Outrotanto não sucede com o que aplica o seu espírito à lei do Altíssimo e nela medita. Investiga a sabedoria de todos os antigos, e dedica-se ao estudo dos profetas. Conserva no seu coração as narrações dos homens célebres, e penetra também nas subtilezas das parábolas.
1. Desistência e Assistência
Por vezes é dito que o único estudante é o autodidata. Ditado controverso, mas um pouco menos quando compreendido nos termos de Pierluigi Piazzi: a função do professor é fazer o aluno entender a matéria, mas apenas o discente pode executar o aprendizado. O raciocínio é o seguinte: durante as aulas, o aluno “ouve” e “vê”, mas não “faz”; os primeiros dois conceitos, associados ao entendimento, referem-se à apreensão de significados, etc.; o último, refere-se ao ato onde o discente forma novas redes neurais mediante exercícios (resolver problemas, utilizar o aprendido n´algo, etc.).[1] Num exemplo simples, o entendimento é ler a partitura: o aprendizado, sua execução num instrumento.
Pode-se, claro, criticar tais concepções, cujo conteúdo transforma todo aluno em autodidata. Por outro lado, a presença do autodidatismo é bem verificável na vida dos estudantes, tendo sua inserção via interesse de ócio ou obrigações acadêmicas; no primeiro caso nos referimos à vontade de aprender algo novo, para prazer próprio, e no segundo à, por exemplo, necessidade de passar num concurso. Pode haver, ainda, um autodidatismo forçado devido à falta de um ou mais professores para auxiliarem o estudante em algum tema; esta é a situação, v.g., do estudante de ensino médio carente de docentes (ou de instrutores qualificados); neste caso, os meios oficiais tenderam à insuficiência.
Isto pode ser ilustrado num exemplo pessoal. Certa feita topei com um sujeito que, acreditando poder aprender todo o necessário à vida em livros didáticos – inferindo do termo “didático” a qualidade de continente de toda informação grave –, sumiu por algumas semanas e, após esse período, entrou em contato para lamentar o fracasso de seu projeto; me pergunto se o homem utilizou algum daqueles livretos escolares cuja informação mais crível fora a do “fim do petróleo em 2009”. Seria injusto omitir a coragem de fulano; seus passos ultrapassam os possíveis a muitos quando vislumbram a insuficiência do material básico.
Intento, aqui, aconselhar o descrente de que a solução de seu problema estudantil advenha de sua provável causa, e aqui me refiro a pelo menos duas: a) o tão criticado ensino brasileiro e b) nós mesmos. Isto deve ser destacado, pois mesmo concedendo parte de nossas misérias a um ensino caduco, não podemos nos esquecer de que, por vezes, a culpa é nossa; nem todo aluno foi um santo sedento por aprendizado. O material comentado e recomendado servirá, portanto, para os cientes de suas insuficiências em alguma ou ambas as categorias. Comecemos pelo tópico dedicado ao desejoso de aprender a aprender: livros de estudo.
2. A idéia de livros de estudo.
Nos animais, essa ignorância de si mesmos é inerente à sua natureza; no homem, é uma degradação.
Livros sobre estudos, em especial aqueles voltados ao ensino da leitura, carregam um propósito paradoxal: ensinar a ler (ou estudar) pessoas que precisam lê-los (ou estudá-los) para aprender a ler (ou estudar). Numa compreensão rústica, estaríamos na mesma situação do linguista analfabeto em grego procurando decifrar o idioma numa gramática de caracteres desconhecidos, e bastaria tal constatação para um estudante desesperançoso perder as forças e, buscando legislar em causa própria, murmurar: “a ignorância é uma bênção! Já dizia o Eclesiastes: quem aumenta a ciência aumenta a dor! (Ecl.1:18)”. Devemos lembrar, no entanto, que, para além da citação descontextualizada – pois o Eclesiastes trata de uma forma específica de sabedoria, a terrena –, Platão classifica a ignorância como doença da alma. [2] Ademais, há pecado na ignorância voluntária:
[…] a negligência, pela qual a ignorância é pecado, entra na definição de pecado, porque significa que se omite dizer ou fazer ou desejar o que seria preciso para adquirir a ciência que se deveria ter […] deve-se dizer que no pecado de transgressão o pecado não consiste só no ato da vontade, mas também no ato querido, imperado pela vontade. Do mesmo modo, para o pecado de omissão não é somente o ato da vontade que é pecado, mas é também a própria omissão, enquanto de certo modo é voluntária.
