Por Richard Cocks
Tradução e notas de Rodson Matos
Comentários de Helkein Filosofia
Alguns proponentes modernos de causas políticas identitárias, um pouco influenciados pelo Marxismo, muito pelo pós-modernismo, afirmam que o poder é tudo o que importa, não a verdade. O que consideramos como “verdadeiro” é meramente o que o poderoso nos convence a pensar que o é, eles sugerem.[1] Numa era de desinformação, soberanos da tecnologia, captura institucional[2], jornalistas e professores ativistas explicitamente empurrando suas agendas ideológicas, há um certo grau de verdade nesse ponto específico: o que é simplesmente dizer que mentiras podem mascarar-se como verdades; um domínio sobre instituições sociais ajuda a espalhar mentiras. Entretanto, a verdade permanece tão importante quanto sempre foi, uma vez que ela é a forma pela qual as coisas verdadeiramente são, apesar das mentiras e manipulação. A verdade é coextensiva à realidade e esta é imune a pensamentos fantasiosos e à política.
É importante enfatizar que a verdade real não está sob o controle de ninguém; apenas mentiras, distorções e falsidade estão e uma coisa a se notar é que aqueles no poder, a depender da circunstância, podem promover mentiras como se fossem verdades e vice-versa para endossar este fato, como a forma pela qual as coisas realmente são em todas as circunstâncias. O esquerdista pós-moderno pega um fato sociológico, onde regimes e pessoas corruptas mentem, distorcem-no e tentam convencer pessoas de que falsidades são verdadeiras, e, então, converte esse fato sociológico num epistemológico[3], dando a entender que nunca poderemos conhecer a verdade, pois aqueles que estão no poder determinam o que podemos conhecer. Em seus sonhos, talvez. Um sonho de dominação mundial tão absoluta onde todos os seres humanos estão separados da realidade para sempre e dependem do que outras pessoas lhes digam ser verdade.[4] Essa é uma forma grosseira de superestimar o que os humanos podem fazer, pois sempre haverá uma lacuna entre as mentiras patrocinadas pelo Estado e o que as pessoas podem ver por si próprias. Podes tentar dizer a alguém que está tudo bem, mas te fará muito bem se tudo ao teu redor estiver desmoronando. Ao usar uma combinação de censura e propaganda, os esquerdistas na verdade almejam o poder de controlar todo pensamento e comunicação e fazem-no expressamente. O Presidente e os Membros do Congresso são abertos quanto aos seus desejos de controlar estas coisas, até mesmo ao ponto de propor algo como O Ministério da Verdade, do romance 1984.[5] O cinismo acerca da corrupção política, compreensível, é convertido em permissão para mentirem, para participarem da corrupção. Alguns gnósticos fizeram o mesmo. O mundo é um esgoto e esgotos não podem tornar-se mais imundos do que já são, portanto, temos permissão moral para nos envolver em comportamentos imundos. Ao invés de combater mentiras e corrupção, basta fingir que as mentiras são tudo o que temos. Ironicamente eles o fazem tendo uma “verdade superior” em mente e acreditam que seus objetivos políticos são bons, verdadeiros e belos e isso afirmam sabê-lo, sendo que esta verdade superior dá-lhes autorização de mentir para alcançá-los – uma vez que os fins justificam os meios. Um nome para isso é “corrupção de causa nobre”.
O cínico pós-moderno faz uma falsa alegação epistemológica indicando ceticismo epistemológico e niilismo: ninguém sabe nada graças à influência dos poderosos.[6] Isso pode ser combinado às alegações de um pós-modernista, um Jacques Derrida, de que tudo é um “texto” aberto à interpretação. Nessa visão, não há realidade versus texto e, portanto, nada com que se possa comparar o texto. Se há uma realidade objetiva, não temos acesso a ela. É interpretação até o fim.[7] Isso significa que não há maneiras de estabelecer debates por apelo à evidência; logo, o ponto de vista daquele que prevalece será matéria de violência e poder, dado que não há forma legítima de julgar diferentes perspectivas. Dessa forma, o niilismo epistêmico deixa apenas a força bruta.
