Por Helkein Filosofia
Viam veritatis elegi;
judicia tua non sum oblitus.
- Introdução: Politeísmo Opinativo
A constatação da existência de uma pletora de opiniões discordantes é bem conhecida pelos interessados em filosofia. Ela gera pelo menos duas conseqüências. Para o estudante confuso – ou o erudito de cerviz dura –, o politeísmo opinativo, fenômeno onde a pessoa, destituída de critérios que a permitam aquilatar uma série de teses discordantes num todo ordenado que as depure, vê toda concordância como necessariamente superficial e de tonalidade pragmática, logrando um ceticismo epistemológico acompanhado de um relativismo moral cuja única função é consolar um ajuizamento aleijado. Para o estudante persistente – ou o filósofo de estirpe nobre –, a busca por fundamentos universalmente válidos precisados conforme necessidade e condições a fim de erigir um caminho seguro. Bastam apenas algumas proposições de alcance irrestrito, algumas verdades cuja tentativa de refutação seja absurda, e eis a garantia de que o caminho negativista já não é mais cogitável.[1]
Mas o segundo caminho não é, por sua veracidade, imaculado. A busca pelos fundamentos globais de sua disciplina comumente leva os filósofos a embates semelhantes ao de sua contraparte cética, gerando, nisto, uma forma superior de politeísmo opinativo, onde costumam dizer o mesmo (ou o contrário) sem perceber. Adicionemos a passagem do tempo e o risco de anacronismo[2] e teremos um plano de boa parte da filosofia contemporânea: um todo assistemático sem fundamentos metafísicos claros ou pelo menos insuficientes para postular uma posição comum e gerar uma escolástica.[3] Entretanto, no início da modernidade, a imagem da filosofia como castelo erigido nas nuvens originou, pouco a pouco, a idéia de estruturá-la de maneira análoga às ciências e, de preferência, à matemática, mediante um axioma filosófico último de onde derivaríamos, conforme regras de transformação, uma série de verdades que comporiam uma filosofia de teor sistemático. Tal princípio deveria ser, naturalmente, irrefutável, independente de uma teoria determinada (afinal, a teoria “sairia dele”) e passível de verificação intuitiva por qualquer um dotado de boa vontade e de alguma agudez de raciocínio.
Tentativas desta cepa foram populares por algum tempo e a constante aferição de axiomas últimos gerou casos curiosos, feito aquele exposto por Schopenhauer ao notar que Descartes e Spinoza partiam dos mesmos princípios e utilizavam o mesmo argumento para provar coisas diferentes.[4] Isto, em linguagem matemática, torna o sistema inconsistente. Após Kant e sua Crítica da Razão Pura, a razão, tida como a postuladora dos axiomas últimos, foi reduzida a uma faculdade de princípios reguladores incapaz de agir impunemente sozinha; sem o diverso da intuição tratado pelas categorias do entendimento, nada pode ser feito. Mas a idéia de filosofia surgida pela ambição de transpor certa concepção de ciência nos construtos filosóficos só ruiria, definitivamente, após dois eventos ocorridos no século XX: o primeiro foi o surgimento do teorema gödeliano acerca da incompletude dos sistemas formais; o segundo, a crítica do “dado” erigida por Sellars. O primeiro caso encerra a idéia da onipotência do sistema fechado; o segundo, a da independência teórica do “dado de onde sai” o resto da filosofia. Neste sentido, o período que vai de Kant até mais ou menos a metade do século XX parece ter sepultado a idéia de filosofia nascida na modernidade. Por outro lado, o fim de uma forma de filosofar não é o fim da filosofia. Sem a razão hipertrofiada do racionalismo ou a raquítica do empirismo, resta um “meio-termo” ou o retorno a algum entendimento antigo; eliminados os sistemas fechados, houve o retorno da concepção de sistemas abertos[5], organizações que aceitam atualizações e dispensam a pretensão de “fechar” a filosofia; e sem o “dado” sumamente independente, fica um compreendido já com alguma carga teórica.
Lorenz Puntel procurou erigir um sistema aberto dotado de fundamentos sólidos, poder explicativo suficiente e capacidade de conferir verdades universalmente válidas. É impossível, por óbvio, avaliar toda a filosofia sistemático-estrutural num ensaio; focaremos, então, em seu conceito mais interessante para mostrar a tentativa punteliana de uma filosofia sistemática de teor antigo e aparato moderno: o quadro referencial teórico.
- Prolegômenos ao arcabouço teórico da filosofia sistemático-estrutural
No início a tematização e da exposição encontra-se o que chamo de “quase definição” da filosofia sistemática, a saber: a filosofia sistemática é a teoria das estruturas mais gerais ou universais do ilimitado universe of discourse.