O estudante um pouco mais persistente notará a seguinte resolução do paradoxo: a forma de leitura/estudo proposta no livro visa, antes, a organização e aperfeiçoamento dos rudimentos já possuídos pelo leitor do que um aprendizado do zero. Aqui nos unimos a Piazzi e afirmamos: se aprende fazendo, assim como aprendemos a tocar violão, tocando, a cantar, cantando, dirigir, dirigindo e a estudar e ler… estudando e lendo.[4] Mas surge uma dificuldade: encontrar um padrão de compreensibilidade adequado ao estudante de raciocínio lento e equipado apenas com alguma alfabetização e força de vontade, digo, ser o mais acessível possível – unindo clareza e concisão à graduação da complexidade temática visando elevar o estudante em vez de mantê-lo no estado anterior à leitura. Neste ponto, livros grandes demais assustam e um vocabulário carregado prejudica a inteligibilidade.
Vários autores lidaram com este problema escrevendo livros de variados tamanhos e densidades. Utilizarei, neste ensaio introdutório, o Como Estudar e Como Aprender, de Emilio Mira y López, como exemplo de tentativa bem-sucedida. Logo em seguida, trataremos de outros livros do mesmo segmento e, enfim, alguns conselhos e recomendações para o estudante iniciante.
3. O Espírito e a Letra do Estudo
Evitar esse perigo supõe a necessidade de que o estudo não se limite à assimilação de conteúdos ou de material bibliográfico, mas se estenda, sim, à consideração e à investigação direta da realidade que se quer captar.
O primeiro capítulo de Como Estudar e Como Aprender visa mostrar os motivos, aspectos e métodos do estudo em geral. Mas, para comentá-lo, são necessários alguns alertas. O jargão “não se estuda a filosofia, mas a realidade” tornou-se comum como síntese desta tese: “estudar filosofia” (sic) refere-se ao exame dos resultados de uma investigação e não à técnica e exame de dimensões da realidade. A “técnica”, por sua vez, seria o “filosofar” e, no limite, resumiria toda a filosofia. Deste ângulo, ela pouco difere da constatação kantiana de que devemos aprender a filosofar.[5] Fica a pergunta sobre a diferença entre “aprender matemática” e aprender a fazer cálculos, demonstrações, etc.
López revela uma concepção semelhante ao dedicar algumas páginas para apontar como os livros de estudo em geral, compreendidos feito compilados de métodos de estudo cuja essência é, em verdade, uma síntese sequencial de hábitos mentais cujo objetivo é poupar tempo, são eminentemente meios e não algo estudado como fim – e não há mal algum nisto, uma vez que o tempo dedicado por uma pessoa para erigir um método próprio seria, a depender do temperamento do sujeito, indefinidamente extenso e, caso nos refiramos ao estudante desesperançoso, tal empreitada o levaria à desistência.
Por outro lado, tais livros podem ter efeito salutar ou venenoso: podem ser o remédio economista de tempo, quando nos fornece um aparato técnico testado e aprovado, ou o veneno que torna fins os meios. Livros de estudo não são objeto de estudo, mas “caixas de ferramentas” utilizadas para outra coisa. Não aprendemos a fazer bolo examinando a receita, mas utilizando-a. Temos, assim, um problema análogo à predominância da manualística na filosofia, i.e., o estudo de manuais em detrimento da fonte primária. Mas, aqui, o descalabro é mais curioso, pois age como certo nominalismo na medida em que o método virtualiza o objeto de estudo: fica-se com o nome e esquece-se o nomeado.[6] Caso isto aconteça, os livros não passarão de pedras de tropeço.
Avisos postos, López procura esclarecer o significado de “estudar” e “aprender”: estudar é concentrar todos os seus recursos pessoais para captar e assimilar dados, relações e técnicas que conduzam à solução de um problema; aprender consiste na obtenção dos resultados do estudo; então o aprendizado é um resultado e o estudo é um processo. Pode haver um estudo que não produz um aprendizado: este é o esforço ineficiente, cujo exemplo ilustrativo pode ser o da pessoa desperdiçando tempo e esforço ao tentar tocar um instrumento sem ajuda. É possível, por outro lado, um aprendizado sem estudo, quando se chega a um resultado por simples dedução, sem necessidade de estudo prévio; López aponta estes casos como raríssimos e tendendo a ocorrer por imitação ou aprendizagem inconsciente.[7] A raridade do segundo caso nos autoriza a virtualizá-lo afim de evitar que o estudante, em especial o de pouca idade, talvez por certa dose de chuunibyo,[8] sinta-se tentando a identificar-se nele.