Essa linha de raciocínio apresenta uma contradição e, logo, é falsa. O pós-modernista afirma saber que o niilismo epistêmico é verdadeiro e que, por isso, todo acordo acerca de como interpretar o mundo como texto pode ser apenas matéria de uma pessoa ou grupo impondo suas vontades sobre outrem. Porém, se o niilismo epistêmico é verdadeiro, ele não pode sequer saber disto e, consequentemente, não podem ter nenhuma justificativa para sua imposição de força. Se nós sabemos que o niilismo epistêmico é verdadeiro, então é, de fato, possível distinguir o real da ficção, o texto da realidade e a verdade das mentiras; dessa forma, ele deve ser incorreto. Aquele que o promove está jogando areia aos olhos das pessoas, acabando com debates, ou diferentes pontos de vista, e não vê motivos para se limitar à razão e à lógica, nem para evitar a contradição. É um psicopata sedento por poder. Razão e lógica podem apenas machucá-lo, então ele as deprecia. Por que se limitar ao que é racional e lógico? Se poder é tudo, então te calarei. É dessa forma que eles decidiram ganhar um debate: não tendo um, em primeiro lugar.
Qualquer um que declare que o poder importa, mas não a verdade, como matéria epistemológica, está se confessando um mentiroso, agressor e que não deve receber confiança. Deslizam de uma falsa asserção acerca da epistemologia para justificar ignorar a verdade sociologicamente. De fato, nenhum professor, político, assistente social, guarda de prisão ou gerente de restaurante deveria ser contratado ou confiado se valoriza o poder acima da verdade. Psicopatas podem viver entre nós, porém eles têm um bom senso para não noticiar esse fato. E, assim como os psicopatas, a pessoa que declara que “o poder importa mais do que a verdade” deveria ser evitada sempre que possível.
Em caso de alguém imaginar se uma falácia do espantalho está a ser feita, leia-se o seguinte: “Cada episteme, para Foucault, é a serva de algum poder ascendente e teve, como sua função principal, a criação de uma ‘verdade’ que serve ao interesse do poder. Assim, não há verdades estabelecidas que não sejam também verdades convenientes”.[8] Epistemologicamente, se fosse verídico que a verdade é apenas o que os poderosos nos fazem pensar que é verdade, então ela nunca seria conhecida. Os poderosos, política e socialmente, colocariam com sucesso uma venda em nossos olhos e far-nos-iam acreditar nas mentiras que contam. O esquerdista pós-moderno está declarando ter acesso a uma verdade que os poderosos não querem que saibamos; logo, esses não são onipotentes. Há uma diferença entre o que podemos saber como verdadeiro e o que nos dizem ser verdade, assim, o esquerdista pós-moderno está errado. Uma vez que as mentiras e propagandas são expostas com referência à verdade, aqueles que participam delas estão em perigo de perder o poder. Se o ideólogo pode conhecer uma verdade não aprovada pelos poderosos então nós também podemos. Na realidade, regimes totalitários são frequentemente derrubados porque não controlam o que as pessoas pensam.
O niilista epistêmico afirma saber que não há verdade objetiva enquanto matéria de verdade objetiva. O cínico pós-moderno está apenas fingindo ser um cético epistemológico pois assim tem liberdade de mentir e fazer propaganda. E ele o faz devido a sua corrupção de causa nobre; sua “verdade superior” permite-lhe mentiras baixas. Baseia isso fundamentalmente em sua avaliação sociológica, a saber: que o capitalismo e a democracia são muito imperfeitos, e de fato o são. A questão então é: com o que os substituir? Num livro chamado The Strange Death of Marxism [A Estranha Morte do Marxismo], Paul Gottfried nota que o marxismo foi amplamente substituído por políticas identitárias. O marxismo dividiu o mundo em opressores e oprimidos, a burguesia e o proletariado, os donos dos meios de produção (fábricas) e os operários. No século XX, os acadêmicos de classe média que promoviam o marxismo ficaram cada vez mais frustrados e desiludidos com a rejeição da classe trabalhadora pelo comunismo. Os partidos políticos que costumavam ser devotos das causas operárias abandonaram-nas. Considerando que os políticos do Partido dos Trabalhadores na Inglaterra já tiveram muitos sindicalistas da classe operária e afins agora, frequentemente, seus filiados são de família nobre, graduados em escolas de elite e em universidades sem nenhuma simpatia ou conexão com os trabalhadores pobres. Na verdade, eles os odeiam e os menosprezam por ignorantes, retrógrados e iletrados. O mesmo pode ser dito dos Democratas Americanos e das elites em geral. Em ambas as partes, políticas identitárias substituíram a preocupação pelos pobres de todos os tipos e, em termos de suporte político, funcionou muito melhor para os políticos. O amor, quando frustrado, pode tornar-se seu oposto, o ódio. O aliciamento fracassado dos proletários gerou a fúria dos desprezados, assim, descobriu-se um novo grupo de vítimas mais suscetível às propostas dos salvadores sugeridas pela classe média. O que resultou numa situação bizarra onde os poderosos, que deveriam ser os “opressores”, são na verdade acolhidos (tais como os soberanos da tecnologia) e os impotentes e miseráveis (a classe trabalhadora e inferiores como um todo) são vilificados como inimigos do progresso e contrarrevolucionários. Há o pretexto de que a classe operária, lamentando a perda de seus empregos industriais no exterior, é de alguma forma aquela que oprime a todos com a sua “supremacia branca”.
