De Julianne M. Romanello
Tradução de Rodson Matos
Eric Voegelin foi um intelectual de primeira ordem cujos escritos abrangeram várias disciplinas referentes principalmente a questões desde a política e história à filosofia e até a psicologia e a teologia. Embora seus escritos tenham recebido atenção de grupos limitados de acadêmicos e filósofos, sua complexidade e trajetória únicas tem sido frequentemente provadas enquanto obstáculos a uma maior familiaridade e difusão do pensamento de tão importante baluarte da especulação filosófico-política do sec. XX, o que é um infortúnio, pois uma das principais características de seus esforços filosóficos foi uma fascinante interação dinâmica com Platão – o que o coloca na companhia de outros pensadores mais bem conhecidos (Martin Heidegger e Leo Strauss, por exemplo) –, visto que pensou que uma interação renovada com o autor antigo poderia trazer uma restauração indispensável à ciência e à política. O propósito desse artigo é, portanto, examinar a interpretação voegeliana de Platão e dissipar algumas das dificuldades de acesso para que aumentemos a possibilidade de sua perspectiva também fundamentar discussões acerca da guinada moderna de um retorno a Platão Sua abordagem do filósofo antigo é bastante original e ilumina novas facetas dos diálogos platônicos, levantando questões importantes acerca da própria natureza da filosofia platônica. Se um entendimento de Platão e sua contribuição para a Tradição Ocidental foi de alguma importância, assim também o é que consideremos a interação do pensamento voegeliano com o platônico.
O que justifica uma exposição especializada da interpretação voegeliana de Platão é a amplitude e complexidade de um encontro que evoluiu ao longo duma vida de estudos analíticos, reflexivos e meditativos sobre o corpus platonicum e, para além disto, conferir como a guinada voegeliana em direção ao ateniense ocorre dentro do contexto de um amplo esforço filosófico focado na investigação da “verdade da existência” e em revelar o “sentido e a ordem na história”. A natureza de seu maior projeto e a forma com que se desenvolveu levam a uma abordagem dos textos históricos – sendo os mais importantes entre eles os diálogos platônicos – dotada de duas facetas: por um lado, Voegelin tentava testar uma teoria da consciência que ajudaria a esclarecer a condição humana; por outro, tentava um melhor entendimento da consciência moderna e descobrir um remédio para suas desordens. Cada uma destas facetas baseia-se sobre pressupostos subjacentes deduzidos por Voegelin dos textos examinados por ele, o que cria dificuldades para aqueles que desejam distinguir o que foi levado para seu diálogo com Platão e o que resultou disto. Sensível a essas dificuldades, ele refletiu mais tarde em sua carreira e concluiu que um dos maiores desafios para um autor ou intérprete de um texto é começar do começo.[1] Ele qualifica esse comentário ao dizer que a análise não poderia começar, por assim dizer, “a menos que comece no meio”.[2] Com esse artigo, espero aumentar a probabilidade de uma maior audiência encontrar “o meio” menos desanimador.
Para alcançarmos o objetivo proposto, identifico alguns dos pressupostos subjacentes que fundamentam o encontro entre Voegelin e Platão, bem como um certo número de princípios-chave aos quais se assimilam técnicas ou guias de interpretação que estruturam suas análises dos escritos platônicos. Examino como eles [pressupostos e princípios-chave] geram uma compreensão distinta (e de alguma forma anatematizada) da compreensão de outros pensadores do séc. XX acerca do pensamento platônico. Descrevo, então, quem foi o Platão de Voegelin e o que, especificamente, ele tentou fazer ao escrever os diálogos. Minha análise foca, principalmente, em três dos importantes (e entrelaçados) papéis exercidos por Platão: primeiro, o papel de um agente político; segundo, o de um místico; e, por fim, o de cientista. Concluo com um esboço de algumas características específicas da alma filosófica.
Abordagem voegeliana da leitura de Platão: pressupostos
A aproximação de Voegelin do pensamento platônico ocorre no contexto de seus esforços acadêmicos para explicar e criticar o que reconhece como grosseiras deficiências da situação sociopolítica e intelecto-espiritual de seu tempo. Simplificando, Voegelin procurava uma forma de explicar o fracasso – em parte da sociedade, de seus representantes políticos e de suas comunidades acadêmicas e espirituais – de resistir ao programa impraticável, irracional e moralmente falido dos nazistas. Ao deparar-se com a incapacidade ou recusa do pensamento moderno de penetrar no problema, Voegelin descobriu ser necessário pesquisar os primórdios do pensamento filosófico de forma que se possibilitasse explicar o mais tarde descrito como uma pneumopatologia – uma doença do espírito – ou da alma – que perverte a capacidade humana de raciocinar e discernir os princípios da ciência e da moralidade.
O que as investigações voegelianas da história do pensamento filosófico em geral – e dos escritos platônicos em particular – geraram foi o fundamento da teoria da consciência que, por conseguinte, fundamentou sua análise textual e dos eventos históricos. Portanto alguns pressupostos específicos embasam claramente a abordagem e as conclusões de Voegelin acerca dos textos platônicos. Em geral, Voegelin não hesitou em revelar esses pressupostos porque pensou, em primeiro lugar, que a verdadeira atividade científica o requer e, em segundo lugar, que seus pressupostos reforçavam seus argumentos ao demonstrar uma coerência abrangente e, além disto, que seus pressupostos acerca da consciência em particular foram fundamentados pela história da reflexão filosófica. Isto acrescentou outro reforço aos seus argumentos, visto que, como comentado por Voegelin, um teste de veracidade é a falta de originalidade das proposições.[3] Dum exame das obras de Voegelin é possível identificar quatro pressupostos que influenciam a leitura de Platão e referem-se a: (1) a associação entre os eventos sócio-históricos e as percepções filosóficas, (2) a natureza capital da experiência filosófica, (3) a forma adequada de se examinar os símbolos de ordem e (4) o nível de análise sobre o qual deve-se buscar o significado do autor.
