Tradução de Rodson Matos
Problemas Interpretativos Específicos da Abordagem voegeliana
Os 1) pressupostos voegelianos acerca de eventos históricos e políticos, sobre o cerne da experiência filosófica – e seu fundamento para o exame dos símbolos de ordem – e 2) as técnicas que possibilitam a análise de suas estruturas literárias, tal como o procedimento para exame da conexão entre os símbolos erigidos por autores e o problema da linguagem na metaxy resultam em diversos problemas metodológicos específicos que diferenciam sua abordagem tanto de Platão quanto de outros. Alguns destes problemas incluem 1) as pretensões práticas dos escritos platônicos, 2) a forma de interpretar a ironia ali contida, 3) atribuição dos pontos de vista ali descritos ao próprio Platão, 4) o modo pelo qual a história e os diálogos se interligam, 5) a maneira de interpretar os mitos e 6) a natureza espiritual de suas crenças. As conclusões voegelianas acerca destes pontos advém da premissa de que a filosofia platônica consistiu num esforço para explorar o transcendente e as forças misteriosas que atraíram sua alma a buscar o divino. Entretanto, da mesma forma que seus pressupostos e técnicas, o tratamento voegeliano destes problemas também informam essa premissa.
A primeira implicação da abordagem interpretativa voegeliana é a conclusão de que os diálogos platônicos são, por sua própria constituição, “salvíficos”; Voegelin escreve:
“A filosofia nesse sentido, como um ato de resistência iluminado pelo entendimento conceitual, tem duas funções para Platão. Ela é, primeiro, e acima de tudo, um ato de salvação para si mesmo e para os outros, no sentido de que a evocação da ordem reta e sua reconstituição na própria alma torna-se o centro substantivo de uma nova comunidade que, por sua existência, alivia a pressão da sociedade corrupta circundante. Sob esse aspecto, Platão é o fundador da comunidade de filósofos que percorre os séculos. A filosofia é, em segundo lugar, um ato de julgamento – lembramos do mensageiro para a humanidade enviado do Hades pelos juízes. Como a ordem da alma é recuperada pela resistência à desordem circundante, os pares de conceitos que iluminam o ato de resistência desenvolvem-se nos critérios (no rico sentido de instrumentos ou padrões de julgamento) de ordem e desordem social. Sob esse segundo aspecto, Platão é o fundador da ciência política.”[1]
A filosofia transmitida pelos diálogos salva o indivíduo e a sociedade de sucumbirem à ruína resultante do fracasso em apreender o ordenamento dos temas humanos relativos ao divino e o nada, sendo que sua “salvação” consiste na articulação de perspectivas ordenadoras e correção dos pressupostos daqueles que destroem a ordem; deste modo, facilitam a conformidade espiritual com o fundamento divino do ser e a participação no realissimum. Segundo Voegelin, diagnosticar a desordem é o primeiro passo para remediá-la; portanto, as revelações sobre a ordem ou a desordem expostas nos diálogos têm importância tanto prática quanto teórica.
A segunda implicação da abordagem voegeliana decorre do papel da ironia nos diálogos platônicos.[2] Voegelin entendeu a ironia enquanto expressão de um sentido que poderia ser entendido apenas por aqueles compartilhassem certo ponto de vista existencial. Posta a igualdade ontológica entre os seres humanos na medida em que encontram sua existência na metaxy, Voegelin afirmou que todos possuem a capacidade de desenvolver uma perspectiva existencial que os torne seu entendimento operante; todavia, a consideração dos efeitos práticos dos diálogos [platônicos] clarifica a tragédia da condição humana, a saber, a de que a possibilidade de uma ordem correta é, em geral, negligenciada ou rejeitadas por aqueles que beneficiaria. Segue que Voegelin entendeu a ironia platônica como instrumento para lidar com uma situação em que a ordem espiritual nem sempre penetra nas estruturas da ordem pragmática; ao pôr a situação ao lume, Platão encorajava os leitores a refletirem acerca das estruturas da existência que permitem o tão limitado postulado do paradigma divino da ordem.
Em terceiro lugar, Voegelin estava confiante ao atribuir os pontos de vista expressos nos diálogos ao próprio Platão, de forma que sempre o equiparou a seu mestre na expressão “Sócrates-Platão”. O filósofo acreditava que Platão jamais expressaria suas visões através de um personagem degenerado por conta da percepção adequada da ordem e da desordem depender duma alma virtuosa e ordenada. O uso de personagens degenerados nos diálogos platônicos funcionou, por outro lado, tanto como exemplo dos efeitos da pneumopatologia [na alma] quanto como discrepante em relação ao apresentado enquanto ordenado. Segundo a análise voegeliana, Platão fez uso de pares de conceitos – por exemplo, a ordem filosófica contra a desordem sofística – por acreditar que a verdade é melhor iluminada quando oposta à falsidade.[3] Este tipo de oposição imita a metaxy à qual se ancora pelas forças contrastantes da ordem e da desordem e preserva o embate existencial na esperança de evocar uma resposta da psyche do leitor.
Uma quarta implicação jaz na ênfase histórica da abordagem voegeliana da interpretação de Platão. Para Voegelin, conhecer objetivamente a verdade não consiste apenas uma possibilidade, mas também o único modo pelo qual o homem pode encontrar a realização do sentido de sua vida. O filósofo defendia que a aceitação, pelos modernos, dos pressupostos historicistas configurava um perigo para a alma e para a sociedade, mas sua rejeição de tal perspectiva não se relaciona com a tese de que a filosofia fosse um saber essencialmente independente de quaisquer conhecimentos imanentemente condicionados; muito pelo contrário, afirmava que a empreitada filosófica possui características tanto do temporal quanto do atemporal e ressaltava que o modo mediante o qual o entendimento humano ordenado se torna cada vez mais preciso é através da passagem do tempo. Tais teses levaram Voegelin a considerar Platão segundo critérios históricos.