Uma possível motivação para as elites de vários tipos abraçarem políticas identitárias – como o não eleito Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça – é ter-nos lutando uns contra os outros em vez de questioná-los e questionar sua influência. É simplesmente um fato que o faminto de poder, inescrupuloso e moderadamente esperto perceberá, e percebe, uma forma de jogar qualquer sistema: tanto comunismo quanto capitalismo ou políticas identitárias. As mesmas pessoas estavam no topo e na base da sociedade húngara tanto sob o comunismo como sob o capitalismo, exceto uma fina camada de funcionários do partido no mais alto nível.
Conforme mencionado, um proeminente defensor da redução de tudo ao poder foi Michel Foucault. Hospitais, escolas, manicômios e prisões, ele as considerava como instâncias de poder e um poder guiado pela vigilância. Foucault nunca foi claro quanto ao significado que atribuía ao poder, mas admitiu numa entrevista que “o poder é co-extensivo ao corpo social”.[9] Qualquer ordem aplicará poder para sua manutenção, mas não necessariamente para o benefício oculto de uma pessoa ou grupo. Hospitais embarcam hierarquias e estruturas de poder, porém, o desejo de curar o doente não é uma forma de exercer domínio sobre os pacientes. Foucault escreveu: “Acredito que qualquer coisa pode ser deduzida do fenômeno geral de dominação da classe burguesa”.[10] Ou ao invés disso, ele poderia deduzir a dominação burguesa a partir de qualquer fenômeno. Foucault detestava tanto a imaginária “dominação burguesa” ao ponto de recomendar que, após a revolução marxista, qualquer coisa associada ao aparato judicial e penal deveria ser eliminada. Ele escreveu em apoio aos Tribunais Revolucionários da Revolução Francesa que abandonaram o processo devido (correto). Juiz, testemunha e advogado de acusação foram combinados numa só pessoa – os “representantes da missão” – que carregava sua própria guilhotina particular consigo. O acusado não tinha direito a resposta, assim, milhares de execuções foram efetuadas dessa maneira; combinado a outras atrocidades durante a Revolução, houve um frenesi de violência. A idéia de que essa “rebelião contra o judiciário” representa algum tipo de progresso é uma farsa. O The Moscow Show Trials[11] foi similarmente péssimo, pois a “justiça proletária” elimina qualquer defesa do acusado.[12] Em seu desprezo pela dominação burguesa, ele (Foucault) advoga um poder ainda mais descontrolado. A regra da lei, de fato, envolve exercícios de poder, mas o ponto é que inclui salvaguardas: evidências que favoreçam o defensor, o direito de encarar e responder ao seu acusador, ouvir exatamente quais são as acusações feitas contra si, a aplicação igual a todos, pelo menos como um ideal, e a inocência presumida. A regra da lei é o oposto da tirania ditatorial arbitrária.
O poder é de fato um elemento de muitas interações humanas. Pais têm poder sobre seus filhos, chefes sobre os empregados, professores sobre os estudantes, diretores sobre os professores, conselho escolar sobre os diretores, grupos de pais-professores sobre o conselho escolar e assim por diante, mas não é verdade que as diferenças de poder são os aspectos mais importantes, ou relevantes, desses relacionamentos. A dinâmica primordial entre pais e filhos, por exemplo, deveria ser o amor. Professores deveriam estar, sobretudo, focados em ensinar e consequentemente cuidar de seus alunos e preocupar-se com eles. A disciplina em sala de aula necessária para se ensinar aos alunos deveria ser um elemento implícito, trazendo-o à tona quando preciso. Até relacionamentos românticos têm aspectos de diferenças de poder dentro deles, que não devem ser abusados ou excedidos. É somente quando algo vai extremamente mal que o poder deve se tornar visível.