A Associação Entre Eventos Sócio-históricos e Percepções Filosóficas
Voegelin iniciou seus estudos históricos e comparativos com uma hipótese acerca da relação entre eventos históricos e idéias ou teorias: os eventos sociais e políticos e as idéias sobre o sentido e o propósito da existência se influenciam mutuamente. Sua hipótese visava esclarecer as relações entre a orientação espiritual do homem – incluindo o ponto inicial da investigação filosófica, sua sensibilidade à busca e à linguagem e imagens pelas quais a busca é empreendida – e suas experiências concretas das realidades social e política. O que Voegelin descobriu foi um padrão geral relativo a descobertas filosóficas, a saber, as percepções filosóficas mais significativas surgem de crises na vida sociopolítica.[4] Essas crises são normalmente caracterizadas pela degeneração de uma forma socialmente dominante de compreender o lugar do homem no mundo – o efeito de tal degeneração é o caos social e moral. A sociedade humana, conforme explicado por Voegelin n’A Nova Ciência da Política., é:
“[…] um pequeno mundo, um cosmion, cujo significado provém do seu próprio interior, através dos seres humanos que continuamente o criam e recriam, com o modo e condição de sua autorrealização. A sociedade é iluminada por um complexo simbolismo… e esse simbolismo a ilumina com um significado na medida em que os símbolos tornem transparentes ao mistério da existência humana a estrutura interna desse pequeno mundo, as relações entre seus membros e grupos de membros, assim como sua existência com o todo.”[5]
Os símbolos tradicionais duma sociedade, por vezes, perdem a habilidade de expressar com autoridade alguma compreensão acerca da ordem da existência e, desse modo, provocam vácuos de sentido que os seres humanos tentam, então, preencher oferecendo novas versões da ordem da existência, competindo, por sua vez, com as perspectivas tradicionais. A competição e as flutuações dos símbolos da sociedade, junto aos impactos dos eventos que contribuem com eles, criam uma confusão espiritual que impregna todos os aspectos da experiência humana.[6]
Nestes tempos confusos, descobriu Voegelin, os seres humanos são confrontados mais intensamente com a tensão da existência: a situação fundamental, experienciada dentro das mais profundas regiões da psyche humana, da existência humana enquanto ocorrência na metaxia – o entremeio duma abrangente disputa entre, de um lado, a atração exercida pela força da ordem cósmica e da completude do Ser e, do outro, a atração exercida pela força da desordem cósmica e do caos do não-Ser. Dado que períodos de turbulência social e política minam a crença acrítica na verdade suprema do ser temporal e imanente, os seres humanos estão especialmente preparados para a descoberta de que a experiência psíquica da penetração das forças cósmicas podem iluminar melhor o seu lugar dentro do todo. Com efeito, Voegelin pensou que a desordem social experienciada por Platão – os ataques dos Sofistas à verdade, a instabilidade política e as ameaças de impérios estrangeiros – pode ter sido um catalisador para as suas percepções diferenciadas dentro da estrutura da existência humana.
O resultado foi que Voegelin concebeu, categoricamente, a filosofia de Platão não como “uma atividade ‘intelectual’ ou ‘cultural’ conduzida num vácuo, sem relação com os problemas da existência humana em sociedade”; em vez disso, argumentou, a filosofia ressuscitou a cidade ao distinguir os novos símbolos que expressam melhor o alcance da experiência humana do que os antigos.[7] Nesta perspectiva, interpretar um texto filosófico depende da descoberta das conexões necessárias entre uma expressão simbólica de ordem e as experiências concretas do filósofo no tempo, tendo em vista que autores filosóficos baseiam-se nessas experiências – num dado regime político, estrutura social ou tradição mítica, por exemplo – como fundamento para o seu desenvolvimento de símbolos mais claros.
Os autores procedem assim porque, primeiro e simplesmente, essas experiências estão-lhes disponíveis e apresentam-se lhes como analogias adequadas às novas experiências que ele deseja articular. Segundo, os esforços do autor de comunicar suas novas percepções a outrem (e, portanto, de restaurar a ordem social) têm maior potencial de sucesso na medida em que seus novos símbolos estão conectados às atividades comuns do dia-a-dia. O intérprete está, portanto, encarregado de contabilizar toda a gama de fatores sociais, políticos e históricos aos quais o autor visava responder. É de grande importância, argüiu Voegelin, que o intérprete examine e avalie as relações entre as várias perspectivas ontológicas implícitas nos símbolos no contexto do autor e em seu texto. Isto indicaria o erro fundamental (ou existencial) que o filósofo busca corrigir em sua obra.