É necessário examinar, antes de expor a idéia de quadro teórico, alguns elementos da filosofia de Lorenz Puntel sem os quais a exposição fica impossível. O estopim filosofia sistemático-estrutural[6] (FSE) inflama por duas teses fundamentais: a) a filosofia é um empreendimento caracterizado pela pretensão de um conhecimento de alcance universal e b) a filosofia atual e, em especial, a analítica[7], não cumpre estes requisitos; o espírito da FSE consiste em cumprir requisitos que a classifiquem como “filosofia” conforme a primeira tese.[8]
Pela filosofia tratar de um conhecimento de caráter universal, o Lorenz aponta que pretensões semelhantes foram descritas pelo termo “sistemáticas”, por sua vez continente de aspectos indesejáveis passíveis de determinação precisa. Distinguem-se, assim, duas formas de sistema: principal, onde retemos uma “integralidade da temática” e um “nexo do conjunto” num sistema aberto, e lateral, onde “sistemático” significa o meramente contrário ao “histórico.”[9] Puntel adota, naturalmente, o primeiro sentido,[10] e isto fica expresso, provisoriamente, na seguinte expressão: a filosofia sistemática é a teoria das estruturas mais gerais ou universais do ilimitado universe of discourse.[11] Há, aqui, três elementos dignos de atenção: “estrutura”, “teoria” e “universo do discurso”. Exponhamos, sumariamente, cada um deles.
Puntel entende o termo estrutura como interconexão ou relação interativa de elementos de entidades, domínios, etc; sua qualidade é a estruturalidade, cuja concepção pode ser resumida numa negação do desordenado, i.e., a estrutura é um ordenamento[12]– algo muito coerente com a adesão à idéia de sistema conforme o sentido exposto. Se a função da filosofia é teorizar as estruturas mais gerais, então estas são “tudo o que a teoria explicita.”[13] Há três espécies fundamentais de estrutura: formais (lógica e matemática), semânticas e ontológicas; juntas, elas compõem a dimensão estrutural do quadro teórico.[14]
O termo universo do discurso é definido, num primeiro momento, como “totalidade dos dados e constitui o “material” para as estruturas”[15], i.e., “dimensão […] que representa o “objeto [sache]” da filosofia sistemática”[16]; em termos mais familiares,[17] as estruturas são a forma inteligível do conjunto de dados potencialmente infinito do universo irrestrito do discurso. No entanto, se o universo irrestrito do discurso é a totalidade dos dados, devemos determinar o significado de “dado”; Puntel compreende, com este termo, “aquilo que, no início de um empreendimento teórico, é expresso por sentenças pré-teóricas ou teórico-incoativas […] tudo aquilo com que a teoria filosófica pode e deve se ocupar”,[18] não sendo, portanto, algo da cepa do sense data empirista e nem vulnerável à crítica do mito do dado erigida por Wilfrid Sellars. Os “dados” puntelianos podem ser compreendidos, portanto, como o objeto material da filosofia enquanto dimensão do ser ainda não teoricamente ordenada; daí o filósofo aderir à concepção de Rescher e chamá-los de “candidatos à teoria ou à verdade”[19] – deixando implícito, aqui, que sua concepção de verdade exige algum grau de especulação e não se aplica, indiscriminadamente, a quaisquer dados.
Resta, então, o significado de teoria, compreendido como uma classe de sentenças dedutivamente completa mediante consequência lógica, comportando três fatores: uma linguagem, alguns axiomas e suas regras de transformação[20]; teoricidade é o caráter do escopo onde são desenvolvidas teorias – no caso, a filosofia. Isto é feito mediante a linguagem qual meio expositivo, e conhecimento como efetividade da dimensão teórica.[21] Isto pode ser resumido nas duas definições a seguir: a) “Linguagem é a dimensão da exposição da teoricidade” e b) “Conhecimento é a dimensão da efetuação da teoricidade”.[22]
2.1. Exposição sumária da crítica sellarsiana do mito do dado.
A expressão “o dado”, como uma peça de discurso técnico profissional – epistemológico –, carrega um compromisso teórico substancial, e pode-se negar que existam “dados” ou que qualquer coisa seja, nesse sentido, “dado”, sem contrapor-se à razão.
Wilfrid Sellars – Empirismo e Filosofia da Mente p.23
Pela compreensão do universo do discurso irrestrito enquanto dimensão dos dados na filosofia sistemático-estrutural esbarrar no problema do significado de “dado”, é mister expor, resumidamente, a crítica ao chamado Mito do Dado.
A crítica de Sellars se inicia apontando que a “idéia filosófica da dadidade” inclui dois sentidos para dado: a) “inferir que algo é o caso” e b) “ver tal ser o caso”.[23] Se o segundo caso fosse verdadeiro então a discussão sobre a existência de dados não existiria, restando apenas o primeiro. Mas se o “dado” for inferido então contém, desde então, uma carga teórica cujos elementos nos impedem de pensá-lo de maneira independente de um sistema – e ele sofre, neste sentido, de problemas análogos ao “fato”.[24] Embora sua ambição seja atacar o dado em geral, Sellars toma como exemplo para sua crítica o escopo das teorias dos dados dos sentidos e da cepa fundacionista, i.e., enquanto proposição que, numa filosofia cuja construção ocorre axiomaticamente, serve de fundamento para um sistema – cujo exemplo mais famoso é o cartesiano[25] – e daí sua caracterização enquanto englobando pelo menos duas modalidades de conhecimento: um primário (fundamento do edifício) e um secundário (calcado no fundamento)[26]; se todo o nosso conhecimento fosse do segundo tipo, cairíamos numa regressão ao infinito e, portanto, é necessário algum do primeiro tipo. Estamos, então, diante de uma resposta a um problema da justificação e, no caso, aquela referente à terceira resposta do trilema de Agripa: “A cadeia justificativa para numa crença não justificada por outras crenças.”[27] Entretanto, se o “dado” visado for o primeiro componente de um sistema, surge imediatamente a questão de sua aquisição. Daí a caracterização do fundacionismo enquanto tributário da seguinte tese: há “estados cognitivos que estejam em contato direto com a realidade.” Mas a proposição contém, implicitamente, dois requisitos para o que pode ser um “dado”:
Requisito de Independência epistêmica ou RIE: “Deve haver estados cognitivos que sejam básicos no sentido de terem algum status epistêmico positivo independentemente de suas relações epistêmicas com quaisquer outros estados cognitivos.”