A perspectiva de Foucault é fundamentalmente paranóica: a sociedade burguesa é uma conspiração e nada é o que parece. A ironia é que os desertores da verdade e os famintos por poder como ele criaram condições onde a paranóia é justificada. Veja-se o crescimento nos departamentos de RH como polícia da moralidade pronta para cortar os funcionários de seus empregos.[13] Em Madness and Civilization, Foucault declara que diagnosticar alguém como doente mental grave e colocá-lo num manicômio é meramente um exercício de poder. O sadio demoniza o insano, rotula-o, tranca-o e o vigia. Enquanto isso, a doença mental é um problema muito real que frequentemente tem uma base biológica. Em Vigiar e Punir, Foucault também vê as prisões como exercício de poder. Quanto mais moderada é a prisão, tanto mais insidiosa é, o prisioneiro pode até se reformar, “Deus nos livre”. Prisões são coercitivas sem motivos legítimos, ele pensa, até elogia o crime como evidência de um espírito humano irrepreensível, uma recusa a se conformar. As vítimas de crimes violentos e contra a propriedade implorarão para discordar. Os criminosos predam os membros de sua própria comunidade matando-os, estuprando-os, agredindo-os e os roubando, reduzindo a qualidade de vida daqueles que, por conseguinte, vivem com medo. Longe de ser uma “irrepreensibilidade” divertida, é um tumor antissocial maligno. Se Foucault já não estivesse morto, seria apropriado trancá-lo com alguém violentamente e criminalmente insano para ver se ele gostaria desse exemplar de um espírito humano não-reprimido. Tais atitudes podem ser descritas como “crenças luxuriosas”, cujas consequências seus fornecedores nunca terão de encarar. Foucault não morava numa vizinhança dominada pelo crime onde a polícia e as prisões eram as únicas formas de proteção.
O psicólogo evolucionista Edward Dutton aponta estudos que visualizam os perfis de pessoas de extrema-esquerda, como Foucault, particularmente daqueles favoráveis às políticas de redistribuição.[14] Eles tendem a ser mais inteligentes que os conservadores, enquanto estes, a ser mais pró-sociais, agradáveis e menos neuróticos; o esquerdista é em média mais provável de ser antissocial e, consequentemente, ser mais individualista enquanto é muito neurótico. A neurose, como um dos cinco maiores traços da personalidade, é a tendência de sentir emoções negativas de todos os tipos, especialmente com grande intensidade, o que inclui raiva, inveja, ressentimento, ciúme, tristeza, medo e assim por diante. Para alguém muito neurótico, o mundo é assustador, emocionalmente opressivo e abertamente um mau lugar. Tal pessoa tende a ser insegura e incerta de suas habilidades; um neurótico muito autoconfiante seria uma contradição. Uma resposta plausível para experienciar o mundo dessa maneira e sentir-se incapaz de competir aberta e diretamente com outros, porque duvida de suas próprias habilidades e suspeita-se que sempre perderá, é perseguir o poder usando meios ocultos em ordem a se tentar controlar toda aquela negatividade; essa é uma tática muito mais feminina. Ser menor e mais fraco, passivo-agressivo e indireto são rotas mais seguras, e uma forma de fazê-lo é por sinalização de virtude: transmitir a ideia de que se é mais atencioso, compassivo e honesto do que as outras pessoas e, assim, é-se narcisisticamente superior a todos. Os puritanos americanos também foram sinalizadores de virtude e competiram por prestígio dessa maneira: eles se consideravam mais morais que os outros cristãos. A verdadeira classe superior não precisa competir sobre essas linhas, pois já é elevada, e a classe trabalhadora não se volta a esses jogos por ter seus próprios problemas e por não serem tão bons em navegar nesses jogos de palavras sociais. Alguém pode se esforçar para alcançar uma superioridade moral, para declarar ser o defensor de algum grupo que se considera oprimido – um exogrupo. Podem-se tentar destruir competidores na busca por prestígio ao afirmar que esses estão imoral e insuficientemente preocupados com os membros do exogrupo. Então, uma luta pelo poder surge entre liberais, com cada um aumentando o nível e tentando provar ser mais sociável e compassivo do que o seu vizinho. Se for bem sucedido, o esquerdista pode presumir ser promovido e ganhar empregos para fiscalizar a diversidade, igualdade e inclusão, por exemplo, muitos dos quais pagam extremamente bem: o salário médio para um funcionário chefe de diversidade em Nova Iorque é de US$185.000 onde o mais bem pago supera os US$350.000. Para o menos bem sucedido, ser admitido num departamento de recursos humanos também é remunerador.