A natureza do coração da experiência filosófica
Outro dos pressupostos voegelianos refere-se à natureza da experiência filosófica. Eric Voegelin postula que o filósofo – o verdadeiro amante da sabedoria – submete-se a uma experiência quasi-mística na qual o caráter genuíno e virtualmente inefável da ordem ontológica torna-se luminoso em sua psyche.[8] Nestes termos, a filosofia não consiste num esforço formal de confecção de argumentos sobre a realidade, mas uma busca para tornar-se harmonicamente sintonizado a realidade, especialmente com seu fundamento divino, voltando-se ao entendimento das experiências da existência metáxica.[9]
Eric Voegelin concebe a atividade filosófica como um processo empírico que principia na sensibilidade ou na consciência de certa variedade de aversões e atrações, mas, em especial, à uma atração em particular, a saber, seu desejo de conhecer melhor as condições de sua existência.[10] Tal desejo, universalmente presente na consciência humana, funciona como um convite à ativação do que jaz implícito na consciência desejante, a saber, a necessidade humana de buscar o conhecimento. O desejo [pelo conhecimento] também indica, para o homem, a existência de algo maior do que ele mesmo e que lhe é atraente, não totalmente estranho [enquanto outro] porquanto as experiências que motivam a busca pela verdade fundamentam-se na psyche transcendente em vez de na sensorial, nas percepções, sendo que suas causas podem ser sentidas, mas não determinadas com precisão; elas [as experiências] geram verdadeiras tomadas de consciência acerca das condições da existência humana, que por sua vez se tornam terreno fértil para a investigação especulativa de suas origens e estruturas, estimulando o aspecto noético das buscas pela compreensão – aspecto da busca [pelo conhecimento] que reconhece a si mesmo enquanto participação do intelecto humano no fundamento transcendente do ser que o ordena e o ilumina. O processo é dito místico por constituir-se simultaneamente pela experiência perceptiva e pelo mistério – a experiência do mistério luminoso da tensão da existência.
Voegelin cria que o filósofo strictu sensu, o amante sincero da sabedoria (ou da realidade), descobre sua orientação erótica[11] foi descrito pelo autor como “realissimum” – a realidade suprema ou mais real – ou fundamento divino do ser. A relação do filósofo como o realissimum é uma relação de “confiança” (pistis) na “unidade que sublinha a realidade, sua coerência, duração, constância de estrutura, ordem e inteligibilidade”, mesmo que o realissimum repouse para além da experiência articulada e não possua um conteúdo substancial per se.[12] A experiência noética do filósofo revela que todo conhecimento origina-se do movimento confiante da psyche humana em direção ao perfilamento do fundamento divino e, ademais, o movimento da psyche, comenta Voegelin, “inspirará a criação de imagens que expressam o todo ordenado sentido na profundeza”[13]. Tais imagens emergem da participação no fundamento divino e permitem ao filósofo refletir acerca de sua experiência mística, penetrá-la mais profundamente e, conseqüentemente, apreender sua fonte (i.e., o próprio fundamento divino do ser) com maior plenitude. Sendo assim, na experiência místico-filosófica, o filósofo não apenas experiencia a realidade auto-evidente do fundamento divino, também descobre que toda a psyche humana participa dele e ordena-se à conformidade com a forma divina e, a partir desta percepção, surge a obrigação do filósofo procurar facilitar não apenas sua própria conformidade [com o fundamento divino] e a de outros homens na medida em que expressa, publicamente através de símbolos e imagens, sua própria experiência. Um verdadeiro filósofo rearticulará um caso pela ordem – o que engloba uma compreensão do propósito e do sentido da existência – tanto contra aqueles que se tornaram insensíveis a ela quanto contra aqueles que procuraram destruí-la. Portanto, os símbolos confeccionados pelos filósofos estão infundidos com a presença do fundamento divino de forma mais “fresca” que os mais antigos, que perderam sua competência em transmitir uma compreensão da ordem do ser, estando mais aptos a evocar experiências similares sobre o mistério luminoso e, assim, iniciar o processo de sintonização com o fundamento [realissimum].
O entendimento voegeliano da experiência filosófica possui conseqüências significativas para a hermenêutica dos textos filosóficos, como veremos. Limitar-me-ei a mencionar apenas duas destas conseqüências: a primeira consiste na identificação de textos verdadeiramente filosóficos; não obstante que todos os textos que encaram o problema do sentido e do propósito da existência informem nossa compreensão da história da filosofia [ex: ao convir à abertura ou enclausuramento da consciência em relação a seu fundamento), somente aqueles textos que representem um verdadeiro esforço existencial para que se entenda a fonte transcendente da ordem podem ser ditos filosóficos num sentido estrito e, desta forma, quando Voegelin identificava um texto filosófico, ele o julgava enquanto expressão da experiência do autor em busca do fundamento divino e, nesta análise, buscava discernir as palavras e as imagens na movimentação da psyche, i.e., experiências de ordem e desordem ali expressas. A segunda conseqüência consiste em que, dada a experiência do fundamento divino ser necessariamente participativa, Voegelin cria que as palavras e as imagens postas num texto filosófico deveriam ser interpretadas como expressões do que é apenas parcialmente cognoscível. Descobrir o significado completo de um texto filosófico exigiria que o intérprete transcendesse o texto de modo a penetrar na experiência do autor visado, em busca do fundamento que move sua consciência. “Não é preciso determinar”, argüiu, “o que a filosofia é falando-se sobre a filosofia discursivamente; ela pode, e deve, ser determinada adentrando no interior do processo especulativo em que o pensador expõe suas experiências da ordem”.[14] A união entre intérprete e autor é facilitada pela recriação imaginativa e meditativa das experiências do segundo pelo primeiro, algo possível desde que o intérprete seja sensível à experiência do aspecto divino enquanto característica da existência na metaxia.