López divide, em seguida, os métodos de estudo em culturais e vitais: os primeiros referem-se principalmente à aquisição de conhecimento teórico conceitual – como os adquiridos na escola e/ou na universidade – e de uma concepção mais ou menos ampla e sistemática de certo setor cultural; os segundos referem-se principalmente à aquisição de conhecimento concreto-prático. Diferencia, por fim, os estudos entre escolares, voltados à aquisição de um certificado, e livres, voltados à sede de saber, desconsiderando o aspecto utilitário do conhecimento.[9]
Logo após a diferenciação dos tipos de estudo, urge discernir os tipos de estudantes, a saber, quatro: a) o estudante simulacro, presente corporalmente em aula, mas mentalmente noutro lugar; b) o estudante quasi-surdo, que escuta (de vez em quando) o assunto sob exame mas, dada sua falta de atenção e captação fragmentária do conhecimento, torna-se incapaz de unificar os pedaços coletados num todo coerente; c) o estudante utilitário, que vê o estudo como peso e mal necessário para sua ascensão social, decorando todo o possível até o período de provas e, logo depois, esvaziando sua cabeça para uma nova sessão de conteúdo; e, por fim, d) o estudante verdadeiro, digno dos ideais da filosofia antiga, cujo objetivo é o mero desejo de saber. Nas palavras do autor:
[…] comportam-se de um modo inteligente perante o problema do estudo, e adquirem o entusiasmo necessário para converter em fonte de prazer o que para os demais é puro passatempo, ou, pior ainda, enfadonha obrigação.
Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.21
4. Os passos do Estudo Eficiente
Grandes são as obras do Senhor, dignas de estudo para todos os que as amam.
A parte final do primeiro capítulo procura enumerar sete aspectos para alcançar o estudo eficiente. O primeiro passo consiste em determinar o que estudar; aqui o estudante deve pesar suas inclinações, algo parecido com a discussão acerca da vocação. O segundo consiste em determinar para quê estudar; qual a finalidade do estudo? López o exemplifica com o ócio dos gregos antigos, certa atividade espiritual voltada a ocupar o tempo livre com a aquisição de conhecimento cultural, algo semelhante aos estudos humanísticos comentados por Schopenhauer, voltados ao nosso aperfeiçoamento enquanto humanos. O terceiro passo consiste em determinar por que estudar, e aqui a resposta é simples: é a forma mais eficiente de aquisição do saber, podendo ser feita através de livros e mestres.[10] O quarto passo consiste em como estudar, este subdividido em quatro pontos: apreender e captar os dados (como ao ler um livro); retenção e evocação (memorização e rememoração do conteúdo); elaboração e integração do adquirido (integra-se o aprendido no já sabido) e aplicação do aprendido à resolução de problemas (utilização do entendido).[11] O quinto passo refere-se às condições cronológicas do estudo; López recomenda ser sob luz natural, antes da refeições e com alguns períodos de descanso, feito os recomendados no método pomodoro. O sexto passo, referente à quantidade de estudo, é descrito como variante conforme a pessoa e o tema examinado; por outro lado, recomenda: “como regra geral, pode-se afirmar […] que uma sessão de estudo não deve prolongar-se por mais de duas horas, introduzindo pequenas pausas de três a cinco minutos a cada meia hora.”[12] E, então, o último passo trata do local de estudo; alguns requisitos são: ausência de ruído, um lugar espaçoso, luz (se possível, natural), temperatura estável e materiais comuns, feito papel e lápis.
López nega, infelizmente, o valor da mnemotécnica, tão cara ao estudo (não só) da filosofia; neste ponto divergimos e apoiamos a opinião de Platão – e dos outros filósofos – que tanto valorizaram a aquisição de uma memória bem trabalhada. Entretanto, Emílio também dá conselhos mnemotécnicos, como veremos em seguida.