Por ser mais esperto do que a média, o liberal[15] pode acompanhar as regras em constante mudança e sabe ter as atitudes que são de seu interesse. Ele é mais capaz de fazer uma lavagem cerebral em si próprio para acreditar no que é de seu interesse acreditar. A questão é: podes acreditar em algo se te oferecem um salário de seis dígitos para acreditá-lo? Sim, podes, ou se morre tentando! Mais biológica e essencialmente: desejas ser ostracizado por falhares em te conformar? Estarás então no exogrupo, mas não no tipo bom. Historicamente, pessoas num exogrupo não são consideradas como seres humanos de verdade, com valor humano real; elas simplesmente “não são uma de nós”. De fato, eram consideradas como demônios, agentes do caos, inimigas do estado que precisam ser erradicadas.
Pessoas altamente neuróticas e antissociais podem, então, tornar-se fissuradas na obtenção de poder para tentar fazer do mundo a sua volta um lugar mais suportável.[16] Ao noticiar sua suposta posição moral superior, elas podem competir com outrem em seu entorno por prestígio social e empregos. Não há pontos negativos a essa competitiva sinalização de virtude; o exogrupo é usado metaforicamente para bater na cabeça dos outros membros do seu endogrupo. É, no entanto, imoral usar o sofrimento alheio para promover suas perspectivas de trabalho e posição social. O exogrupo é apenas uma ferramenta, que muito provavelmente não será ajudado de qualquer forma.
Mas, porque os neuróticos são inseguros, nunca sentirão que estão no poder, mesmo que estejam. Por que o mundo seria um lugar tão ameaçador, assustador e INJUSTO, se ele é na realidade o braço direito do potentado? Assim, permanecem convictos de que são impotentes e estão numa posição inferior. O mundo não para, por certo, de ser um lugar apavorante e intimidante ao neurótico uma vez que o poder é obtido, a mera existência de um ponto de vista diferente em algum lugar faz com que se sintam numa posição ameaçada e que precisam esforçar-se mais, continuar lutando, para ser dominante e erradicar a oposição. Eles podem ser comparados aos monopolistas que se afligem por pensar que perderão tudo a qualquer momento uma vez que para baixo é a única direção possível.
Michel Foucault seria um perfeito exemplo dessa dinâmica. Ele demonstra preocupação moral pelos mentalmente doentes e criminosos, ambos tendem a ser desprezados. Os dois exogrupos são-lhe relativos dado que ele não era nem insano nem um prisioneiro e podia propagandear sua superioridade moral aos membros de seu endogrupo ao tomar o partido desses grupos e usá-los para promover sua carreira – com muito sucesso, como se pôde notar. Conforme alguém supostamente muito neurótico e que definitivamente está propenso a ver o mundo como algo horrível, injusto e desleal, Foucault tornou-se obcecado pelo poder. Nós seres humanos estamos sujeitos a exagerar a partir de nossas próprias experiências a outras pessoas, dessa forma, ele imagina incorretamente que o resto de nós está obcecado pelo poder feito ele e que o poder é a característica mais proeminente das relações humanas. Era-lhe tão-somente a coisa mais importante; a projeção pode muito bem entrar nessa. Ser um conspirador maquiavélico e sedento por poder não é atraente, assim, acusar os outros disso em vez de si mesmo é uma forma de desviar atenção e pôr a culpa sobre outra pessoa, ou, pelo menos, difundir a culpa sobre todos, logo, não fará sentido criticarem-no em particular.
