionalmente com qualquer pessoa de pensamento contrário, és um Woke. E justamente porque te é difícil, calma e racionalmente, admitir a possibilidade de estar errado, a tua postura é paradigmaticamente irracional.
Leitura Complementar:
- Countering disinformation about Critical Race Theory
- “Diversity, equity, and inclusion”: Good, bad, or indifferent?
- The Gnostic heresy’s political successors
- Woke Ideology Is a Psychological Disorder
- All One in Christ: A Catholic Critique of Racism and Critical Race Theory
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Notas
[1] A idéia de associação de perspectivas pseudo-políticas a doenças mentais não é nova. Podemos conferi-la, por exemplo, no livro A Mente Esquerdista [The Liberal Mind], do psiquiatra Lyle H. Rossiter. [N.E.]
[2] O uso do tema “sexualidade” tem sido altamente eufemístico, uma vez que os temas sexuais tem sido apresentados sob viés eminentemente pornográfico. [N.E.]
[3] Observe-se que são idéias amplamente difundidas na academia, isto não deve ser pensado enquanto um processo dos últimos dez-vinte anos, ou mero evento midiático. No estudo “The Great Awokening as a Global Phenomenon” de David Rozado, é dito que: “The growing number of references to prejudice and social justice discourse is not circumscribed to news media. A content analysis of millions of published scholarly articles also showed an increasing frequency in the usage of such terms in the academic literature (Rozado, 2022b). An important difference between news media and academic content was however apparent. While the trend in the usage of prejudice denouncing terms and social justice associated terminology in news media has been relatively flat since the 1970s until the early 2010s and it then explodes thereafter, the trend in academic content had been growing up gradually since the 1980s, although an abrupt increase in the prevalence of this terminology is also apparent post-2010, but the rate of change is milder than in news media”. Tradução: “O número crescente de referências ao preconceito e ao discurso da justiça social não está circunscrito aos meios de comunicação social. Uma análise documental de milhões de artigos acadêmicos publicados mostrou igualmente uma frequência crescente na utilização de tais termos na bibliografia acadêmica (Rozado, 2022b). Uma diferença importante entre os noticiários e o material acadêmico era, no entanto, evidente. Embora a tendência na utilização de termos de denúncia de preconceitos e da terminologia associada à justiça social nos noticiários tenha sido relativamente estacionária desde a década de 1970 até o início da década de 2010 e posteriormente arrebente, a tendência no material acadêmico tem crescido gradualmente desde a década de 1980, ainda que um aumento abrupto na prevalência desta terminologia seja também aparente após 2010, apresenta entretanto uma taxa de mudança mais suave do que nos noticiários”. [N.T.]
[4] Isto inclui a falsa comunicação de crime a fim de forjar uma narrativa, como podemos conferir nesta notícia. [N.E.]
[5] O isolamento binário das possibilidades de avaliação é parecido com o posicionamento existencial expresso, na filosofia, sob a forma ismos; ver Eric Voegelin e o Posicionamento Existencial e O Falso Dilema entre o Racionalismo e o Empirismo. [N.E.]
[6] Após a comparação dos comportamentos similares entre os Woke e pessoas com distúrbios psicológicos, observemos a seguinte publicação do The Guardian, “How Woke became the word of our era”, na qual a autora defende o movimento Woke enquanto coeso e justo, além de indicar algumas práticas e idéias que definiriam seu estado Woke. Particularmente, me deterei sobre três pontos levantados para esmiuçar e evitar uma análise desnecessariamente longa. A autora afirma: “2. The essence of woke is awareness. What you are newly aware of (a pay gap, systemic racism, unchecked privilege, etc) and what to do with that newfound knowledge is the question. And the answer keeps changing depending on who you talk to. But regardless, you’ve answered the wakeup call, pushed your way out of bed and are now listening.”, num primeiro momento podemos perceber a exposição quasi-gnóstica do Woke, pelo qual estás no conhecimento de algo oculto e sistêmico que somente um grupo — ou quiçá, seita — têm percebido. Além disso, as características de pensamento reducionista e definitivo sobre causas sociais nos lembra do já apontado problema de supergeneralização e rotulação. Não há um real interesse na resolução desses “problemas”, mas sim um desejo pela sua subversão. Em sequência, há outra afirmação categórica: “3. To be woke, in the original sense, is to understand James Baldwin’s declaration: ‘To be a Negro in this country and to be relatively conscious is to be in a rage almost all the time.’ It is to understand the unique kind of exhaustion that comes from being perpetually attuned to discrimination. It is to be weary and wary. To be woke is to long for a day when one doesn’t have to stay woke”; bingo! Apenas nesse trecho é perceptível raciocínio emocional, culpabilização, pensamento dicotômico e leitura mental. Por fim, segue um último trecho: “17 Dropping the word “woke” into conversation among strangers in a social setting is a pretty easy way to determine where someone sits on the political spectrum without having to invest too much time in uncomfortable debates. Just watch for the nods, stiffened smiles or eye rolls. […] 20. Ultimately, wokeness is rooted in love – of self, family, humanity – just as injustice is rooted in hate. 21. Despite its inherently pessimistic nature, woke is hopeful. To search for Badu’s beautiful world requires the belief that one is out there – or at least, capable of being made.”, eis a paranóia, o Woke “óbvio” ululante, a sociedade deve ser planificada sobre os princípios Woke, estar em não-conformidade é, consequentemente, apoiar o ódio. [N.T.]
[7] Um caso de pressão política igualitarista pode ser conferida na abstrusa eleição de uma acadêmica muito pouco competente para a reitoria de Harvard. [N.E.]
[8] A ilusão Woke é tão série que reflete aquilo que deseja destruir; isto pode ser verificado na “pegadinha” de alguns pesquisadores que produziram um artigo transformando trechos do Mein Kampf, de Hitler, em discursos feministas; o artigo foi aceito no periódico feminista Affilia. Este pode ser chamado de Caso Sokal moderno, pois denuncia que o critério de algumas revistas acadêmicas é antes a ideologia do que a verdade, [N.E]
Artigo Original aqui.
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