A forma apropriada de se examinar os símbolos da ordem
A partir da filosofia (ou história) da consciência voegeliana emerge um terceiro pressuposto, a saber, a rearticulação de um caso de ordem percebido pelo filósofo comumente envolve avanços na diferenciação noética, termo que, para Voegelin, refere-se ao processo no qual as estruturas da existência humana, cuja consciência havia experimentado de forma compacta, reapresenta-se em novas e distintas formas que indicam uma melhor conformidade com o fundamento divino. O filósofo pode expressar suas percepções diferenciadas ao infundir novos sentidos em antigos símbolos ordenadores, ainda que frequentemente seja forçado a criar novos símbolos – imagens e termos – capazes de transmitir suas intuições acerca da ordem e a existência. Sendo assim, o desafio interpretativo consiste em (1) detectar mudanças no significado das palavras e das imagens, (2) identificar a introdução de novos termos e (3) explicar ambos nos moldes de uma filosofia da consciência sensível à apercepção do autor acerca da existência da metaxia. Encarar tais desafios requer extensas análises lingüísticas e imagéticas – tal qual o perfilamento da história e da evolução dos significados – em busca de uma clarificação de como os símbolos erigidos por um autor indicam sua resposta a usos inadequados, tradicionais ou populares de palavras e imagens.
O princípio metodológico voegeliano que nos orienta durante a análise lingüística e imagética dos textos platônicos consiste em que “não devemos buscar no diálogo informações históricas diretas, mas somente informações sobre a essência das ideias conforme vistas por Platão.”[15] Voegelin não estudou a semântica terminológica do contexto cultural em que Platão viveu para determinar o que o filósofo queria dizer – como se este pudesse apenas querer dizer o mesmo que seus predecessores através de novos termos – mas, por outro lado, [Voegelin] compreendeu que o correto consiste em apreciar o que Platão fizera, i.e., como ele desenvolveu sua terminologia, idéias e imagens; o intérprete deve entender o que a terminologia diz antes de Platão lidar como ela e como ele [Platão] a desenvolveu ao longo de determinados textos de seu corpus. Uma vez que o intérprete descobre o que um filósofo quis dizer através de seus símbolos, ele se torna apto a reconhecer os movimentos da consciência, as diferenciações, ao situar sua terminologia e suas atitudes engendradas no complexo de problemas teóricos prementes em seu tempo.[16] Voegelin observa que:
“Este procedimento se baseia na suposição de que existe um continuum histórico de problemas entre os filósofos místicos da virada do século VI para o século V, …, e Platão, cuja obra está preservada. Com nosso conhecimento dos termini a quo e ad quem dos problemas, será possível derivar linhas prováveis de seu desenvolvimento, e poder-se-á fazer a tentativa de situar os fragmentos em tais linhas.”[17]
O problema capital da filosofia platônica foi, segundo Voegelin, localizar a fonte da percepção concernente à essência do homem e da ordem social. Portanto, Voegelin analisa os símbolos platônicos à luz das atitudes direcionadas à experiência transcendente por eles expressa, contribuindo os resultados de tal hermenêutica, então, para sua teoria da consciência.
A característica distintiva da abordagem voegeliana é evidenciada numa breve reflexão do uso platônico dos termos “physis” e “nomos”. Voegelin critica seus contemporâneos pois, para eles, “a questão Physis-Nomos tornou-se um clichê historiográfico que obscurece um problema diverso.”[18] Transcender o clichê, em busca do alcance histórico e espiritual dos significados ali implícitos, tanto por cada termo quanto por suas relações, permitiu a Voegelin concluir que, na medida em que forma uma tentativa sofística localizar a fonte da verdade na experiência imanente, Platão rejeitou a oposição entre physis e nomos. Voegelin argumenta que “a ideia da physis, da Natureza como uma fonte autônoma da ordem em competição com o Nomos, só pode se formar quando a ideia de um Nomos divino transcendente como fonte da ordem tenha se atrofiado; e isso só pode acontecer num contexto teórico quando o filosofar, no sentido existencial, foi abandonado.”[19] Na ausência de uma análise terminológica, aspectos essenciais da semântica platônica se perdem – aspectos que revelam que a extensão do pensamento de Platão o desqualifica enquanto mero produto de seu tempo.
O nível de análise sobre o qual os Intérpretes devem buscar o sentido visado por um autor
Voegelin cria que a hermenêutica devia ir além do sentido explícito na terminologia, de forma que descobrisse aspectos como atitudes existenciais, experiências referentes ao realissimum, movimentos da consciência espiritual e história e também da psyche. Cada um destes termos expressa uma relação específica, distintas quanto à ênfase em vez do tipo, entre os quais Voegelin refere-se enquanto “substância da psyche” e o fundamento divino. O termo “atitude existencial” destaca a receptividade à tensão da existência, enquanto “consciência histórica” refere-se a uma maneira pela qual a sociedade experimentou seu sentido e propósito. A presença de tais distinções clama por um tratamento distinto do quarto e último pressuposto – onde se se dirá que a boa leitura requer que o intérprete busque as experiências originárias que o autor tenta articular em seus escritos.