Requisito de eficácia epistêmica ou REE: “Todo estado cognitivo não básico com status epistêmico positivo tem esse status só por causa das relações epistêmicas que mantém, de maneira direta ou indireta, com estados cognitivos básicos. Assim, os estados básicos fornecem o suporte fundamental para o resto do nosso conhecimento.”[28]
O argumento funciona negando a qualquer “dado”, em sentido fundacionista, a capacidade de cumprir ambos os requisitos ao mesmo tempo; para satisfazer REE é necessário relacionar-se com outros estados cognitivos, e para satisfazer RIE cumpre ser independente deles: então os requisitos se excluem. Isto fica claro na versão formalizada do argumento, por Willem A. de Vries:
A doutrina do dado exige que, para qualquer conhecimento empírico P, algum conhecimento epistemicamente independente G seja epistemicamente eficaz a respeito de P.
P1. Se X não pode servir como razão para Y, então X não pode ser epistemicamente eficaz a respeito de Y.
P2. Se X não pode servir como premissa num argumento a favor de Y, então X não pode servir como razão para Y.
P3. Se X é não proposicional, então X não pode servir como premissa num argumento.
P4. Se X é não proposicional, então X não pode servir como razão para Y (Silogismo hipotético, P3, P2).
C1. Se X é não proposicional, então X não pode servir como razão para Y (silogismo hipotético, P1, P4).
P5. Se X não pode ser epistemicamente eficaz a respeito de Y, então o não proposicional não pode servir como dado.
C2. O não proposicional não pode servir como dado (modus ponens, C1, P5).
P6. Nenhum estado mental inferencialmente adquirido, proposicionalmente estruturado, é epistemicamente independente.
P7. O status epistêmico de estados cognitivos não inferencialmente adquiridos, proposicionalmente estruturados, pressupõe a posse, pelo sujeito de outro conhecimento empírico, de verdades empíricas tanto específicas quanto gerais.
P8. Se o conhecimento empírico não inferencialmente adquirido pressupõe a posse pelo sujeito de outro conhecimento empírico, então os estados cognitivos inferencialmente adquiridos, proposicionalmente estruturados, não são epistemicamente independentes.
C3. Estados cognitivos não inferencialmente adquiridos, proposicionalmente estruturados, não são epistemicamente independentes (modus ponens, P7, P8).
P8. Qualquer cognição proposicional, empírica, é adquirida, ou inferencialmente ou não inferencialmente.
C4. Uma cognição proposicionalmente estruturada, seja inferencialmente ou não inferencialmente adquirida, nunca é epistemicamente independente e não pode servir como dado (conjunção, P6, C3).
P9. Toda cognição ou é proposicionalmente estruturada ou não é.
C5. Nem as proposições proposicionais nem as não proposicionais podem servir como dado (conjunção, C2, C4).
P10. Se nem as cognições proposicionais nem as não proposicionais podem servir como dado, então é razoável acreditar que nenhum item de conhecimento empírico pode servir como a função de um dado.