O Platão de Eric Voegelin, por exemplo, ocupa um lugar específico [e superior] na história da filosofia na medida do avanço de sua concepção sobre a alma humana. Suas percepções acerca da metaxy expressas n’As Leis, refletem concepções superiores àquelas prestes n’A República. Por conseguinte, a ordem de escrita dos diálogos importa para Voegelin na medida em que refletem o processo dinâmico da obra platônica. Da mesma forma, ele defendia que as reflexões de Platão sobre sua dívida para com seus antecessores, feito Ésquilo, Parmênides, Heráclito e Anaxágoras, o ajudaram a descobrir a natureza deste processo e a desenvolver uma filosofia da história.
Em quinto lugar, Voegelin entendia o mito enquanto a forma platônica de lidar com as limitações intrínsecas à vida na metaxy; nisto, acreditava que, no período do Timeu, Platão tivesse descoberto uma filosofia do mito na qual “a psyche atingiu a consciência crítica dos métodos pelos quais ela simboliza as suas próprias experiências.”[4] Voegelin argumentou que Platão aceitou o mito “como um meio de expressão simbólica, dotado de uma autoridade própria, independente do universo de conhecimento empírico constituído pela consciência em atenção a seus objetos e anterior a ele”.[5] Em outros termos, o mito é o ápice da filosofia na medida em que exprime as experiências sobre a ordem e a desordem com maior precisão e profundidade; neste sentido, a filosofia platônica culmina no mito. Segundo Voegelin, o mito emprega símbolos tradicionais por transmitirem experiências genuínas, ainda que de forma compacta, acerca da rodem e da desordem e, nisto, são uma forma de jogo simbólico que atesta a liberdade do filósofo no “influxo do espírito, que elimina a determinação absoluta”.[6]
Por fim, Voegelin assegurava que Platão e Sócrates mantiveram credos espirituais e que interpretação alguma dos diálogos seria precisa caso não começasse pelo reconhecimento desta dimensão reservada ao divino. Nisto, o filósofo insistiu que Platão foi não apenas um crente, mas um místico; portanto, o divino conservaria alguma relevância para a vida humana. A importância da dimensão divina no pensamento platônico jaz evidente na interpretação voegeliana do Fedro 278d:
“No Fedro, Platão faz Sócrates descrever as características de um verdadeiro pensador. Quando Fedro pergunta como se chamaria tal homem, Sócrates, seguindo Heráclito, responde que o termo sophos, aquele que sabe, seria excessivo: esse atributo pode ser aplicado somente a Deus; o homem finito pode ser apenas o ‘amante da sabedoria’, não aquele mesmo que conhece. No sentido da passagem, o amante da sabedoria cuja posse cabe somente ao Deus conhecedor, o philosophos, torna-se o theophilos, o amante de Deus.”[7]
O Platão de Eric Voegelin
Partindo destas considerações acerca da abordagem voegeliana da interpretação de Platão, estamos habilitados a examinar quem foi, exatamente, o Platão de Eric Voegelin e o que esperou alcançar com uma vida devotada à filosofia. Os pressupostos voegelianos sobre história, filosofia e o esforço em expressar experiências acerca do transcendente implicam numa concepção em que Platão estava empenhado em integrar a percepção do transcendente na prática política, adentrar nos mistérios da psyche e realizar descobertas capitais no campo científico.
Ao contrário de outras interpretações de Platão que focam em um ou outro destes aspectos, a abordagem voegeliana presume a continuidade entre os esforços político, místico e científico do filósofo ateniense. Duas passagens de sua correspondência com Leo Strauss sobre a interpretação da filosofia platônica esclarecem a técnica voegeliana de tratamento dos aspectos do pensamento de Platão enquanto harmonizados com as consequências de uma empreitada filosófica. Voegelin escreveu, em 1942:
“Eu vejo [o problema platônico-aristotélico] da seguinte forma: no centro do pensamento político platônico levantam-se as experiências fundamentais, que estão ligadas à pessoa e à morte de Sócrates – a catarse através da consciência da morte e o entusiasmo do eros, ambas pavimentam o caminho para o bom ordenamento da alma (Dike). A teorética conquista ético-política se mostra secundária diante destas experiências fundamentais. Somente quando a ordem fundamental da alma é definida, o campo das relações por ela determinado pode ser sistematicamente ordenado. Neste sentido, entendo a conquista teórico-científica de Platão como fundada no mito (que ele transmite como a representação das experiências fundamentais no Fédon, n’O Banquete, n’A República e n’As Leis).”[8]
Ele reafirmou, sete anos depois, seu argumento de que não se pode impor uma distinção final entre o modo teórico e o prático de lidar com a realidade, pois a verdadeira filosofia consiste tanto no ato da descoberta quanto no da instauração da ordem correta na alma:
“O conhecimento ontológico surge no processo da história e biograficamente no processo da vida da pessoa individual sob certas condições de educação, contexto social, inclinações pessoais e condição espiritual. Episteme não é apenas uma função do entendimento, é também no sentido aristotélico uma arete dianoética. Para este aspecto não-cognitivo de episteme utilizo o termo ‘existencial’”.[9]
O Platão de Eric Voegelin desejava especular corretamente acerca do cosmos; entretanto, isto requer uma relação ética com toda a realidade – tanto a perceptível pelos sentidos quanto aquela que se torna clara apenas mediante os mais profundos movimentos da psyche – o que, por conseguinte, gera implicações políticas. Seu propósito e maior conquista foi usar a forma simbólica do mito para evocar, numa audiência potencialmente ampla, as experiências de transcendência da psyche que são o fundamento para o conhecimento da existência da metaxy – e, por conseguinte, da moralidade existencial e da ordem política. Conquanto os três aspectos de Platão estejam unidos, tratá-los distintamente tornará claro o caráter distinto das conclusões voegelianas acerca do autor que foi seu próprio “guia” filosófico.