5. Esquecimento e Memorização
López inicia o tema da memória pelo do esquecimento, atribuindo-o à chamada inibição retroativa, uma “[…] diminuição da retenção, produzida por atividades (geralmente de aprendizagem) interpoladas entre a aprendizagem original e sua evocação ulterior.”[13] Este lapso de retenção ocorre por duas influências condicionantes do olvido: a) “o grau de identidade ou semelhança entre a aprendizagem original e as interpoladas,” e b) “número e intervalo entre as revisões, ou seja, da revivescência do aprendizado.”[14]
Na primeira influência, distingue-se entre as “identidade ou semelhança de forma (extrínseca) e de significado (intrínseco).”[15] Temos, então, o seguinte: a forma pode ser idêntica, semelhante ou diferente; o significado, pode ser, também, idêntico, semelhante ou diferente. Quando ocorrem as seguintes combinações: a) identidade entre forma e significado ou b) identidade da forma e semelhança do significado, a memorização é favorecida. Quando as seguintes combinações aparecem, a) semelhança entre forma e significado, ou b) semelhança da forma e oposição do significado, então o esquecimento é favorecido. Nisto, o estudo de temas semelhantes ao mesmo tempo nos confunde: “[…] é mais fácil confundir duas leis, relações ou séries de nomes semelhantes do que se forem dessemelhantes.”[16] Por outro lado, o estudo de temas diferentes nos ajuda a distinguir o que é A ou B: “[…] quando são confiados a alguém vários encargos totalmente diferentes, é mais fácil lembrar de todos do que se houvesse elementos semelhantes entre eles.”[17]
Recomenda-se, na segunda influência, distribuir periodicamente o estudo a fim de “anular” o início do esquecimento que, por sua vez, varia entre as pessoas conforme a idade, o tema, o tempo disponível, etc. Entretanto, López recomenda a seguinte regra:
“[…] é sabido que, para um curso normal, se for preciso ler um texto somente quatro vezes, por exemplo, a melhor distribuição teórica média seria a que proporcionasse uma segunda leitura entre 12 e 24 horas depois da primeira; uma terceira entre 15 e 30 dias depois da segunda; e uma quarta leitura entre 180 e 220 dias depois da terceira. É evidente que a velocidade do esquecimento decresce com o tempo (ainda que seus efeitos sejam cumulativos), de modo que, de um material qualquer, esquece-se mais no transcurso da primeira semana do que no resto do primeiro mês (e também se esquece mais no transcurso do primeiro mês do que nos meses restantes do semestre, supondo que não tenha havido revisões).Sabendo disso instintivamente, um monte de alunos tenta dar aquela “última lida” em seus cadernos algumas horas ou dias antes da prova, mas ao proceder assim ignoram que, se por um lado diminuem o intervalo de retenção, por outro aumentam enormemente o material interpolado, e quase sempre este segundo fator contrabalanceia com excesso o primeiro; ou seja, no final das contas, teriam ganhado muito mais se tivessem distribuído essas horas febris de estudo final por um período mais longo.”[18]
Ignorando que as recomendações de López podem ser perfeitamente absorvidas na mnemotécnica antiga – servindo, por exemplo, como método de atualizar o palácio da memória –, o autor enumera, logo em seguida, uma lista de hábitos prejudiciais à retenção; é muito curioso como todos os seus componentes integram, mais ou menos precisamente, a rotina do adolescente moderno:
- “Irregularidade nos períodos de estudo, distração e descanso;
- Pequenos desarranjos funcionais da saúde corporal;
- Abusos desportivos e Sexuais;
- Falta de sono;
- Ausência de interesse no assunto durando os intervalos;
- Emoções intensas, de qualquer gênero.”[19]
E, em seguida, um compilado de hábitos saudáveis à memória:
- “Regularidade nos períodos de estudo, distração e repouso (ou seja, constância de hábitos vitais);
- Um grau moderado de exercício físico e vida ao ar livre;
- Temperança nos prazeres carnais e no trabalho corporal;
- Sono reparador (nem insuficiente, nem excessivo);
- Permanência do interesse geral pelo assunto, que, durante os intervalos fica, por assim dizer, na penumbra da consciência;
- Contenção de sobressaltos, de qualquer gênero.”[20]
Este é, em síntese, o núcleo de um livro de estudos. Entretanto, em prol da justiça, trataremos um pouco de outros exemplares:
6.Como ler Livros & Cia.