C6. É razoável acreditar que nenhum item de conhecimento empírico pode servir como a função de um dado (modus ponens, C5, P10).[29]
***
Observação: a filosofia de Lorenz Puntel, como se espera ao aderir à crítica do mito do dado, adota uma arquitetônica reticular em vez de uma arquitetônica axiomática; assim, para além de evitar o mito do dado, evita ainda a estrutura das filosofias que o utilizam, como podemos verificar nas seguintes citações:
[…] essa filosofia sistemática não é nenhum sistema axiomaticamente construído, ou seja, ele não parte de alguns princípios ou axiomas fundamentais e, por conseguinte, sua exposição não consiste em que ela devesse ou pudesse derivar deles conclusões (“teoremas”) cada vez mais amplos. Esse ponto será mais bem explicado quando for tratado o método da filosofia sistemático-estrutural. A arquitetônica dessa filosofia não é nenhum sistema axiomático, mas uma espécie de rede caracterizada pelo fato de que tudo está interconectado com tudo, como em uma rede. Para entendê-la corretamente, temos de atentar para dois pontos de vista no contexto atual. O primeiro diz respeito à perspectiva geral: toda a exposição transcorre da determinação meramente inicial e, em consequência, minimal da filosofia sistemática até sua determinação completa. O avanço sistemático é, por conseguinte, um progresso no que se refere à determinação cada vez mais ampla e maior do início feito com a (quase-) definição.[30]
Ou:
Nos contextos do mundo atual, mas também na práxis científica concreta e no filosofar concreto ou “real”, toma-se como ponto de partida um “plano” do agir, do falar e também do discurso teórico, que é caracterizado por uma compreensão do mundo de uma ou de outra maneira antedada. A partir da perspectiva e na terminologia da filosofia sistemático-estrutural defendida neste livro, trata-se, nesse caso, de uma junção de dados e estruturas já existente, geralmente irrefletidamente pressuposta, e, assim, de dados compreendidos (estruturados) de determinada maneira. Tais dados não podem de maneira nenhuma ser concebidos como entidades ou instâncias independentes de estruturas, teorias, linguagens e afins. Isso seria uma forma típica – e radical – do “mito do dado” (cf. Sellars, 1956; McDowell, 1994). Quando “dados da experiência” são entendidos desse modo, trata-se de um mito no sentido literal: um invenção de “pontos fixos” fundamentais e supostamente inquestionáveis. Uma assunção desse tipo não resiste a uma análise mais profunda do conceito de “dado”.[31]
- Quadro Teórico
O objetivo básico da posição de Puntel é recuperar este caráter teórico, sistemático e universal da filosofia, cujo nível supremo é uma Teoria do Ser como tal e em seu todo.
Manfredo A. de Oliveira – A Metafísica do Ser Primordial p.300
Puntel inicia o primeiro capítulo de Estrutura e Ser fornecendo uma definição mínima de filosofia, algo apenas suficiente para pôr em marcha sua especulação: a filosofia é um empreendimento teórico, i.e., “atividade que visa ao desenvolvimento e exposição de teorias”.[32] Mas uma teoria só pode ser exposta no seio de um conjunto de pressupostos que a torne inteligível; daí a idéia de conceber as condições do terreno fértil à inteligibilidade e edificação de teorias.[33]
O conceito de quadro teórico, na filosofia de Lorenz Puntel, deriva do conceito de quadro referencial lingüístico erigido por Rudolf Carnap em seu artigo Empiricism, Semantics, and Ontology, onde busca responder à seguinte questão: é possível tratar de entidades abstratas qual classes, relações, sem deixar o empirismo lógico escorregar num platonismo?[34] Crendo numa resposta positiva, o pensador propõe, em primeiro lugar, a inserção da seguinte noção: quando tratamos de uma forma de entidade, é necessário introduzir uma forma de referirmo-la; essa maneira de regrar a referência a entidades é a construção de um referencial lingüístico (linguistic framework). Em seguida, distingue duas maneiras de referirmo-nos a entidades: a) aquelas existentes no framework, ou questões internas, e b) aquelas referentes um sistema de entidades, ou questões externas.[35] As primeiras, internas, devem ser formuladas conforme o esquema proposto pela nova forma de linguagem e regradas por metodologia lógica ou empírica a depender do escolhido para compor o framework.[36]
Puntel identifica, entretanto, incongruências: se o quadro contém elementos lógicos e factuais, por que é chamado linguístico? Ademais, ele também engloba componentes conceituais, novamente, não tratados por sua determinação enquanto linguístico.[37] O filósofo continua e aponta outra discordância: Carnap afirma que a introdução de seu framework pretere justificações teóricas e, assim, permite compreender a introdução de um referencial lingüístico como arbitrária. O filósofo não crê nisto, embora aceite a “margem” interpretativa da sentença, e então aponta que Carnap entende a justificação do quadro mediante a reunião de elementos ajuizados não como verdadeiros ou falsos, mas adequados, úteis, etc. Mas isto não pode ser, pois estes termos são, eles mesmos, teóricos.[38] Então a justificativa do quadro deve ser ela mesmo teórica e não meramente prática. Puntel busca, a partir desta avaliação crítica, eliminar a execução e preservar o espírito do framework carnapiano executando sua própria versão, o quadro referencial teórico.
O quadro teórico punteliano é definido, em primeiro lugar, como condição de possibilidade para a exposição de uma teoria[39]; Resultam então, duas conseqüências: a) a ausência de um quadro teórico, implícito ou explícito, impossibilita a execução de uma filosofia e b) um quadro ininteligível, contraditório, é o primeiro grande erro filosófico.[40] Em segundo lugar, o quadro é visto como totalidade referencial específica, lingüística, lógica, semântica, conceitual e ontológica, sem a qual não se pode expor uma teoria. Ele pode ser distinto em dois aspectos: sua essência e seu conteúdo. Daí, duas distinções em seu conceito: um abstrato (subdeterminado) e um concreto (determinado); o primeiro se refere à sua essência; o segundo, à sua relação com o conteúdo.[41] Puntel considera seu Estrutura e Ser como a edificação de um quadro teórico concreto; entretanto, sua concretude é alcançada mediante múltiplas determinações de uma versão abstrata. Diz o filósofo:
Esse modo complexo de examinar o assunto é um requisito da filosofia sistemático-estrutural. O quadro referencial adequado a essa filosofia requer que a relação entre quadro referencial e conteúdo seja entendida como uma relação bastante diferenciada. Assim sendo, no caso da filosofia sistemático-estrutural, o termo “quadro referencial” no conceito “quadro referencial teórico” não pode ser entendido no sentido de um sistema formal não interpretado; um quadro teórico de cunho filosófico (e científico) é, antes, um instrumento que permite apreender, compreender e explicar algo (um nexo, um domínio objetual…). Dentro de ou por intermédio de um quadro teórico se faz referência a algo. Isto, por sua vez, pressupõe que o próprio quadro teórico contenha elementos que não são de natureza puramente formal, mas implicam uma interpretação, ou melhor, uma referência a algo. Por conseguinte, todo quadro teórico de cunho filosófico e cientifico contém, além dos elementos puramente formais, também elementos “materiais”: não só conceitos puramente formais, mas também conceitos “com conteúdo”.
Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.29-30
Esta forma de trabalhar, partindo de um quadro abstrato para um concreto, é parte da forma normal da exposição da filosofia de Lorenz Puntel na medida em que sua definição mesma é apresentada, em primeiro lugar, como um programa cuja definição aparece totalmente determinada apenas no final da apresentação: “a exposição transcorre da determinação meramente inicial […] da filosofia sistemática até sua determinação completa.”[42] Por isto o filósofo apresenta uma “quase definição” de filosofia, – sob moldes semelhantes à quase-verdade de Newton da Costa – pois sua determinação completa só pode ocorrer concomitante a completude de seu quadro teórico: “a filosofia sistemático estrutural é a teoria das estruturas universais (mais gerais) do universo do discurso [universe of discourse] ilimitado.”[43]
O quadro teórico contempla os seguintes componentes: uma linguagem (dotada de sintaxe e semântica), uma lógica e uma conceitualidade.[44] Definamos, então, cada um deles. O termo “linguagem” pode ser entendido como uma dimensão cindida em dois sentidos: natural (falada) ou científico (especializada) – sendo que a filosofia punteliana prioriza, eminentemente, a segunda, definida em primeiro lugar como sistema semiótico – que, por sua vez, subdivide-se nos níveis sintáticos, semânticos e pragmáticos correspondentes às estruturas de mesmo nome.[45] Puntel a define, ainda, mais concisamente: “[…] todo e qualquer sistema semiótico ou formal passível de interpretação pode e deve ser considerado como linguagem.”[46] A linguagem utilizada na filosofia sistemático-estrutural, embora baseada na natural, é científica e visa a eliminação – na medida do possível – de quaisquer ambiguidades.[47] O termo “lógica” refere-se à sua versão adotada para encetar demonstrações filosóficas; a “variante padrão” na filosofia analítica tende a ser a lógica de primeira ordem.[48] A “conceitualidade” (ou “componente conteudal”[49]) se refere ao escopo de conceitos e entidades que compõe o estofo da filosofia: “‘categoria’, ‘proposição’, ‘estado de coisas’, ‘objeto’, ‘fato’, ‘regra (lógica)’”, etc. Este componente recebe atenção especial pois Puntel o aponta como englobando “os componentes ontológicos somados aos da teoria do Ser (lógica, semântica, ontologia mais a teoria do Ser).”[50] Ele é, então, em termos algo frouxos, o elo que une a filosofia e seu fundamento real – ou, em termos puntelianos, “da referência à “realidade” (ontologia e teoria do Ser).”[51]
Devemos reter, portanto, o seguinte: a estrutura fundamental da filosofia sistemático-estrutural é a linguagem enquanto tecnicamente depurada para exposição filosófica a ponto de ser, no vocabulário técnico punteliano, absolutamente transparente. Ela é, por sua vez, estruturada pela lógica e ligada à ontologia enquanto “dois lados da mesma moeda”[52] – podemos, numa analogia algo ousada, entender da seguinte maneira: a linguagem é a face inteligível (ato de ser para nós enquanto verdadeiro) do ser e a ontologia é sua dimensão atual (ato de ser enquanto coisa). O filósofo deriva, daí, três estruturas fundamentais: “formais (lógicas e matemáticas), as estruturas semânticas e as estruturas ontológicas.”[53] O nexo entre as três é explicado da seguinte maneira: as estruturas formais, mais universais, regem as sentenças teóricas cujo sentido decorre de sua referência à ontologia. De outra forma: teorizamos (linguagem) com sentido (forma) quando tratamos de coisas (ontologia)[54] – com o adendo de que a einailogia (metafísica), teoria do ser punteliana, não trata de coisas, mas apenas do ser em si mesmo.
3.1 Sete teses sobre o Quadro Teórico
Allan White erige, a partir das explicações de Puntel, sete teses acerca da concepção de quadro referencial teórico.[55] Expô-las-emos, a título de notícia, muito resumidamente.
Tese 1: “Sentenças verdadeiras situam-se dentro de quadros referenciais teóricos”. É preciso pressupostos teóricos para verificar sentenças com sentido; isto só é possível num quadro referencial teórico que forneça os elementos que possibilitem a verificação. Não há, portanto, sentido em tratar do conceito de “verdade” sem tal aparato.