Sobre o tema onde o mau deseja poder, no Górgias, Platão faz um personagem, Pólo, declarar que o maior bem de todos para um homem é ser um tirano. Um tirano pode fazer o que quiser e quando quiser[17], se vê algo interessante, pode simplesmente roubá-lo para si e a vítima será incapaz de impedi-lo, Se detesta alguém, pode tê-lo banido ou executado. Sócrates diz que ele próprio também pode fazer o que quiser; pode esconder uma adaga sob sua capa e esfaquear alguém na Ágora (o lugar onde as pessoas iam para socializar). Pólo, entretanto, aponta que aquilo não seria algo bom dado que Sócrates seria pego e executado como um assassino. Este responde, parafraseando-o: “Bom. É assim que deveria ser”. Pólo não consegue acreditar no que ouviu e replica com escárnio que um tirano tem mais poder porque se safa de seus crimes impunemente. Sócrates comenta que isso é uma coisa ruim, pois o poder é a pior coisa que uma pessoa má pode ter porque o torna ainda mais mau. É bom, correto e justo que aqueles que fazem o mal devam ser punidos; é bom para eles; eles recebem o que merecem e todos nós deveríamos receber aquilo que merecemos. É possível que a punição possa até fazê-lo mudar as suas atitudes, a melhorar e a ajudá-lo a se tornar uma boa pessoa, o que seria ótimo. Se for executado então preveni-lo-ia de cometer mais maldades, algo igualmente bom, também é benéfico para sociedade proteger-se de inescrupulosos que buscam fazer mal aos outros.
Uma pessoa boa não precisa de poder para sê-lo, pode ser boa por si próprio. Somente uma pessoa má necessita de poder, em ordem a escapar das consequências e retaliações dos seus atos, o que, porém, seria algo ruim de qualquer forma.
O poder interessa, a verdade não, sociologicamente; onde um regime tirânico pode fazer o que bem deseja, dane-se a verdade. De fato, ela ainda importa moralmente, filosoficamente, epistemologicamente, espiritualmente ou de qualquer outra forma. O ditador da Coreia do Norte faz o melhor que pode para suprimir a verdade. De acordo com refugiados que escaparam, os norte-coreanos são privados das informações mais básicas acerca do resto do mundo e são alimentados com desinformação. O ditador se importa com a verdade; ele sabe que é perigosa para ele por conta de sua posição imoral. Ela ainda importa nesse contexto, apenas torna-se impotente enquanto o ditador permanece no poder. Impotente, mas potencialmente perigosa.
O problema com a mentira é que ela reduz a confiança social, necessária para o bom funcionamento da sociedade. E uma vez perdida em razão de mentiras crônicas, quando se é extremamente importante que o governo e a mídia sejam confiados, as pessoas não confiarão mais nelas porque essas fontes de informação já se demonstraram desonestas. Quando se trata de testemunho, a verdade se afirma com base em tua palavra de honra, o único motivo que alguém tem para crer em ti é que tenhas lhe provado ser de bom caráter. Infelizmente muitos jornalistas e até professores se declararam ativistas, não repórteres honestos das notícias, nem acadêmicos. O público precisa de repórteres que aludam aos fatos, para que esses possam ser avaliados; as pessoas precisam de acadêmicos pela mesma razão. Visto que os professores e jornalistas abandonaram suas missões, eles precisam ser afastados para que alguém possa realizar suas tarefas. Se isso não acontece, e torna-se impossível receber informação não enviesada, a perda de confiança social resultante pode quebrar uma sociedade em pedaços e preveni-la de unir-se em objetivos comuns.
Sem a verdade, não existe tal coisa como estar errado ou sequer existe a mentira. Claramente ambos existem e com frequência as pessoas estão erradas ou também mentem. A essa altura, uma das formas mais comuns de mentir envolve a mentira pela omissão: deixar de lado aquilo que é visivelmente relevante e importante para avaliar o que é verdadeiro.
É verdade, em certa medida, que a “história é contada do ponto de vista dos vencedores”. Mas, em ordem a se conhecer isto, há de haver uma perspectiva não tão determinada assim. A declaração está apoiada na habilidade de se colocar para fora daquilo que os “vencedores” querem nos fazer pensar e descobrir dos fatos concretos. Tem de haver um contraste entre o que nos foi dito e o que realmente aconteceu, precisamos de acesso a verdades objetivas para fazermos essa declaração. “Controlar a narrativa” pode apenas ser parcial, do contrário, não haveria tal conceito de “controle da narrativa”. Haveria apenas mentiras disfarçadas de verdade objetiva e ninguém seria capaz de notar a diferença.