Estudar é concentrar todos os seus recursos pessoais para captar e assimilar dados, relações e técnicas que conduzam à solução de um problema.
É famoso o ditado de que para entender um livro é necessário ler outros; no entanto, tomado literalmente, o adágio impede a compreensão de qualquer obra. Mas, por ditados serem conselhos e não axiomas, nos é permitido compreendê-los adaptados à realidade que o auxílio mútuo entre os livros não nos impede de compreender alguns mais simples sem a necessidade de ter lido outros. Exemplos disto são aqueles livros dedicados a ajudar o pretenso estudante a aprender a estudar enquanto os estuda – algo aparentemente confuso, mas amplamente conhecido como aprender na prática.
Nesta clave, o Como Ler Livros, de Mortimer Adler & Charles van Doren, foi visto como o livro definitivo. Ele apresenta o objetivo da leitura, sua constituição e categorias (elementar, inspecional, analítica e sintópica), e ocupa-se ainda de temas como a forma correta de ler disciplinas (história, ciências, etc.) Por outro lado, um calhamaço de mais de 400 páginas pode assustar o leigo e afastar quem se esforça para vencer livros de ¼ do tamanho. Portanto, para fins urgentes, é mais coerente buscar por livros menores e mais práticos, feito o Aprendendo Inteligência, de Pierluigi Piazzi. Ele foca, em sua primeira parte, em quatro perguntas: “por que, quando, quanto e como estudar?”, fornecendo, para cada uma delas, uma resposta coerente e alguns exercícios, implícitos ou explícitos. Uma das grandes virtudes deste livro é o incentivo às anotações feitas à mão, ótimo para a memória, mas, num tempo dominado pelos eletrônicos e pela demência digital, comumente ignorado. Piazzi e López ensinam quase o mesmo; entretanto, o primeiro é mais prático e o segundo mais erudito, sendo, de certa forma, complementares.
Ambas as obras antepostas tratam, num ou noutro ponto, de hábitos de estudo; entretanto, creio isto seja melhor exposto no A Educação da Vontade, de Jules Payot. Ele trata da psicologia da vontade e da formação de hábitos focados numa melhor produtividade. Alguns deles são bem simples, dignos de conselhos de pai, gênero agora popularizado pela pena de escritores feito Jordan Peterson – arrumar seu quarto, levantar rapidamente da cama para não enrolar, não comer demais para não estufar, etc. Todavia, qual ocorre com alguns artistas, Payot parece ter sido autor der uma música só: todas suas obras subsequentes são inferiores à primeira.
As recomendações são, portanto, as seguintes: para o estudante sem medo de livros grandes, basta Como Ler Livros e A Educação da Vontade; caso precise de algo menor, Aprendendo Inteligência e Como Estudar e Como Aprender. Não há prejuízo algum caso se queira ler todos – e até alguns mais.
6.1. Opinião parcial acerca de outras obras.
Há outros livros para opinar. Talvez o A Arte de Pensar, de Ernest Dimmet, tenha sido minha pior experiência; prolixo e enreda-se, no início, num pseudo-diálogo com o leitor, algo capaz de enrubescer o mais apático entre os estóicos. O Método Pedagógico dos Jesuítas, do Pe. Leonel Franca, é ótimo, mas serve antes para professores do que para alunos com intenções autodidatas. O Trabalho Intelectual e a Vontade, de Jules Payot, iguala seu antecessor até mais ou menos a metade, e então degringola, sepultando toda a sua robustez inicial. Algo semelhante ocorre com O Aprendizado e a Arte de Escrever, do mesmo autor, mas aqui há mais problemas pois seu conteúdo é melhor explicado pelo O Trabalho Intelectual, de Jean Guitton, livro pequeno, direto e muito recomendável. Na mesma via dos trabalhos com “intelectual no nome”, temos o A Vida Intelectual, de Antonin Sertillanges, primeiro livro de estudos de muitos, ou pelo menos dos vencedores de sua linguagem peculiar. Este livro carrega alguma ambigüidade fundamental: mesmo seu conteúdo sendo praticamente atemporal, sua forma de expressão o torna dificultoso para o estudante demasiado leigo – termos pouco usuais, uma série de metáforas úteis, mas algo crípticas, e assim por diante, impedem sua recomendação irrestrita. Por outro lado, não podemos ser injustos: a culpa não é do Sertillanges. Recomendo o livro, mas apenas aos dotados de boa cultura literária. A obra é tão querida que teve um filhote, a saber, o Conselhos Sobre o Trabalho Intelectual, Louis Riboulet, onde o autor parece ter desejado reescrever, com algumas modificações, o texto do velho dominicano; isto não é demérito, pois o livro é bom a ponto de, n´alguns pontos, substituir sua inspiração da mesma forma que A Vida Intelectual suplanta o Conselhos para a Direção do Espírito, de Alphonse Gratry. Provável pai de todos os livros de estudo, o Didascalicon, de Hugo de S. Vitor é ótimo para o estudante afeito a um ensino algo escolástico e ligado intimamente à filosofia; entretanto, o mesmo motivo o “expulsa” do âmbito do leigo demasiado iniciante, pois o início dos estudos não o momento de lidar com os comentários filo-teológicos pululantes aqui e ali – ademais, boa parte das concepções ali expostas, feito a divisão das ciências, está caduca.