Tese 2: “O ser – que inclui tudo o que é – manifesta-se de modo verídico – revela-se verdadeira ou genuinamente – dentro de todos os quadros referenciais teóricos adequadamente determinados ou determináveis.” Todo o possível (as coisas, o mundo, etc.) pode ser inteligido em qualquer quadro teórico bem formado. Por outro lado, o grau de inteligibilidade e veracidade varia conforme os elementos do quadro utilizado. Neste sentido, um quadro teórico mais adequado é o mesmo que o ponto de vista superior de Bernard Lonergan.[56] Um exemplo clássico é apontar como dois quadros teóricos distintos, feito o do sistema newtoniano e do relativista, o segundo mais avançado que o primeiro, não impede que seu antecessor proveja resultados corretos – mesmo que limitados.
Tese 3: “Todas as verdades são relativas aos quadros referenciais teóricos dentro dos quais elas estão situadas.” A aferição de verdades só pode ocorrer num corpo de pressupostos e sua veracidade fica sob análise quando fora dele ou sob a ótica de um quadro teórico superior. Verdades encontradas na filosofia platônica podem não valer na aristotélica, mas também podem ocorrer unidas às aristotélicas quando na filosofia tomista.
Tese 4: “Dentro dos metaquadros referenciais, quadros referenciais teóricos aparentemente conflitantes podem ser comparados e, quando a comparação revela que o conflito é genuíno, ordenados quanto à sua adequação teórica.” Isto ocorre, por exemplo, quando a filosofia diz que a realidade é X e a sociologia diz que é Y. Deve-se avaliar se há um conflito verdadeiro entre ambas as concepções e, caso seja verificado, num metaquadro teórico, que a contradição é meramente aparente, ambas as proposições podem ser harmonizadas. Embora o exemplo entre duas disciplinas seja extremo, o problema ocorre, comumente, dentro das matérias, como a disputa acerca das várias definições de “homem”. Neste sentido, uma super-adequação de toda a filosofia no melhor quadro possível no momento é a “ambição da teoria de tudo” da filosofia – desejada por Puntel, Mário Ferreira, Lavelle e muitos outros.
Tese 5: “Nenhum teórico humano jamais poderia estabelecer que o quadro referencial de que se valeu foi o melhor quadro referencial possível para qualquer temática suficientemente complexa, incluindo definitivamente a temática da filosofia sistemática.” Não há “fim da filosofia” ou “filosofia final”. A filosofia é potencialmente infinita e sempre passível de aperfeiçoamento; a filosofia punteliana não escapa disto, e sua reivindicação é a de melhor quadro teórico disponível no momento.
Tese 6: “As verdades absolutas são verdades que possuem versões identificáveis em todos os quadros referenciais teóricos.” Há verdades, feito os princípios lógicos, cuja presença ocorre em qualquer quadro teórico adequado, seja superior ou inferior. White chama estas de “verdades absolutas”, pois valem em qualquer corpo de pressupostos, e quaisquer quadros teóricos que as ignorem serão automaticamente vistos como inadequados. O relativismo – e outras vertentes de pensamento pertencentes à filodoxia – é o exemplo clássico de quadro inadequado.
Tese 7: “O quadro referencial teórico da FSE é o melhor atualmente disponível para a filosofia sistemática.” Unindo e depurando tudo o que houver disponível na “caixa de ferramentas” da filosofia, Puntel crê que a FSE contenha o melhor quadro teórico atual, mas não descarta que este seja atualizado ou superado em algum momento futuro. Neste sentido, a filosofia sistemático-estrutural é um sistema aberto.
Isso produz um sentido em que a FSE permanece um sistema aberto (ver EeS, p. 25-26, 569-570): ele está aberto para o surgimento de novos quadros referenciais teóricos e novas teorias e é capaz de examiná-los na medida em que surgem. Quando, no âmbito de um metaquadro referencial, um novo quadro referencial teórico ou uma nova teoria se mostrar superior à FSE, a FSE não será mais a melhor filosofia sistemática disponível. Este ponto também pode ser formulado da seguinte maneira: de fato, nenhuma concretização da FSE pode conter considerações a respeito de quadros referenciais teóricos ou teorias alternativos específicos, ainda não disponíveis, mas o que impede que ela os considere não é nenhuma limitação do seu universo do discurso, mas, em vez disso, precisamente o fato de eles ainda não estarem disponíveis. Na medida em que se tornam disponíveis, eles ingressam no escopo das investigações metassistemáticas da FSE.
Allan White – Rumo a uma Teoria Filosófica de Tudo p.44
- Conclusão: Uma filosofia programática.
A filosofia não pode simplesmente deixar de lado a tradição – a sua tradição –, pois isso equivaleria a uma espécie de autonegação e, por isso, à autodestruição.
Lorenz Puntel – Estrutura e Ser p.3
A filosofia de Lorenz Puntel é um caso curioso por unir dois aspectos aparentemente diametralmente opostos: atualidade e perenidade. No primeiro sentido, integra em seu ferramental tudo o que a filosofia contemporânea oferece e ainda radicaliza sua última reviravolta, o linguistic turn; no segundo, age como reencarnação da filosofia antiga recuperando, a seu modo, a forma omniabrangente da filosofia clássica. Num exemplo conforme nosso tempo, é como se deparar com uma biga romana movida por um v8 híbrido – ou qualquer imagem tão cyberpunk quanto esta.