A Filosofia e a Cidade: Platão enquanto Agente Político
A análise voegeliana dos textos platônicos destaca até que ponto a crise social e política dos helenos perturbava – e até ultrajava – Platão, deixando-o sinceramente preocupado em instaurar o paradigma divino da ordem no interior da experiência concreta da Pólis na história. Portanto, um certo número de temas prático-políticos animaram Platão a incluir, em seus escritos, a promoção tanto de uma hélade unificada como a descoberta do tamanho ideal da Pólis. Por outro lado, seu objetivo mais urgente foi combater a destruição espiritual e política provocada pelos sofistas, cujas doxai [opiniões] materialistas e retórica[10] perversa levaram à execução de Sócrates e ameaçaram arruinar, por completo, a alma ateniense.
A concretude do conflito entre Platão e os sofistas funciona como estrutura empírica primeva que origina os conflitos expostos nos diálogos, tal qual as situações que esperava sanar. Para Voegelin, seu embate é o nexus entre a filosofia platônica e seu veio político, entre a ordem do homem e a ordem da sociedade. Na interpretação voegeliana, o termo “sofista” evidencia este nexus por ter sido aplicado não apenas a esses professores itinerantes [os sofistas] mas a qualquer um – inclusos os próprios atenienses – cujo ethos moral e intelectual manifestasse traços de educação sofística,[11] sendo sua característica mais marcante a “comunicação” deformada, a manipulação do discurso de forma a se obter certo fim em detrimento de outrem ou das experiências do transcendente que foram, para o Platão voegeliano, o substratum do pensamento e da ação retas.[12] Essa prática causou a cisão entre os símbolos lingüísticos e as experiências existenciais e, assim, o nexo entre a referência inteligível e o discernimento do sentido.
Ademais, a natureza agressiva sofística contradiz a experiência primordial da participação do homem na comunidade do ser e a descoberta filosófica de que os homens compartilham certa condição comum enraizada em sua participação no Nous divino.[13] Nesse meio social, os atenienses chegaram a crer que o estudo do mundo “externo” era o suficiente para alcançar a sabedoria e que a linguagem fosse mero instrumento de poder; por conseguinte, a “ordem” consistira no “direito do mais forte”. A execução de Sócrates confirma a conseqüência terrível: viver bem em Atenas – de forma a permanecer sem culpa perante os deuses – se tornou uma impossibilidade prática.[14] Portanto, de acordo com o Platão de Eric Voegelin, a cidade perdeu sua posição enquanto representação existencial do povo, pois seus governantes puseram o mundano acima do espiritual.
As conclusões voegelianas acerca de diálogos específicos sempre abordam a forma como Platão pretendia que suas percepções espirituais efetuassem um impacto concreto na ordem política ateniense. Qual foi, então, o cerna da empreitada política platônica? Voegelin argumentou que os diálogos mesmos compuseram o esforço semi-miraculoso de Platão para “para renovar a ordem da civilização helênica a partir dos recursos de seu próprio amor pela sabedoria, fortificado pela vida e pela morte paradigmáticas do mais justo dos homens, Sócrates.”[15] Enquanto resposta à deformação erística da linguagem e o enclausuramento existencial (a atitude daquele que reluta em buscar a verdade numa experiência transcendente) de seu tempo, Platão ofereceu os diálogos a todos que quisessem ler.[16] Ao fundamentar seus escritos em eventos concretos e circundantes à vida e morte de Sócrates, Platão enraizou seu apelo no respaldo da experiência comum daqueles que visava. Assim, Platão pretendeu reformular a política ao elucidar setores mais completos da experiência humana e ao criar um vocabulário filosófico superior (os novos símbolos da ordem) que prepararia as almas para o influxo da força divina ordenadora. Desta forma, Platão esperou restaurar “a ordem comum do espírito que foi destruída pela privatização da retórica” e evitar que a existência social, política e individual se afundasse em ruínas.[17]
O Que é Filosofia: Platão foi um Místico
Os esforços políticos de Platão foram motivados pela sua profunda convicção de que a saúde e salvação da alma são o principal objetivo do homem, e isto num sentido existencial: a alma deve evitar o não-ser, a temporalidade e a desordem e, assim, tornar-se amorosamente harmonizada com o ser fundamental, a eternidade e a ordem. Nisto, concluiu que as configurações sociopolíticas eram temas apropriados à reflexão filosófica e terapia da alma na medida em que influencia o homem e suas atitudes em relação à realidade, seu fundamento e a possibilidade de harmonização existencial. Ainda que os temas políticos fossem importantes, o Platão de Eric Voegelin foi, antes de tudo, um místico que buscou conformar-se com o fundamento divino do ser; a filosofia platônica foi, deste ponto de vira, a busca amorosa pelo fundamento último e divino do ser.
A relação entre os notórios esforços políticos, existenciais e filosóficos de Platão possuem certa complexidade que é também sua força. A desordem política sobrecarregou Platão de tal forma que lhe suscitou o desejo por uma solução que funcionasse como exercício de fortalecimento para a alma e, assim, o movimento de aversão e atração por fenômenos pragmáticos treinaram a Platão para analisar como a alma experimenta a ordem e a desordem ontológicas. Concomitantemente, o filósofo deve ter partido de certa sensibilidade psíquica, posto que ele, – ao contrário de seus contemporâneos – experimentou a desordem sociopolítica quando física e espiritualmente onerosa. Nisto, Voegelin argumenta que os diálogos foram escritos para clarificar essa relação entre Platão e seu modelo de sociedade.