I. Estudos em geral
Estes são os livros citados acima. As recomendações primárias são as que o interessado em métodos de estudo pode, conforme as explicações dadas acima, adquirir para aperfeiçoar-se. O A Educação da Vontade, devido à sua posição – na opinião parcial do autor deste ensaio – enquanto melhor livro já escrito sobre este tema, fica como recomendação irrestrita. As recomendações secundárias referem-se aos livros bons (ou não) de alguma forma restritos conforme o presente ensaio e podem ser adquiridos sob duas condições: a) por conta e risco e b) conforme necessidade depurada pelas explicações já citadas.
Recomendação Primária
- Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender
- Pierluigi Piazzi – Aprendendo Inteligência
- Mortimer Adler & Charles van Doren – Como Ler Livros
- Jules Payot – A Educação da Vontade
Recomendação Secundária (opcional)
- Alphonse Gratry – Conselhos para a Direção do Espírito
- Antonin Sertillanges – A Vida Intelectual
- Ernest Dimmet – A Arte de Pensar
- Hugo de S. Vitor – Didascalicon
- Jean Guitton – O Trabalho Intelectual
- Jules Payot – O Trabalho Intelectual e a Vontade
- Jules Payot – O Aprendizado e a Arte de Escrever
- Louis Riboulet – Conselhos Sobre o Trabalho Intelectual
- Pe. Leonel Franca – O Método Pedagógico dos Jesuítas
7. O símio que vive em mim
Por vezes, após revisar um texto redigido em dias anteriores, noto certa cogitação: “sou tão burro assim?”. Sem especular para além do necessário, isto ocorre devido à percepção de meus próprios vícios de escrita: palavras faltando, expressões abstrusas, erros gramaticais e uma boa série de repetições, típicas de rascunhos, sobreviventes após uma primeira revisão. A constante redação de ensaios “lapida” a escrita e, nisto, o símio que vive em mim perde cada vez mais seu poder; por outro lado, continua forte o suficiente para causar algumas crises existenciais. No entanto, é notório que este hóspede indesejado habita a pena de muitos, manifestando-se principalmente em confusões entre nada que ver e [o tenebroso] nada haver, coincidência escrita como conhecidência, indistinção entre conserto e concerto e, como é de se esperar, numa boa série de anglicismos atrozes: percepcionar, experienciar, preposições no fim das frases (“você sabe sobre?”), e outras monstruosidades. Metade de nossos problemas seria resolvida, naturalmente, com alguma consulta ao Priberam, ao Dicionário de Questões Vernáculas e a alguma gramática. Tendo isto em conta, tomo a liberdade de tecer alguns comentários e recomendar alguns livros para auxiliar o leitor no processo de exorcismo do símio que habita em nós.