Voegelin postulava que, para entender um grande filósofo como o foi Platão, o intérprete deve descobrir o caráter da resposta da psyche [do autor] à realidade buscada por ele mediante ativo sofrimento. Isto é o que Voegelin quis dizer ao clamar que os intérpretes penetrassem nas experiências que geram os símbolos: “Em particular, os símbolos de linguagem do mito, da revelação, da história e especialmente da filosofia”, comenta Michael P. Federici, “têm de ser restaurados à luminosidade – ou seja, religados às experiências históricas que eles tentam transmitir – antes de poder ocorrer uma discussão racional das questões de ordem.”[20]
Parte do processo de restauração dos símbolos à luminosidade consiste em conectá-los às estruturas da metaxia exploradas pelo filósofo através da operação participativa da consciência. O fundamento experimental dos símbolos deve servir de guia à análise hermenêutica de forma que previna seu tratamento enquanto entidades estáticas ou proposições silogísticas: os símbolos filosóficos não são conceitos circunscritos ou proposições que se esgotem em seu próprio significado. Ademais, a hermenêutica deve respeitar a natureza tensional da experiência humana da realidade e, em especial, a duas de suas faces: “A primeira é a tensão da alma entre o tempo e a eternidade; a segunda, a tensão da alma entre os modos de ordem antes e depois do acontecimento ôntico [ou a apreensão da estrutura do ser].”[21] Ao comentar acerca da dificuldade interpretativa de tais formulações, Voegelin diz que:
“Por causa do caráter luminoso da experiência filosófica, a descrição das tensões é inevitavelmente onerada com o problema linguístico de que os sujeitos gramaticais das orações não são substantivos que se referem a objetos no mundo das coisas. Nem os polos das tensões dentro do ser, nem as experiências das tensões ou os modos da ordem do ser são coisas do mundo externo, mas termos de que a filosofia é ao falar sobre a filosofia enquanto exegese noética do acontecimento ôntico interpretando-se a si mesmo. Platão, em cujo filosofar exemplificaremos essas tensões, fez, portanto, uso do simbolismo do mito a fim de articulá-las.”[22]
Portanto, para Voegelin, a verdadeira filosofia engloba uma lacuna entre as articulações simbólicas e as experiências subjacentes. Conforme veremos, o Platãovoegeliano chamou a atenção para esta lacuna ao fazer uso do mito – uma forma simbólica que afasta-se do literalismo usando expressões conscientemente alheias à conformidade à forma proposicional.
Abordagem de Voegelin para Leitura de Platão: Técnicas
Sugeri, anteriormente, que a abordagem interpretativa voegeliana dos diálogos platônicos contém um aspecto dúplice: a de orientar-se pelos pressupostos antepostos e de pôr-se como fundamento da formulação dos mesmos pressupostos. Dada a importância do corpus platonicum para a empreitada filosófica voegeliana, dificuldades manifestam-se, em especial, quando Voegelin trata dos diálogos platônicos, algo perceptível caso tenhamos em vista os princípios hermenêuticos erigidos pelo autor, os quais, contrariamente aos pressupostos tratados no tópico precedente, assemelham-se a técnicas ou guias interpretativas, pontos de partida concretos que estruturam o encontro entre os ricamente e densos escritos platônicos e seu intérprete.
Focarei, aqui, em dois de seus princípios mais importantes e em seus corolários. O primeiro princípio consiste em que uma interpretação adequada dos diálogos [platônicos] principiará numa análise literária da obra. Exporei (1) a compreensão voegeliana acerca do significado da forma dialógica e, então, (2) mencionarei diversos processos interpretativos específicos e associados a tais princípios, como (a) desenvolver um esquema organizacional do diálogos, (b) identificar as variedades de símbolos linguísticos (c) utilizados para que se atenda a uma variedade de interlocutores. O segundo princípio consiste em que os diálogos platônicos devem ser lidos sob a égide do problema da linguagem na metaxia e, assim, suas conseqüências incluem (1) formulações crípticas inteligíveis pela experiência, ainda que paradoxais, e (2) o uso do mito de forma adequada apenas quando expressa processos ou experiências transcendentes – por conseguinte, o meio preferido de Platão para expressar suas percepções superiores. Embora distingamos estes princípios e sub-princípios, deve-se ter em mente que cada um deles relaciona-se à noção voegeliana de que Platão fez uso de símbolos para que transmitisse sua experiência do inefável da vida na metaxia e, ao segui-los, Voegelin esperava respeitar os limites da capacidade simbólica de esclarecer as percepções experiencias do autor interpretado.
O primeiro princípio hermenêutico, referente ao exame literário do diálogo, também nos fornece a primeira dica acerca da substância da filosofia platônica. No começo de seu estudo de Platão em Ordem e História, Voegelin arrisca uma explicação sobre a decisão do filósofo de optar pela forma dialógica, observando que:
“O drama de Sócrates é uma forma simbólica criada por Platão como meio para comunicar, e expandir, a ordem da sabedoria fundada pelo seu herói. Temos, portanto, de abordar a espinhosa questão de por que o diálogo deveria se tornar a forma simbólica da nova ordem. Nenhuma resposta final, porém, pode ser pretendida com referência a uma questão de tal infinita complexidade. Não faremos mais que modestamente listar uma série de pontos que, sob todas as circunstâncias, devem ser levados em consideração.”[23]
Voegelin aponta, em primeiro lugar, que a forma dialógica absorvia o afã da tragédia esquiliana para com a tensão da psyche dividida entre a ordem e as paixões. Em sua análise, Voegelin postula que a decisão de Platão se deu a partir da tomada e consciência de que a tragédia já não podia iluminar a tensão da existência e manifestá-la ao público ateniense. Ao entender a necessidade de preservar a experiência da tensão e do embate em uma nova articulação da ordem, Platão renovou o drama nos diálogos em que Atenas torna-se a força das “paixões” que se opõem a Sócrates, representante da força “ordenadora”. Em segundo lugar, a forma dialógica refletia a concepção platônica do novo mito socrático em que a alma participa, atualmente, de uma competição contra a ordem de uma sociedade fragmentada. A rejeição da ordem da alma por parte da sociedade requer uma articulação que preserve o drama entre as forças conflitantes. Em terceiro lugar, a alternância entre os que dialogam conserva a natureza participativa da busca pela verdade numa forma impossível a um tratado convencional.[24] E, finalmente, em quarto, Voegelin cria que a forma mitopoética do diálogo encaixar-se-ia melhor à expressão das percepções que devem ser antes experimentadas para que sejam conhecidas.[25] Assim postas, as explicações voegelianas acerca da forma dialógica dos escritos platônicos depende da identificação das experiências que motivaram o interpretado a articular um novo caso ordenador que possa, de fato, combater a decadência de seu tempo.