Segundo Voegelin, o mistério de como e por que Platão experimentou e notou a desordem (tanto na política quanto na psyche) caracteriza-se feito causa eficiente e final de sua busca pelo fundamento divino. Platão quis saber o motivo de sua aversão ao meio social e como isso acontecia; nisto, percebeu que a dificuldade para encontrar respostas advinha da fonte da percepção visada – os movimentos da alma enquanto via de entrada para o conhecimento da realidade e seu ordenamento –; portanto, a investigação deveria ser conduzida através do exame da experiência mesma.[18] Entretanto, devido à sua característica de realidade “inobjetiva”,[19] a psyche não pode ser exaustivamente descrita pela linguagem na medida em que esta considera tudo o que engloba na qualidade de objeto. A psyche, portanto, feito a estrutura da realidade de que participa, é inefável.
Platão reconheceu que certas atividades eram tentativas de dissipar o mistério de como os seres humanos experimentam e reconhecem a verdade e a ordem; uma delas é a meditação, na qual a consciência abre a si mesma para o mistério da realidade e, informada por ela, busca compreendê-la mediante a penetração, nela, do fundamento divino – e, assim, aproxima-se da salvação e da ordem. A abertura de Platão à meditação o colocou em desacordo com a Atenas sofística na medida em que tal prática consiste num progresso integralmente direcionado à percepção da unidade do real e suas simbolizações; nisto, opõe-se às deformações sofísticas da consciência e da linguagem, que, por sua vez, suspendiam a percepção existencial e fragmentavam o real em tópicos pseudo-independentes.[20]
Os diálogos platônicos são formas de buscar, por meio da meditação, o ser divino, e sua inteligibilidade depende da disposição do intérprete para se encarregar, por si mesmo, desta missão. Apenas deste modo é que o leitor pode penetrar na experiência platônica da ordem ontológica – certa “visão” concedida, pelo fundamento divino, na noesis, que o atrai em busca de si mesmo. É quase impossível distinguir onde começa um e termina o outro, mesmo quando o filósofo se torna cônscio de que ambos (feito a pulsão desordeira) operam, de algum modo, na experiência filosófica. Este tema é nevrálgico para que se compreenda todos os escritos voegelianos sobre a filosofia de Platão e é o fundamento para o requisito de que o intérprete deve participar, por sua própria conta, do processo meditativo.[21]
Para que encerremos esta seção, será de grande ajuda notar que o meditante pode destacar vários “objetos” e assim obter diferentes “tipos”; um dos tipos que ocupa um lugar de destaque no pensamento voegeliano – em parte por conta de seu posto no pensamento platônico – é a anamnese, espécie de exploração do “passado” da consciência na qual ela se torna consciente do “presente indelével” ou “presença fluente” – a “corrente temporal de experiência em que a eternidade está, no entanto, presente.”[22] Noutras palavras, anamnese é a operação meditativa em que a consciência busca se “recordar” de sua experiência do eterno, do sempre-presente, da ciência de si mesma e da realidade – uma experiência que pode ter sido “esquecida” como resultado das pulsões desordeiras e das deformidades que nos circundam e oprimem a consciência humana concreta.
Voegelin acreditava que Platão estivesse sumamente interessado na exploração anamnética da realidade e, assim, porções significativas de suas análises voltam-se aos “tipos” de tempo e de eternidade que ocorrem nos diálogos. Nisto, o filósofo argumentou que Platão fora o primeiro a articular, por completo, a complexidade luminosa deste relacionamento [entre tempo e eternidade] e o primeiro a reconhecer que tal característica da estrutura da realidade requeria uma investigação filosófica que operasse mediante a forma simbólica do mito, pois esta reconhece a inefabilidade essencial do nexo entre o tempo e a eternidade e, assim, abstém-se de explicá-lo à exaustão; nisto, a filosofia convida [mediante o processo meditativo que expõe a relação mencionada] as pessoas a efetuarem a anamnese por si mesmas. Voegelin sugeriu que todos os diálogos – desde os juvenis até os tardios – foram anamnéticos; entretanto, a tomada de consciência de tal característica ocorreu a Platão apenas nos últimos estágios do processo revelatório e, no alvorecer desta consciência crítica, o filósofo clarificou suas primeiras fórmulas. Também Voegelin, ao notar a consciência platônica acerca do processo anamnético, revisitou os primeiros diálogos para que determinasse como seus símbolos compactos prefiguraram a tomada de consciência na obra tardia de Platão.
Platão foi, também, um Cientista
Embora Voegelin cresse que Platão fosse um místico cujas simbolizações fossem inspiradas pelo divino, atribuiu aio filósofo não menos – talvez até mais – descobertas científicas. Feito outros filósofos, Voegelin utilizou, com freqüência, os termos “filosofia” e “ciência” de maneira alternada. A atividade filosófica é mística e seu núcleo é o fundamento para a verdadeira ciência na medida em que o opõe o conhecimento – episteme – à opinião; nisto, a ciência é, também, mística, enquanto motivada pelo desejo de conhecer o lugar do homem no mundo, o anseio pela conformidade com o fundamento divino e a intuição da unidade da realidade. Tanto a filosofia quanto a ciência estão, portanto, relacionadas no processo noético, infraestrutura descrita pelo filósofo enquanto constituída de 1) uma experiência noética e 2) da exegese da mesma experiência.
A experiência noética está sobremaneira ligada à filosofia e à participação mística dos intelectos divino e humano na percepção do fundamento divino que origina os símbolos auto-interpretativos da realidade. Por outro lado, a exegese noética liga-se melhor à ciência na medida em que opera reflexivamente sobre a experiência a fim de erigir construtos teóricos que expliquem os símbolos filosóficos e a experiência. Voegelin descobriu, em Platão, não apenas a epítome da filosofia mística, mas também um esforço crítico-científico para reconhecer os aspectos distintos ou diferenciados da realidade experimentada; nisto, elencou o empenho platônico em termos feito exegese, análise e inquirição crítica – termos aos quais agora me dirijo.