Regimes corruptos temem a verdade porque esta revela suas mentiras e manipulações, eles podem tentar se proteger ao dizer que o poder é tudo e a verdade, nada. Nessa situação, não há poder legítimo baseado na verdade e nos fatos – apenas uma pessoa impondo suas idéias sobre outrem –, daí o niilismo epistêmico cria uma guerra de todos contra todos. A totalidade do poder serve a um propósito maquiavélico: alcançá-lo e prevenir qualquer um de desafiar seu poder baseado em mentiras. Por ser altamente neurótico, o “militante” está suscetível a pensar que o poder é tudo o que importa; eles o querem para si de forma a amansar uma realidade rebelde que enxergam como ameaçadora, má, desigual e injusta. Imaginam que sua obsessão é nossa obsessão.
Por não perceber que o ponto de vista do militante – política identitária – é compartilhado por todas as grandes instituições americanas, o niilista epistêmico se permite dizer que pode ser necessário mentir e planejar tomar uma ordem corrupta. Na realidade, não está no negócio de alcançar o poder, mas mantê-lo.
Ele, e outros semelhantes, tem o poder mas imagina que é a classe trabalhadora a rejeitar suas opiniões – de alguma forma ainda são algo com o que se preocupar, mas não são. São as elites em qualquer sociedade que governam, nunca a maioria. Tal qual um neurótico, ele está preenchido de medo e nunca convencido de estar no poder. Assim pode justificar suas constantes mentiras, manipulações, omissões, deturpações, propagandas, repressões e censuras; ao alegar estar lutando contra a corrupção, o niilista epistêmico não percebe ser ele parte da tirania perversa. Ele pode defender suas ações ao dizer que mentiras são legítimas em circunstâncias onde se está lutando contra os poderosos e rejeitar todas as críticas de sua posição por negar peremptoriamente a existência de uma verdade objetiva – assim seus detratores não têm credibilidade. O fato de que isso é um punhado de besteiras sem sentido envolvendo múltiplas contradições não o incomoda, pois tudo se reduz ao exercício de poder e ponto. Realpolitik über alles.[18] Seus oponentes impotentes continuarão a discutir e a jogar em vão pelas regras da razão e da lógica.
O neurótico obcecado por poder admira isto e o quer, não gosta daqueles que não o possuem. Ele usa o débil exogrupo apenas para atacar seu próprio endogrupo. Também não gosta de seu próprio grupo uma vez que é antissocial e individualista, embora mais do que exogrupos sem poder. Ele não se associa com os exogrupos, nem se relaciona, nem mora na mesma vizinhança. Muda sua maneira de falar e escrever quando conversa com membros desse grupo e o faz com desdém, ao contrário dos conservadores.
Lembre-se da idéia de Platão: o poder do tirano, ao contrário do poder dos pais, professores, funcionários, médicos, enfermeiros, guardas de prisão, ou juízes, é necessário somente para o mau. Um poder baseado na verdade e na razão não tem motivos para dizer que ele é tudo o que importa. E por sabermos que “o poder é tudo e a verdade, nada”, é que deves conhecê-la.
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Bibliografia citada e/ou recomendada:
- Andrew Lobaczewski — Ponerologia: Psicopatas no Poder
- Bertrand de Jouvenel — O Poder
- Elisabeth Noelle-Neumann — A Espiral do Silêncio
- E. Michael Jones — Modernos degenerados
- Gerd Koenen — Utopia do Expurgo
- James H. Billington — A Fé Revolucionária
- Louis Althusser — Aparatos Ideológicos do Estado
- Lyle H. Rossiter — A Mente Esquerdista
- Michel Foucault — Madness and Civilization
- Michel Foucault — Vigiar e Punir
- Nelson Lehmann da Silva — A Religião Civil do Estado Moderno
- Paul Gottfried — The Strange Death of Marxism
- Peter L. Berger — Perspectivas Sociológicas
- Peter L. Berger — Construção social da realidade: Tratado de sociologia do conhecimento
- Peter L. Berger — Modernidade, pluralismo e crise de sentido: A orientação do homem moderno
- Platão — A República
- Platão — Górgias
- Roger Scruton — Pensadores da Nova Esquerda
- Vladimir Tismeanu — Do Comunismo
- Vladimir Tismeanu — O Diabo na História
Notas:
[1] Esta é, com poucas alterações, a tese acerca da justiça exposta por Trasímaco no livro I da República de Platão. [N.E.]