Um dos primeiros livros utilizados para remendar minha escrita foi o Manual da Boa Escrita. Ele é suficiente para resolver pequenas causas, feito dificuldades com o uso da crase. É um livro pequeno, de apenas duzentas páginas, mas, caso bem lido, pode evoluir um australopithecus até o homo erectus. Para casos mais graves, feito aquele onde a pessoa teve poucas, algumas ruins ou nenhuma aula de português no período escolar, fica necessária a utilização de gramáticas completas. A recomendação clássica é a Gramática Metódica da Língua Portuguesa. Não afirmamos, aqui, a existência de diferenças capitais a ponto de sermos forçados a escolher, necessariamente, a versão napoleônica; o estudante bem aplicado poderá aprender o necessário com, virtualmente, qualquer uma das principais gramáticas disponíveis, como a Moderna Gramática Portuguesa [Bechara], a Nova Gramática do Português Contemporâneo [Cunha], a Suma Gramatical [Nougué] ou a Novíssima Gramática da Língua Portuguesa [Cegalla]. A preferência pela versão do Napoleão Mendes decorre, normalmente, por conta de seus comentários eruditos; por outro lado, a versão do Nougué pode ser preferida devido a suas aproximações com a filosofia aristotélica (sob ótica tomista). O estudante deverá escolher a sua favorita.
7.1. Literatura e Osmose
Talvez o leitor estranhe, neste ensaio, a ausência de associações entre a escrita e temas literários. Isto ocorre por seu autor descrer da existência de um “tato universal” ou “tato natural” que permita a qualquer um corrigir sua escrita observando a de grandes autores – sendo mais fácil ocorrer, porca miseria, a insuportável cópia de trejeitos. Este é o caso, por exemplo, do leitor de Aquilino Ribeiro que, num arroubo juvenil, torna seus textos uma espécie de léxico involuntário da lingua portuguesa ao dotá-lo de termos desconhecidos pelo dicionário mais próximo. Acontece o mesmo como imitadores de “book-tubers” quando, lendo toda sorte de coisa duvidosa, destilam seus erros num processo osmótico – caso demasiado perceptível, pois pessoa alguma “egrégora” (ou certo conjunto de expressões estrangeiras peculiares) num texto cujo caráter informal fica quase escamoteado sob o manto de uma terminologia pseudo-erudita. Não podemos, por óbvio, descrer que tal aprendizado osmótico possa realizar-se pelas mãos de um sujeito de senso crítico algo treinado. No entanto, a diferença entre este e sua contraparte é a mesma naturalidade daquele que cita Aristóteles para provar que leu e o que cita por necessidade temática. Restrinjo, portanto, as recomendações do tema “escrita” às gramáticas e alguns poucos livros específicos para isto.
II. Escrita, Pesquisa
- Umberto Eco – Como se faz uma tese
- Henry F. Graff & Jacques Barzun – O Pesquisador Moderno
- Antoine Albalat – A Arte De Escrever Ensinada Em 20 Lições
- Othon Moacyr Garcia – Comunicação em Prosa Moderna
- Maria Tereza de Queiroz Piacentini – Manual da Boa Escrita: Vírgula, Crase, Palavras Compostas
- Chaim Perelman & Lucie Olbrechts-Tyteca – Tratado da Argumentação: A nova retórica
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Notas:
[1] Pierluigi Piazzi – Aprendendo Inteligência p.63-4
[2] A sabedoria que é vento efêmero e aumenta dor do autor do Eclesiastes é a sabedoria profana, mundana, e não o saber filosófico e muito menos o teológico. Wittgenstein diz em seu Tractatus 6.52 que mesmo que todas as questões da ciência se resolvessem, os problemas da vida permaneceriam intocados; o tema do Eclesiastes é precisamente esse.
[3] Citação completa: “A ignorância difere da nesciência em que significa a simples negação da ciência. Por isso, pode-se dizer daquele a quem falta a ciência de alguma coisa, que não a conhece. Desse modo Dionísio afirma haver nesciência nos anjos. A ignorância implica uma privação de ciência a saber, quando à alguém falta a ciência daquelas coisas que naturalmente deveria saber. Entre essas coisas há as que se é obrigado a saber, isto é, aquelas sem o conhecimento das quais não se pode fazer corretamente o que é devido. Assim, todos são obrigados a saber, em geral, as verdades da fé e os preceitos universais da lei. E cada um em particular, o que diz respeito ao seu estado e sua função. […] Evidentemente todo aquele que negligencia ter ou fazer o que é obrigado ter ou fazer, peca por omissão. Portanto, por causa de uma negligência, a ignorância das coisas que se devia saber é um pecado. Mas não se pode imputar a alguém como negligência o não saber o que não se pode saber. Por isso, essa ignorância é chamada invencível, porque nenhum estudo a pode vencer. Como tal ignorância não é voluntária, porque não está em nosso poder rechaçá-la, por isso ela não é um pecado […] Mas a ignorância vencível é, se ela se refere ao que se deve saber. Mas, ela não o é, se se refere ao que não se é obrigado saber […] portanto, deve-se dizer, como já se disse, que ao se dizer “dito, ou o feito, ou o desejado”, deve-se compreender igualmente as negações opostas, na medida em que a omissão tem razão de pecado. E assim, a negligência, pela qual a ignorância é pecado, entra na definição de pecado, porque significa que se omite dizer ou fazer ou desejar o que seria preciso para adquirir a ciência que se deveria ter […] deve-se dizer que no pecado de transgressão o pecado não consiste só no ato da vontade, mas também no ato querido, imperado pela vontade. Do mesmo modo, para o pecado de omissão não é somente o ato da vontade que é pecado, mas é também a própria omissão, enquanto de certo modo é voluntária. Nesse sentido, há pecado na negligência em saber, ou na falta de atenção ao que se sabe.” Sto. Tomás de Aquino – Suma Teológica I-II q.76 a.2 Resp.