A partir da consideração da forma dialógica, Voegelin desenvolve e delineia um panorama da estrutura dos princípios empregados por Platão para a organização de cada obra. O esquema visado por Voegelin não se tratava de um tabelamento de conteúdo e nem de algo exaustivo, mas algo que [prescinda de divisões tradicionais como a marcação Stephanus e] sirva de ponto de partida para que se avaliem as motivações de Platão, ainda que admitindo de antemão que o desenvolvimento de algo assim eqüivalha a principiar “do meio”. Nestes termos, o panorama é “uma construção cuja validade depende de uma interpretação correta das intenções de Platão. Embora fosse preciso apresentar o esquema como base para a análise subsequente, ele agora se revela o primeiro passo da própria análise.”[26] Assim, Voegelin passou a crer que a estrutura literária dos diálogos foi composta de modo a refletir a estrutura do ser da forma como percebida por Platão.
A construção, por Voegelin, do panorama dos diálogos principiou no exame de suas primeiras palavras e cenas, aquelas que reúnem os “símbolos dominantes” (ou tópicos e temas) reveladores do aspecto da experiência na metaxia que iluminam. No começo do Górgias, o trecho “de uma guerra ou de uma batalha” sinaliza o tópico – a competição entre as forças que rivalizam na alma dos jovens – e dá uma pista quanto à natureza de inquirir desta, manifestada a partir dos esforços socráticos para esclarecer sua consciência acerca da oposição das forças e, assim, tornando-se adversário daqueles que não procuram entender tais temas e, assim, deve preservar uma forma agonista desde que sirva para efetuar uma resposta da parte da psyche do leitor. Voegelin argumenta que o trecho que abre a República introduz os símbolos centrais do diálogo (e.g., as três gerações de interlocutores, a igualdade do Pireu e da justiça etc.), os quais tiveram de ser analisados à luz do primeiro termo do livro (Kateben, “Eu desci”), que transmite o fundamento experiencial da investigação (a atração do polo de desordem da metaxia).
O segundo passo para a construção do esquema dialógico consistiu em descobrir como a disposição de Platão a cenas dramáticas, debates e temas recorrentes revelam várias camadas de sentido interligam-se – i.e., como elas iluminam o entendimento de Platão acerca dos fundamentos ontológicos comuns.[27] Uma vez identificados os símbolos dominantes e o aspecto da existência na metaxia à qual se conectam, Voegelin procurou por trechos dos diálogos que tratassem os símbolos de forma balanceada ou paralela. A descida (Kateben) ao Pireu que serve de cenário à investigação sobre a Justiça na República é contrabalanceada pela subida (epanodos) ao Agathon[28] que ocorre na parte central do diálogo e que ombreia a descida (Kateben) ao Hades na conclusão do Mito de Er. Embora freqüentemente fizesse referência ao “jogo” platônico dos símbolos, Voegelin cria que o uso destes tratamentos paralelos, de pesos e contrapesos e, conseqüentemente, a organização do todo, fosse regido pelo assunto explorado em vez de por simples esmero estético; efetivamente, para além disto, a complexidade da metaxia exigia símbolos que pudessem ser apresentados numa infinidade de perspectivas de forma que preservassem a característica tensional da realidade que buscavam iluminar e, desta forma, o esquema dialógico funcionava como solução platônica do problema da comunicação de experiências que transcendem a capacidade do aparato lingüístico.
O terceiro passo da análise estrutural dos diálogos por Voegelin consistiu em identificar os vários tipos de linguagem simbólica ali empregados. Ele cria que descobrir as intenções de Platão implícitas num símbolo exige a consideração ampla do contexto em que ele sucede e, em especial, o tipo de discurso ou argumento em que ocorre no plano dramático da obra. Platão, ao optar pela alegoria, pela análise conceitual ou pelo mito (tanto em sentido tradicional quanto próprio), visava um tipo específico de experiência que deveria ser comunicada após tentativas de análise. Segundo Voegelin, Platão descobriu quais investigações sobre o fundamento transcendente seriam melhor conduzidas através de alegorias – como no Mito da Caverna na República – pois a forma tradicional do mito corria o risco de associar, indevidamente, o nexo entre a matéria e seu fundamento imaterial, enquanto que a experiência da existência metáxica – a tensão existencial do Ser entre Deus e o Homem– é melhor transmitida por meio do mito e, em particular, mitos de julgamento.
Uma interpretação correta dos diálogos platônicos deve reconhecer as determinações sobre a aptidão de certos recursos lingüísticos adequados para certas investigações, respeitando o modo como tais especificidades regem o sentido e a precisão dos símbolos.