Platão foi o primeiro a compreender, ontologicamente, a transcendência
Voegelin acreditava que Platão fez uma descoberta crítica na filosofia da história – uma que ultrapassara, por conta de sua clareza simbólica, a perfilada nas intuições dos poetas, historiadores e filósofos pré-socráticos e, assim, tornou possível a análise científica. A descoberta crucial de Platão foi a psyche enquanto processo de busca e também local de manifestação do fundamento divino; ali, a psyche toma consciência do fundamento que jaz para além de si mesma. Dito de outro modo, Platão descobriu o nous, a faculdade que ilumina a psyche e mantém “tanto o Deus além do homem quanto a entidade divina dentro do homem” unidos na tensão da existência.[23] Articulada esta intuição, Platão forneceu uma nova ontologia, agora enraizada num fundamento transcendente, (epekeina, ou “para além) e que, não obstante, jaz presente em todas as coisas enquanto “a fonte da realidade e [sua] forma ordenadora”.[24] Voegelin defende que, antes desta diferenciação, não havia consciência acerca do caráter específico do homem enquanto ser que questiona e busca por respostas; todavia, os homens posteriores compreenderam-se enquanto “a criatura que possui consciência dum [caráter humano específico] a qual é auto-reflexiva e produz tais símbolos lingüísticos e assim por diante.”[25]
A diferenciação de Platão impactou historicamente a política: “O evento decisivo na constituição da politike episteme”, argüiu Voegelin, foi a “percepção filosófica especial [de Platão] de que os níveis discerníveis do ser dentro do mundo são sobrepujados por uma fonte transcendente do ser e de sua ordem”.[26] O que distingue a descoberta e a simbolização platônica da psyche daquela de seus predecessores e a faz digna do título científica é que tal “diferenciação da psique expande a busca do fundamento pela dimensão da consciência crítica” e, por conseguinte, reconhece que seus processos são a fonte empírica da qual os símbolos de ordem derivam sua validade.[27] As expressões simbólicas referentes à ordem do ser – em especial aquelas relativas ao relacionamento entre os homens e os deuses – podem ser examinadas à luz do pressuposto platônico de que o conhecimento da ordem do ser é “verificável”, algo confirmado através dos movimentos da psyche em direção ao fundamento.[28] Assim, o fundamento divino ser é posto enquanto um novo padrão invisível e, assim, o critério de verificação científica acima e contra a simbolização compacta da ordem (os mitos e as instituições pré-científicas) e a “a multidão de doxai cépticas, hedonistas, utilitárias, orientadas pelo poder e partidárias” que prevaleciam na Atenas do quarto século antes de Cristo.[29] A descoberta de Platão provou que “[poderia] formar-se uma nova imagem de ordem que não levasse as marcas duma opinião (doxa) não obrigatória e subjetiva”; assim, afirma Voegelin, nasceu a ciência política.[30]
O objetivo da análise científica platônica consiste em adquirir o “conhecimento da ordem do ser, dos níveis da hierarquia do ser e suas inter-relações, da estrutura essencial dos reinos do ser e especialmente da natureza do homem e seu lugar na totalidade do ser”.[31] Platão fez, ainda, descobertas críticas a respeito dos processos pelos quais essa espécie de conhecimento se apresenta àquele que o busca, a saber, através de uma dupla negação; proposições positivas sobre a realidade em geral, feito as articuladas pelo filósofo por meio de seus símbolos ordenadores filosoficamente diferenciados, surgem enquanto opostos às afirmações advindas da tolice humana concreta, tal como quando os sofistas propuseram que 1) o nada existe, 2) se algo existe então é ininteligível e 3) se for inteligível então é incomunicável.[32] Noutros termos, Platão descobriu que a verdade pode surgir através da via negativa. Proposições verdadeiras, outrossim, não constituem “uma ‘prova’ no sentido de uma demonstração lógica, de uma apodeixis, mas apenas no sentido de uma epideixis, de um apontar para uma área da realidade que o construtor das proposições negativas escolheu desconsiderar, ou desprezar, ou recusar a perceber”.[33] Voegelin também atribui ao filósofo grego a revelação das implicações morais advindas de teses epistemológicas, quando diz “Que as proposições negativas não são uma sentença do filósofo concernente a uma estrutura na realidade, mas expressam uma deformação do ‘coração”, é a iluminação obtida por Platão.[34]
Platão enquanto precursor das concepções de Filosofia e de Teologia
Os raciocínios epistemológicos e teológicos de Platão acarretaram uma vasta revisão do modo helênico de pensar, de forma que a verdadeira filosofia fosse iluminada como busca existencial por uma “verdadeira teologia” que se referisse à “existência do homem na verdade ou na falsidade”. [35] A compreensão científica de Platão sobre a filosofia implicou as percepções de 1) que a filosofia é a busca existencial por Deus e 2) que as proposições decorrentes da atividade filosófica pertencem ao ser divino. Deus, e não o homem, é a medida do conhecimento e da ordem.
Voegelin afirmava que Platão fora o primeiro pensador a utilizar o termo “filosofia” para se referir à tensão existencial que separa o homem e o divino, mas que também o convida a procurar e a gerar proposições sobre o sagrado. A atenção dada ao alcance do movimento da psyche, indicada no termo philia, é crucial para a fórmula platônica: “na experiência do amor direcionado ao ser que, transcendente, origina o ser e o mundo, em philia ao sophon (a sabedoria), em Eros para o Agathon (o Bem) e o kalon (o belo), o homem se torna filósofo.[36] Tais experiências transcendem o pensamento e direcionam-se ao coração do homem, mas é através de sua análise crítica que ele descobre quais são as pretensões da consciência.