[4] “Todo segredo está aí! Para estudar, é indispensável estudar fazendo. Não adianta nada ficar olhando para um livro aberto de forma passiva ou, quando muito, marcando com uma canetinha “amarelo-fosforescente” os trechos de um texto que você tenha achado interessantes.” Pierluigi Piazzi – Aprendendo Inteligência p.59-61
[5] Este que vos fala entende “estudar filosofia” como um estudo que une ambos os aspectos. Ver Conselhos ao Estudante de Filosofia.
[6] Este é um problema análogo ao apontado por Olavo de Carvalho ao criticar aqueles que reduziram a filosofia ao estudo de textos. Ver Dois Métodos in A Filosofia e seu Inverso p.115.
[7] Como Estudar e Como Aprender p.21-22
[8] Chuunibyo é um termo japonês utilizado para apontar certo comportamento megalômano em adolescentes que, querendo destacar-se e algum modo, passam a crer possuir certos poderes ou habilidades. Um caso notório é o chamado caso das ‘crianças índigo’, algo que, na humilde opinião daquele que vos escreve, é um dos surtos coletivos mais engraçados da história.
[9] Devo alertar que, na vida real, os aspectos distintos por Mira y Lopez operam mesclados uns nos outros.
[10] “A terceira questão — a saber, o porquê do estudo —, ainda que seja a mais transcendente, é, aparentemente, a mais simples de responder: o homem estuda porque não tem outro procedimento mais simples para vir a saber […] realizado principalmente com livros, isto é, mediante a leitura de textos, mas pode também — às vezes com singular vantagem — ser realizado valendo-se do diálogo ou da conversação com um mestre. Assim se fazia nos tempos em que não existia a imprensa, e em que a posse de manuscritos era um privilégio reservado a poucos.” Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.21
[11] “A segunda fase, de retenção e evocação, é sumamente importante. Sabe-se hoje que os engramas ou rastros psíquicos, de qualquer classe, mantêm-se em condições de revivescência durante toda a vida do sujeito. Portanto, temos de admitir teoricamente que é possível recordar tudo que se aprendeu. Mas esse processo de extrajeção será notavelmente favorecido se o aluno se acostumar, ao fim de cada sessão de estudo, a escrever — sem qualquer consulta — ao menos um resumo de suas aquisições. Não se trata, pois, somente de tomar notas das explicações do professor, ou de sublinhar determinadas passagens do livro-texto, mas de reconstruir e organizar sistematicamente, através de um critério pessoal, esses dados, e de expressá-los do modo mais claro e coerente possível. Fazendo isso, que por si já constitui uma evocação, sulcam-se as vias e se acondicionam os dispositivos sinapsiais, para a ulterior reprodução de tais conteúdos de conhecimentos. Mas essa fase deve encadear-se à seguinte sem solução de continuidade, ou seja, com a integração do conjunto conceitual assim adquirido ao campo mais amplo, total, da disciplina estudada. Quando não se faz isso a cada passo, corre–se o risco de transformar a mente num “armazém de idéias”; pode-se até ser um erudito, mas jamais um homem culto.” Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.23-24
[12] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.26
[13] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.62
[14] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.62-3
[15] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.62
[16] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.62
[17] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.62
[18] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.64
[19] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.64
[20] Emilio Mira y López – Como Estudar e Como Aprender p.64-5
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