Por fim, Voegelin destaca que uma análise apropriada rege como se avalia o discurso de cada um dos interlocutores[29] que, no caso platônico, foram, em linhas gerais, virtuosos,[30] degenerados ou em vias de tornar-se um ou outro, sendo o critério para tornarem-se o primeiro consistir na disposição para ser persuadido a buscar o fundamento divino. Tais determinações, aponta Voegelin, foram importantes para Platão, pois ele comunica suas percepções filosóficas mais importantes apenas através da boca de Sócrates, do Estrangeiro de Eléia ou do Estrangeiro Ateniense, cujo amor pela sabedoria proibia-os de dissimular ou, por outras vias, ocultar o sentido de seu discurso.[31] Conseqüentemente, as perspectivas expressas pelos interlocutores degenerados foram relegadas ao estado de doxai – opiniões que não poderiam representar verdadeiras alternativas à sabedoria pois originam-se duma alma doente.
Conjuntamente com o princípio de análise das percepções reveladas na estrutura literária dos diálogos, Voegelin argumentou em favor de um segundo princípio interpretativo, a saber, que a inteligibilidade das palavras e imagens de Platão jazem em seu esforço reflexivo com o problema da linguagem na metaxia. Voegelin asseverava a coerência e lucidez dos diálogos: com bastante simplicidade, cria que eles “faziam sentido” e não eram “abstratos”. As investigações do filósofo ateniense refletem seus próprios pressupostos sobre o que é e como surge a filosofia. Assim como a filosofia surge do “existencial”, isto é, de experiências sociais particulares, também os diálogos lidam com problemas particulares percebidos por pessoas particulares. O fundamento experiencial e concreto dos diálogos é, portanto, o nível sobre o qual a sua coerência e a sua inteligibilidade devem ser buscadas; por conseguinte, as passagens dos diálogos que parecem empregar raciocínios defeituosos, omitir questões ou tópicos importantes ou contradizer outras passagens não são motivos válidos para rejeitar o valor teorético da filosofia platônica e, pelo contrário, defendeu Voegelin, essas características refletem a consciência de Platão sobre a incapacidade da linguagem de comunicar toda extensão das experiências do homem – e seus escritos devem ser interpretados como sua solução para resolver esse problema.
Assim, o segundo princípio interpretativo voegeliano responde àqueles que questionariam a inteligibilidade da concretude dos escritos platônicos ao chamar atenção para seu caráter simbólico. Platão, segundo Voegelin, deixou suas palavras e imagens “emergirem da busca amorosa pelo fundamento divino” esperando que revelassem as experiências fundamentais da existência na metaxia que os gerou e, desta forma, os diálogos platônicos não devem ser lidos como se fossem silogismos e a filosofia platônica não pode ser desmerecida ao ter falhas apontadas em seu decurso; segundo Voegelin, ler bem significa não cometer o erro de tratar os símbolos como se fossem conceitos herméticos ou argumentos que expliquem exaustivamente aquilo que apontam. Entender o diálogo requer que o intérprete conecte os símbolos lingüísticos às forças de ordem e desordem experienciadas na existência tanto pessoal quanto sociopolítica. Tais experiências têm uma variedade de aspectos, por exemplo, o que Platão simbolizava como as inclinações do desejo, espirituais e racionais que estão tanto na psyche individual quanto no corpo cívico. O uso que Platão faz dos vários tipos de formas simbólicas, defendia Voegelin, foi um esforço para se trazer maior clareza (não completa) a estas experiências ao investigá-las em diversas perspectivas e por diferentes ângulos.
Isto significa, para Voegelin, que a linguagem (ou forma simbólica) utilizada por Platão em seus diálogos deveria ser reconhecida como apenas parcialmente capaz de revelar suas percepções, algo aplicável tanto às “inquirições cognitivas” de Platão dentro do paradigma da boa pólis (A República 420b-543c) quanto aos seus vários mitos. Voegelin cria que o reconhecimento acerca do problema da linguagem na metaxia abriu as vias pelas quais ele fora capaz de comunicar suas percepções, isto é, se todos os tipos de linguagem (inclusas as formas simbólicas da história, do mito, da filosofia, da ciência, etc.) têm seus limites, têm também suas potencialidades específicas para que esclareçam as características da existência na metaxia. Essas passagens são pontos altos no trabalho de Platão: elas respeitam e concentram a atenção do leitor na participação do homem na realidade transcendente ao separar-se de meios convencionais de argüir e de fazer demonstrações e ao dar ouvidos, novamente, às concepções tradicionais do sagrado e do mistério. Para que se compreendam tais passagens é necessário que sejam interpretadas como esforços para comunicar (e assim evocar) processos essencialmente inefáveis e que transcendem a consciência do indivíduo – tais como a experiência do fundamento misterioso, os outros seres humanos, ou o relacionamento do homem com o cosmos.[32]
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Notas:
[1]VOEGELIN, Eric. Em Busca da Ordem, vol. 5 de Ordem e História. Tradução de Luciana Pudenzi. 1. ed. – São Paulo: Edições Loyola, 2010. Capítulo 1, passim.
[2]Ibid. p. 49
[3]Id. “Equivalências de experiência e simbolização na história”, em Ensaios Publicados: 1966-1985. Tradução de Elpídio Mário Dantas Fonseca – 1 ed. – São Paulo: É Realizações Editora, 2019.
[4]Id. “O ser eterno no tempo”, em Anamnese: Da Teoria da História e da Política. Tradução de Elpídio Mário Dantas Fonseca. – São Paulo: É Realizações, 2009. p. 391.
[5]Id. A Nova Ciência da Política. Trad. de José Viegas Filho. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982. 2° edição. p. 33.
[6]Simbolizações de ordem muito antigas podem tolerar simbolizações de ordem rivais, mas conforme a consciência torna-se mais ciente de seus fundamentos, os seres humanos descobrem que a ordem do ser pode ser representada de outra forma. Voegelin sugere que a tolerância inicial cede mais ou menos durante o século V A.C. Veja O Mundo da Polis, p. 75ss [N.A.]