A descoberta platônica da filosofia enquanto perquirição amorosa pelo fundamento divino do ser resulta em formulações conceituais importantes – proposições cientificamente válidas que podem ser derivadas de suas experiências originárias sem que percam a capacidade de descrever a realidade com precisão. Voegelin atribuiu, a Platão, a primeira formulação de uma série de proposições dotadas de caráter restaurador, e que agem como pedra de toque para quaisquer sistemas de pensamento, de forma que permanecem válidas até hoje; o filósofo destaca, em especial, as proposições científicas – aquelas referentes a Deus, aos deuses ou à teologia[37], termo que reivindica para Platão, argumentando que este a equipara, em importância, à filosofia e que, em verdade o ateniense se considerava um teólogo.
Uma das contribuições teológicas mais importantes da teologia platônica, entre aquelas referentes à autocompreensão da humanidade, foi sua percepção de que as doxai sofísticas foram, a rigor, um tipo incorreto ou negativo de teologia, o que o forçou a realizar uma dupla negação para que articulasse uma teologia verdadeira. Platão identificou as doxai sofísticas enquanto tipos (no caso, referentes à existência do nada e assim por diante) como uma recusa existencial da realidade divina, à qual respondeu enfaticamente n’A República e n’As Leis com uma “tríade positiva: os deuses existem; eles se preocupam com os homens; tu não podes torná-los cúmplices de teus crimes pacificando-os com oferendas de teus lucros”.[38] A teologia positiva rígida por Platão também revisa a perspectiva tradicional acerca dos deuses, antes entendidos sob o prisma da simbolização compacta, utilizando como fundamento sua constatação de que somente certo tipo de discurso era propriamente científico ou adequado à exegese do divino: a alegoria e simbolização conceitual, ambos enquanto núcleo do mito filosófico. Exempli gratia de símbolos diferenciados relativos à realidade divina são o nous e a epekeina, ambos referentes à relação entre o homem e Deus na tensão da existência, mas não em termos materialistas. Entretanto, na medida em que transmitem experiências humanas, os mitos antigos ainda guardam certa suficiência.
A ontologia platônica enquanto geratriz de proposições acerca da ordem política
A formulação platônica do princípios antropológico e da medida segundo o divino foi uma conquista científica histórica.[39] Destas duas proposições advém todas as conclusões de Platão sobre a natureza da ordem; Voegelin descreve o princípio platônico da seguinte forma: “A verdade do homem e a verdade de Deus são uma só coisa, una e inseparável. O homem viverá a verdade de sua existência quando abrir sua psyche à verdade de Deus; e a verdade de Deus tornar-se-á manifesta na história quando houver moldado a psyche do homem para se fazer receptiva à medida invisível.”[40] Assim, Platão descobriu que o parâmetro de avaliação da bondade ou da justiça em sociedade é o homem cuja alma jaz ordenada pelo fundamento transcendente e, à luz deste princípio, doutrinas tais quais as de consenso ou referentes à política do mais forte podem ser completamente descartadas como incapazes de legitimar qualquer ordem política (ou qualquer cosia acerca dos deuses) por serem, definitivamente, imanentes. Platão postula, assim, que sua própria alma, enquanto em conformidade com a harmonia invisível do parâmetro divino, era o critério para avaliar Atenas.
O princípio antropológico estabeleceu que a ordem política liga-se não apenas ao cosmo, mas também às almas individuais[41], e Voegelin procede à distinção entre dois de seus aspectos: “Sob o primeiro deles, trata-se de um princípio geral para a interpretação da sociedade; sob o segundo, é um instrumento de crítica social.”[42] Platão foi, assim, o primeiro a notar que as ordens políticas refletem a forma com a qual seus membros respondem à questão referente ao propósito da existência; caso tais membros retenham concepções equivocadas sobre os deuses ou estejam fechados à realidade divina, a sociedade será desordenada e caberá a um indivíduo semelhante a Platão expor tal desordem para que possa restaurá-la à normalidade.
Nisto, ambos os princípios platônicos jazem na descoberta científica de que a psyche permeia a estrutura inteira da existência humana. O cosmo, em sua totalidade, permanece aberto à influência ordenadora do divino enquanto concede a “substância” à psyche; esse substrato –o ou conformidade com o fundamento divino – une, uns com os outros, todos os parceiros da comunidade do ser (Deus e homem, mundo e sociedade), de modo que o que ocorre a um afeta os outros. Para o Platão de Eric Voegelin, a “existência na verdade” ou conformidade com o fundamento [divino] foi uma constante para todos os participantes, e quanto mais estes experimentam tal harmonia, mais a realidade lhes transparece e, assim, eleva cada um dos partícipes. Essa relação está na base das conclusões de Platão sobre as obrigações morais e políticas do filósofo referentes à luta pela ordem, e também fundamenta seu pensamento acerca das relações dos governantes com os grupos dominantes, dos membros da sociedade em geral, e também do nomos e da physis.
Conclusão: Alguns Atributos Específicos da Alma Filosófica
A abordagem voegeliana da filosofia platônica é notoriamente teológica e visa alcançar uma relação estrita com o fundamento divino que, por sua vez, influencia a relação entre os parceiros na comunidade do ser. O Platão de Eric Voegelin postula o parâmetro moral da vida filosófica: viver “amorosamente” e orientado “em direção à morte”. Voegelin explicou esse “grande tema” da seguinte forma:
“Morte e Amor estão intimamente relacionados como forças orientadoras na alma de Sócrates. No Fédon, a filosofia é a prática de morrer; no Banquete e no Fedro, ela é o erotismo da alma pela Ideia que cria a comunidade procriadora entre os homens. Eros domina a sua vida porque ela é uma vida em direção à morte; e o seu Eros é poderoso porque a existência na expectativa da catarse por intermédio da morte proporciona a distância adequada dos incidentes da vida terrena.”[43]
O Platão voegeliano descobriu, na penetração do fundamento divino na consciência humana, que os homens experimentam sua responsabilidade perante Deus na experiência da tensão existencial; nisto, podem perceber que Deus é bom e que agir da forma que lhe agrada trará a salvação para sua existência. Ao amar a ordem divina, os homens serão corajosos o suficiente para julgar todas as suas ações, atitudes, pensamentos, etc. a partir da perspectiva divina – a perspectiva da eternidade. Assim, Voegelin argüiu, o mito platônico visava iluminar as forças da morte e do amor na psyche humana.