[2] Uma forma de corrupção que ocorre quando uma entidade política, legisladores, ou agências de regulação são cooptados aos interesses comerciais, ideológicos ou políticos de uma minoria eleitoral, de um grupo. Quando isso acontece, um interesse em especial é priorizado acima dos interesses gerais da população e acaba por levar a uma perda na sociedade. Por exemplo, a permissão, pela FDA (agência de regulação farmacêutica e alimentícia dos EUA), do uso de aditivos químicos perigosos na indústria alimentícia para favorecer os interesses econômicos dessa indústria. [N.T.]
[3] Esta é, de certa forma, a estrutura corruptora do Local de Fala, digo, a conversão do dado sociológico que as teses advém de um lugar na tese epistemológica que o entendimento dos dados só pode ser feito a partir daquele lugar. [N.E.]
[4] Forma de argumentum ad crumenam mas voltado a política. [N.E.]
[5] A recente onda de fact checking é um bom caso de aparato ideológico no qual o estado utiliza veículos de imprensa como testa de ferro para que digam que é verdade aquilo que ele deseja que o seja. Podemos conferir algo do gênero nas descrições do livro Aparatos Ideológicos do Estado, de Louis Althusser. [N.E.]
[6] O erro consiste numa unilateralidade que não se verifica na realidade. Como fundamento do erro podemos citar dois casos: a) a corrupção do homem pela sociedade no mito rousseuniano; b) a excessiva determinação do homem pela superestrutura no pensamento marxiano. [N.E.]
[7] Espécie de esquizofrenia derivada do nominalismo. [N.E.]
[8] SCRUTON, Roger. Pensadores da Nova Esquerda; tradução Felipe Garrafiel Pimentel. – 1. ed. – São Paulo: É Realizações, 2014. p. 60 [fonte adaptada para a versão brasileira]
[9] FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings, 1972-1977, ed. Colin Gordon, Brighton, 1980. p. 102. Como não contamos com a obra no mercado editorial brasileiro, decidi então manter a citação original e fazer uma tradução própria [N.T.].
[10] SCRUTON, Roger. Pensadores da Nova Esquerda; tradução Felipe Garrafiel Pimentel.- 1. ed. – São Paulo: É Realizações, 2014. p. 71
[11] O The Moscow Show Trials, ou Moscow Trials, foi uma série de pseudo-julgamentos (ou julgamentos-espetáculo) realizados na União Soviética sob o jugo de Joseph Stalin. Foram dirigidos contra os trotskistas, considerados a “oposição de direita” do Partido Comunista. Um julgamento-espetáculo é um julgamento público onde a sentença já foi determinada antes de vir a acontecer, com a intenção de apresentar a acusação e o veredito para servir tanto de exemplo impressionista quanto de aviso contra dissidentes e transgressores. [N.T.]
[12] É possível conferir por menores da história dos julgamentos na Utopia do Expurgo de Gerd Koenen. [N.E.]
[13] Fenômeno do “cancelamento”. [N.E.]
[14] O Livro A Mente Esquerdista pode ser uma boa alternativa disponível em português. [N.E.]
[15] Liberal, para os estadunidenses, tende a significar o mesmo que “esquerdista” significa para nós. [N.E.]
[16] Tema do livro Ponerologia: Psicopatas no Poder. [N.E.]
[17] Boécio aponta que de fato os tiranos precisam proteger-se constantemente daqueles que querem assassiná-lo e, portanto, são menos livres do que os plebeus. Além disso, quanto mais se é próximo de um tirano, mais poder se tem em potencial. Dessa forma, amigos e familiares e especialmente conselheiros tornam-se substitutos lógicos ao tirano e, consequentemente, uma ameaça a sua segurança física. Tiranos na realidade perdem a pouca liberdade que já tiveram. Um presidente pode apenas sonhar em caminhar pela rua, ir às compras, ver um filme, ou comer fora, sem antes consultar o serviço secreto. [N.A.]
[18] “Realpolitik acima de tudo”. Realpolitik é um termo usado para designar o envolvimento na política baseando-se antes de tudo em considerações sobre circunstâncias e fatores, ao invés de se associar a alguma ideologia. No entanto, o autor utiliza-se de um significado menos comum e pejorativo, ao apontar as políticas do niilista epistêmico como coercitivas, amorais, ou maquiavélicas. [N.T.]
Artigo gentilmente concedido por Voegelinview.com. Original aqui.
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