[7]Id. O Mundo da Polis. Vol. II Ordem e História. Tradução de Luciana Pudenzi. – 2. ed. – São Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 243.
[8] Ibid., p. 291
[9] Metáxica, adj. derivado de Metaxia (Metaxy no original inglês), foi um termo emprestado de Platão por Voegelin, que, conforme explica este, pretendia-se como a parte da existência “do Ser entre Deus e o Homem”. A Metaxia é o terreno onde desdobra-se a Consciência Humana, que evolui constantemente ampliando em ato suas potencialidades, através de suas “experiências em primeira mão (i.e., pessoais)”. É nestas experiências que a Consciência e a História Humana, segundo a explicação de Voegelin sobre Platão, ocorre o “Ser entre Deus e o Homem”, o fundamento divino dessa forma de perceber a realidade. Nota do Revisor.
[10] Voegelin descreveu a “infraestrutura da busca noética” com bastante clareza em “Razão: A Experiência Clássica” in Ensaios Publicados – 1966-1985.
[11] Eric Voegelin entende a filosofia enquanto movimento erótico no sentido de uma espécie de movimento no qual somos arrastados em direção ao bem. Nesse sentido, sua concepção de filosofia é profundamente influenciada pelo tema do amor platônico. Como dito por Giovanni Reale [História da Filosofia Grega e Romana Vol. III: Platão p.222]: “O amor é nostalgia do Absoluto, uma tensão transcendente metaempírico, e uma força que nos impele a retornar ao nosso originário ser-junto-dos-Deuses.” [N.E.]
[12] VOEGELIN, “Equivalências de experiência e simbolização na história”, em Ensaios Publicados – 1966-1985. p.165. Ver também Platão, A República, 511d-e.
[13] Ibid. Voegelin explicou que a “profundeza” poderia ser entendida ao se examinarem as experiências simbolizadas numa proposição como a seguinte: “Nós conscientemente experienciamos a psyche como uma realidade que se estende para a além da consciência. A área «além» é da mesma natureza que a da realidade da consciência. Ademais, ambas as áreas são um contínuo [continuum] da realidade da psyche na qual o homem pode mover-se pelas ações e paixões simbolizadas como declínio e ascensão.” [N.A.]
[14] Id. O Mundo da Polis. p. 244.
[15] Ibid. p. 370.
[16] Ibid. p. 371ss.
[17] Ibid. p. 371-72.
[18] Ibid. p. 384.
[19] Ibid. p. 386.
[20] FEDERICI, Michael P. Eric Voegelin: A Restauração da Ordem. 1. ed. – São Paulo: É Realizações, 2011. p.26
[21] VOEGELIN. “O ser eterno no tempo”, em Anamnese. p. 402.
[22] Ibid.
[23] Id. Platão e Aristóteles, Vol. III Ordem e História. Tradução de Cecília Camargo Bartalotti. 3. ed. – São Paulo: Edições Loyola, 2015. p. 70-71. Ao fim da passagem, Voegelin cita o Platão, de Friedlaender, descrevendo o capítulo “Dialog” como “o estudo mais penetrante sobre a questão.” [N.A.]
[24] Veja em Voegelin to Strauss, 22 April 1951, em Faith and Political Philosophy: The Correspondence Between Leo Strauss and Eric Voegelin, 1934-1964, trans. and ed. Peter Emberly and Barry Cooper. University Park: Pennsylvania State University Press, 1993), 87: “Na medida em que o lugar de Deus como destinatário é tomado por Sócrates-Platão, enquanto condutor do diálogo, a plenitude da expressão do politeísmo ‘teomórfico’ parece ser o motivo último da forma do diálogo; o divino e o humano não estão ainda completamente separados.” [N.A.] [Tradução minha devido à falta de edições das correspondências de Voegelin em português].
[25] VOEGELIN. Platão e Aristóteles. p. 63ss. Veja também: Voegelin to Strauss, 22 April 1951, em Faith and Political Philosophy, 87: “O problema do mito e diálogo platônico tem uma conexão próxima à questão da revelação.” [N.A.] [Tradução minha devido à falta de edições das correspondências de Voegelin em português].
[26] Ibid. p. 111. Sob a luz dessa declaração, delinear a ordem precisa dos passos que Voegelin tomou na construção de seus esquemas torna-se problemático. Nos parágrafos seguintes, minhas referências aos seus “primeiro” e “segundo” passos são para o bem da clareza, eles não implicam uma sequência estrita. [N.A.]
[27] Veja, por exemplo, a discussão de Voegelin sobre seu esquema d’A República em Platão e Aristóteles, p. 107ss. [N.A.]
[28] Agathon é termo utilizado por Voegelin para designar o Bem em si mesmo, em Platão. Veja mais em Dicionário de Terminologia Voegeliana aqui. [N.T.]
[29] Veja VOEGELIN. Platão e Aristóteles, p. [colocar a página]
[30] Entenda-se aqui como: aquele que está em oposição à virtude, que não é virtuoso, um “viciado”. [N.T.]
[31] Voegelin pensou que os personagens virtuosos poderiam apresentar deliberadamente um mito inadequado de forma a iluminar a verdade por meio de seu oposto. Nesses raros exemplos, porém, o personagem certificar-se-ia de indicar a falsidade do mito. No Político, o Estrangeiro emprega seu procedimento em 302b-303c. Veja Platão e Aristóteless, p. [colocar a página] [N.A.]
[32] Veja em VOEGELIN. “Da teoria da consciência”, em Anamnese. p. 81ss