Para Platão, a vida moral depende da posse de uma alma pura, caracterizada pelas virtudes tais como eros, thanatos, dike, philia, phronesis e peitho. De acordo com a existência na metaxy, cada uma dessas virtudes possui um aspecto ativo e um passivo: o homem deseja continuamente seus objetos, tornando-se, assim, receptivo à penetração da presença divina em sua alma. A fim de elevar tais virtudes à perfeição e purificar a alma, o filósofo deve envolver-se em processos meditativos, ter a coragem de refutar a injustiça e promover a justiça, nunca causar dano a outrem e esforçar-se por ajudar os necessitados. Da mesma forma, o filósofo deve ser humilde e ter um profundo entendimento do que ele não sabe e não nada pode saber, objetivamente,[44] sobre o fundamento divino e guardar a consciência da constante presença de um “ponto cego no centro de todo o conhecimento humano.”[45] Para o filósofo e todos os homens, “O papel da existência deve ser cumprido sem qualquer certeza de seu significado… Tanto o papel quanto o roteiro são desconhecidos. Mas é pior ainda, pois o ator não sabe com segurança quem ele é”.[46]
Nisto, o Platão “voegeliano” reconheceu a ignorância característica do homem, mas sem se desesperar quanto ao conhecimento da conformidade com o fundamento divino. A complicada e misteriosa situação da existência humana motivou Platão a alcançar uma compreensão tão grande quanto humanamente possível através de concentrados e constantes esforços para simbolizar suas experiências da existência na metaxy e aproximar-se do fundamento divino que tanto o atraiu. O corpus platônico simboliza a busca do filósofo pela salvação existencial e seu esforço para ajudar outros a alcançá-la. Ele reconheceu que nenhuma simbolização poderia esgotar o mistério luminoso da existência humana, e então utilizou uma variedade de imagens e tipos linguísticos para transmitir experiências essencialmente inefáveis, porém restauradoras, da ordem transcendente. Esta foi sua tentativa de ajudar sua cidade a se recuperar e ordenar-se. Mal sabia, sugeriu Voegelin, que seus símbolos transformariam o curso da história Ocidental ao iniciar uma tradição filosófica sobre o sentido da existência, que poderia ser deformado, mas nunca desfeito.
Eric Voegelin concebeu seu próprio projeto filosófico como uma rearticulação dos de Platão, e talvez tenha encontrado neste o que já esperava: uma busca mística pela penetração do fundamento divino na consciência humana, através da qual realizou importantes contribuições para a ciência e para a política. Neste artigo, tentei mostrar como Voegelin chegou a essa interpretação de Platão – uma visão fundada em análises históricas e textuais, assim como numa exegese meditativa – e quais foram algumas das conseqüências deste modo de compreendê-lo, tanto em termos de leitura dos diálogos quanto da compreensão do substrato da filosofia platônica. Sua abordagem de Platão, fruto de rigorosas análises operadas durante uma vida de estudos, merecem maior atenção acadêmica, nem que seja pelas questões que levanta – para as quais as interpretações rivais fariam bem em responder, de forma que levassem qualquer leitor atento de volta aos diálogos em busca de respostas. Em outras palavras, sua leitura de Platão certamente encoraja a continuação da busca [pelo fundamento]. O que, para mim, parece perfeitamente alinhado a qualquer interpretação séria do antigo filósofo e parece razão suficiente para seguir o exemplo voegeliano, a saber, rumar ao centro do pensamento platônico.
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Notas:
[1] Ordem e História Vol.III: Platão e Aristóteles p.129. [N.A.]
[2] Para uma útil discussão de como vários intérpretes de Platão, a incluir Voegelin e Strauss, viram o papel da ironia nos diálogos, veja James M. Rhodes. Eros, Wisdom, and Silence: Plato’s Erotic Dialogues. Columbia: University of Missouri Press, 2003. Capítulo dois. [N.A.] [A obra carece de tradução em língua portuguesa]. [N.A.]
[3] Veja VOEGELIN. Platão e Aristóteles. p. 123-131. [N.A.]
[4] Ibid. p. 242. Veja também p. 242-52. [N.A.]
[5] Ibid. p. 243. [N.A.]
[6] Ibid. p. 314. [N.A.]
[7] Id. Science, Politics, and Gnosticism (1968; repr.,Wilmington, DE: ISI Books, 2007), 31. [Tradução minha devido à ausência da obra no mercado editorial brasileiro]. [N.A.]
[8] Eric Voegelin to Leo Strauss, 9 December 1942, em Faith and Political Philosophy, 8. [N.A.]
[9] Eric Voegelin to Leo Strauss, 2 January 1950, em Faith and Political Philosophy, 64. [N.A.]
[10] Mais precisamente a retórica erística, retórica sofística, ou só erística, que consiste no debate pelo debate, sem se atentar à veracidade da argumentação, mas tão somente à sua capacidade de persuasão como critério de verdade. Para um perfeito (e cômico) exemplo, veja o diálogo Eutidemo, de Platão. [N.T.]
[11] VOEGELIN. O Mundo da Pólis. p. 348-49. As idéias de Voegelin relativas ao que fazia dum homem um sofista ou um sofístico derivavam da representação platônica dos sofistas como: aqueles cujo discurso separou-se do conhecimento experiencial do ser em conseqüência das tentativas de se angariar sucesso pessoal às custas da conformidade com a ordem divina. [N.A.]
[12] Para a caracterização voegeliana da nova educação sofística e seu modo de se transmitir a si mesma, veja O Mundo da Pólis, 350: “O domínio de situações e argumentos típicos do debate público, um cabedal de conhecimento completo sobre os assuntos públicos da pólis nas relações domésticas e imperiais, uma inteligência vívida, uma boa memória aprimorada pelo treino, um intelecto disciplinado pronto para apreender a substância de uma questão, a habilidade treinada para ordenar argumentos de improviso, um acervo de anedotas, paradigmata e palavras extraídas dos poetas para ilustrar argumentos, perfeição oratória geral, habilidade de estorvar um oponente de modo mais ou menos polido no debate, uma boa dose de conhecimento psicológico para lidar com as pessoas, boa aparência e bom porte, elegância natural e exercitada na arte da conversação, tudo isto era necessário para ter sucesso no competitivo jogo da pólis. Nessa nova forma de política, alguém que pudesse treinar a mente para chegar a decisões sensatas e impô-las aos outros por meio do debate, do discurso, da argumentação e da persuasão seria sempre acolhido”. [N.A.]
[13] Para uma análise do tratamento de Voegelin dos sofistas, veja FARRELL. “Voegelin on Plato and the Sophists”, em Communication and Lonergan, 108-36. Seu tratamento dos sofistas n’O Mundo da Pólis expõe as conexões que ligam Parmênides e os pré-socráticos aos sofistas históricos como Protágoras e Pródico. Em certos aspectos, Voegelin era simpático às tentativas dos sofistas de descobrir a verdade sobre o homem, os quais foram inquiridores notáveis, mas cujas respostas foram equivocadas. Sua principal crítica a eles, entretanto, visava à conclusão destes das experiências da transcendência que levou a formulação: “O homem é a medida de todas as coisas”. Curiosamente, a discussão de Voegelin sobre o Górgias de Leontini histórico em seu último ensaio, “Sabedoria e a magia do extremo: uma meditação”, sugere que este sofista estivesse espiritualmente aberto às experiências de ordem e desordem, mas fora incapaz de esclarecê-las para além de uma simbolização compacta. [N.A.]
[14] VOEGELIN. Platão e Aristóteles, capítulo 1. [N.A.]
[15] Ibid. [N.A.]
[16] Ibid., 72. [N.A.]
[17] Ibid. [N.A.]
[18] Neste ponto veja, por exemplo, MORRISSEY, Michael P. “Voegelin, Religious Experience, and Immortality”, em The Politics of the Soul: Eric Voegelin on Religious Experience. Ed. Glenn Hughes. Rowman & Littlefield Publishers, 1999. p. 19. [N.A.]
[19] “non object”; utilizo inobjetivo para denotar realidades que não se restringem à categoria de “objeto” enquanto coisa presente à consciência. [N.E]
[20] VOEGELIN. “Sabedoria e a magia do extremo” em Ensaios Publicados: 1966–1985. P.421 e seguintes. [N.A.]
[21] Para uma útil discussão da relação da visão com a noesis e o conhecimento constituído pela fé, esperança e amor, veja RANIERI, John J. Eric Voegelin and the Good Society. Columbia: University of Missouri Press, 1995. p. 239-40.
[22] VOEGELIN. “O ser eterno no tempo”, em Anamnese. p. 412 [N.A.]
[23] Id. “Imortalidade: experiência e símbolo”, em Ensaios Publicados: 1966–1985. p.122[N.A.]
[24] Id. “Sabedoria e a magia do extremo” em Ensaios Publicados: 1966–1985. p. 416 [N.A.]
[25] Id. “The Drama of Humanity,” in The Drama of Humanity and Other Miscellaneous Papers, 1939 – 1985. ed. William Petropulos and Gilbert Weiss, vol. 33 of The Collected Works of Eric Voegelin. p. 203. [Tradução própria; o grifo é do autor] [N.A.]
[26] Id. Science, Politics, and Gnosticism. p. 13-14. [Tradução própria] [N.A.]
[27] Id. “Razão: a experiência clássica”, em Ensaios Publicados: 1966–1985. p. 332 [N.A.]
[28] Id. Science, Politics, and Gnosticism. p. 13. [N.A.]
[29] Ibid. p. 11. [N.A.]
[30] Ibid. [N.A.]
[31] Ibid. p. 13. [N.A.]
[32] Id. O Mundo da Pólis. p. 353ss; “Conversations with Eric Voegelin at the Thomas More Institute for Adult Education in Montreal,” em CW 33: 318; “Quod Deus Dicitur”, em Ensaios Publicados: 1966–1985. p. 463 [N.A.]
[33] Id. “Quod Deus Dicitur”, em Ensaios Publicados: 1966–1985. p. 464 [N.A.]
[34] Ibid. [N.A.]
[35] Ibid. p. 465 [N.A.]
[36] Id. Science, Politics, and Gnosticism. p. 14. [N.A.]
[37] Veja Id. “Quod Deus Dicitur,” em CW 12: 389; “Conversations with Voegelin,” em CW 33: 298, 318. Voegelin também pensou que Platão provavelmente cunhou o termo “transcendência”. Veja “The Drama of Humanity,” em CW 33: 202. [N.A.]
[38] Id. “Conversations with Voegelin,” em CW 33: p. 318. [N.A.]
[39] Sobre a ordem do ser enquanto uma ordem do amor, veja Id. “Sabedoria e a mágica do extremo” em Ensaios Publicados: 1966–1985. p. 402 e seguintes. [N.A.]
[40] Id. A Nova Ciência da Política. p. 59. [N.A.]
[41] Ibid. p. 54. [N.A.]
[42] Ibid. p. 55. [N.A.]
[43] Id. Platão e Aristóteles. p. 73-74. [N.A.]
[44] Na qualidade de objeto. [N.E.]
[45] Id. Israel e a Revelação. p. 11. [N.A.]
[46] Ibid. p. 10. [N.A.]
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