A idéia de uma filosofia dotada de proposições universais sob os moldes de um sistema aberto que integre, depure e exponha, a seu modo, todas as potencialidades do espírito humano da melhor forma possível é, descontando diferenças demasiado óbvias referentes ao seu tratamento, a mesma em Lorenz Puntel, Mário Ferreira dos Santos e Louis Lavelle. No entanto, trocando em miúdos, os três discordariam em muito. Alguns exemplos fáceis são: a) a rejeição, por Puntel, da ontologia da substância, b) a rejeição, por Ferreira dos Santos, de boa parte do aparato da filosofia analítica e c) a insistência, por Lavelle, na univocidade do ser. O objetivo é o mesmo, mas a execução difere.
No entanto, o trio citado decerto concorda com a idéia de corpo de pressupostos. Ferreira dos Santos toma como principal pressuposto de sua arquitetônica filosófica o perfilamento do haver expresso na tese “algo há”; Puntel rejeita a idéia de uma dedução a partir de um princípio único e adere a uma forma de coerentismo balizada por uma série de pressupostos rudimentares constantemente aclarados numa rede. O “nexo” fundamental é, aqui, que em ambos os casos busca-se por condições que sirvam de pontos de partida de maneira sólida o suficiente para manter uma corpo de proposições coerente e estabilizado. Este corpo aparece, em Puntel, intrincado na concepção de quadro teórico e de seus componentes fundamentais. Uma curiosidade deste corpus determinando do que pode ser perguntado e respondido é anular uma pretensão leiga muito difundida, a saber, a do perguntar incessante; no contexto de um quadro teórico, as perguntas são limitadas pelos pressupostos regentes de suas condições de elaboração e aquelas que forem disparatadas esvair-se-ão após análises mais ou menos rigorosas. Devemos atentar, no entanto, que isto não tem que ver com a proibição de perguntas atribuída, por Voegelin, aos sistemas ideológicos. Estes restringem o “escopo do questionável” impedindo a aplicação de críticas legítimas a seus pressupostos; a filosofia, por outro lado, esvai o sentido de perguntas cujo mote, destituído de fundamentos teóricos, é ininteligível.
A formação do quadro teórico punteliano acontece precisamente mediante críticas; é como a rocha fundamental sobrevivente sob escombros e, testada no fogo, prova poder ser utilizada para num novo construto. Da junção de um conjunto de componentes sólidos, fica possível explorar o universo irrestrito do discurso – tese atribuída por Puntel a Aristóteles quando afirma que “a alma é todas as coisas –, i.e., todo o inteligível; se o ser é inteligível então todo o passível de intelecção e expressão jaz no escopo do ser. Exemplos como este, onde teses modernas prestam-se a alguma tradução no vocabulário antigo, mostram como Puntel cumpre sua ambição de fazer uma filosofia que respeita a tradição mesmo quando discorda dela. Outro caso semelhante é quando Puntel diz que os dados pré-teóricos devem ser teorizados e aclarados, i.e., englobados nas dimensões formais, semânticas e ontológicas; [57]os afeitos a Aristóteles se lembrarão que o Categorias consuma o cruzamento tríplice entre dimensões lógicas, linguísticas e metafísica (no sentido antigo), i.e., exatamente as mesmas visadas por Puntel com suas estruturas. Ademais, mesmo rejeitando a “ontologia da substância”, o filósofo faz questão de preencher a lacuna da melhor forma possível – com suas configurações de sentenças, fatos e proposições primas.
A filosofia de Puntel, como deixado pressuposto em sua “quase-definição”, é antes um programa do que um construto finalizado. Seu livro seminal, Estrutura e Ser, restringe-se a servir de solo onde outras teorias podem ser fixadas; os Ser e Deus e Ser e Nada servem, nisto, como demonstrações acerca do uso do ferramental usinado no primeiro membro da trilogia. Allan White, em seu Rumo a uma Teoria Filosófica de Tudo, trata a FSE como um programa de pesquisa destinado a capacitar outros filósofos para contribuir com este novo sistema. Se for isto mesmo, então Puntel quis, conscientemente, fundar uma escola, e eis mais um tema que o aproxima dos antigos. A FSE é muito recente; mas seria interessante se ela tornasse, de fato, uma nova vertente. Afinal:
“[…] o que é a moda ou o que diz o mainstream da época não representa para mim absolutamente nenhum critério para a tomada de decisão sobre o caminho filosófico a seguir. Há exemplos suficientes na história da filosofia para mostrar que, em determinadas épocas, a filosofia se caracterizou pela decadência.” […] para escolher um caminho filosoficamente adequado, norteio-me especialmente por dois critérios absolutamente necessários (mesmo que não sejam suficientes): um histórico e outro concreto. O critério histórico consiste na constatação de que a perspectiva teórica, sistemática e universal é algo como o fio de Ariadne que atravessa todas as épocas em que já perdura o grande empreendimento que foi iniciado há cerca de 2.500 anos na Grécia e que se chama “filosofia”. O critério concreto consiste na assunção fundamental de que a perspectivas teórica, sistemática e universal constitui uma potencialidade fundamental e não eliminável do espírito humano.
Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.28
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Notas:
[1] Mário Ferreira dos Santos chama de negativistas as posições filosóficas que operam mediante a negação de uma afirmativa: negando a verdade, o relativismo; o conhecimento, o ceticismo; a moral, o niilismo; e assim por diante. Ver Filosofias da Afirmação e da Negação.
[2] Onde um termo antigo perde seu sentido original e é tomado como se fosse algo novo; tomando um exemplo algo tosco, é como especularmos sobre a injeção eletrônica do Ford Modelo T.
[3] No sentido de uma terminologia mais ou menos comum erigida sobre uma metafísica mais ou menos comum.
[4] Isto ocorre em Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente, capítulo II, §7-8.
[5] Um conjunto de verdades atualizável, sem pretensão de conclusão dogmática nem de suas conclusões deriváveis e nem de seus fundamentos mesmo, que aceitam novos elementos sem ‘quebrar’ o resto das teorias.
[6] Utilizaremos o nome punteliana como abreviação ou alternativa contra repetições.
[7] Puntel, no entanto, se considera analítico no sentido, por exemplo, de uma centralidade da linguagem. A rejeição punteliana da filosofia analítica reside, resumidamente, em seu caráter assistemático. Para distinções precisas, ver A Filosofia como Discurso Sistemático p.15.
[8] Ver Wellinstony Carvalho Viana – A Filosofia Estrutural-Sistemática p.23-4
[9] Todas as citações até o momento são de Estrutura e Ser p.1
[10] A opinião de Puntel sobre as relações entre filosofia e história da filosofia podem ser vistas no primeiro artigo de Em Busca do Objeto e do Estatuto Teórico da Filosofia.
[11] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.22
[12] “Intuitivamente se pode caracterizar estrutura como interconexão diferenciada e ordenada ou como relação e interação de elementos de uma entidade, de um domínio ou de um processo etc. A estruturalidade, em consequência, comporta a negação do simples e do desconexo. Nesse sentido intuitivo, a estrutura é pressuposta e articulada como noção originária, como conceito originário ou então como fator originário em todo empreendimento teórico. No sentido matemático intuitivo mais geral, a estrutura é um conjunto nos termos de uma ênupla composta de elementos (objetos, entidades de qualquer espécie) e relações (em sentido mais amplo, que inclui também funções e operações) entre esses elementos. Formalmente a estrutura, na maioria das vezes, é definida como um par ordenado, sendo que, nesse caso, todavia, as relações são entendidas em um sentido mais estrito, que não inclui funções nem operadores.” Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.22
[13]Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.14
[14] A filosofia sistemático-estrutural faz uso abrangente do conceito de estrutura, adaptando-o ao caráter específico da problemática filosófica e da teoria filosófica. Desse modo, é desenvolvido o conceito central do quadro referencial teórico, cujo centro é formado pelo conceito de estrutura. Tudo gira em torno das três espécies fundamentais de estruturas fundamentais: as estruturas fundamentais formais (lógicas e matemáticas), as semânticas e as ontológicas. Essa dimensão é chamada de dimensão estrutural; ela abrange todo o âmbito do sujeito, do conhecimento, dos conceitos, das teorias. A Filosofia como Discurso Sistemático p.22
[15] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.23
[16] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.13
[17] Procuro traduzir, no limite de minha capacidade e sem pretensão de precisão absoluta, o vocabulário sistemático estrutural para o vocabulário escolástico em sentido lato.
[18] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.23
[19] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.13
[20] […] uma teoria é uma classe de sentenças ou fórmulas dedutivamente fechada ou finalizada por meio de conseqüência lógica. A forma característica de uma teoria entendida desse modo é axiomática. Para construir uma teoria T desse tipo, deve-se indicar explicitamente três fatores: (1) A linguagem de T, ou seja, L(T), (2) os axiomas lógicos e os axiomas não lógicos de T, (3) as regras de dedução da lógica de T. Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.161-2
[21] “Teoricidade é o caráter da dimensão no interior da qual são desenvolvidas teorias, i.e., dimensão da ciência e da filosofia; isto é feito em duplo aspecto: linguagem como meio expositivo e conhecimento como efetuação expositiva da dimensão teorética.” Estrutura e Ser p.99
[22] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.187
[23] Wilfrid Sellars – Empirismo e Filosofia da Mente p.23-4
[24] “O que não é e não foi inofensivo, mas altamente enganador, foi conceber um domínio dos fatos independente do juízo ou de qualquer outra forma de expressão lingüística, de modo que juízos e declarações ou sentenças pudessem ser comparados a fatos, a verdade ou a falsidade consistindo na suposta relação entre tais itens contrapostos. Esse tipo de teoria da verdade como adequação entrou na cena filosófica, comparativamente, apenas há pouco tempo e foi conclusivamente refutada, tanto quanto qualquer teoria poderia sê-lo (ver, por exemplo, P. F. Strawson, Truth, Logico-Linguistic Papers, Londres, 1971). É um grande erro reconhecê-lo em formulações mais antigas referentes à verdade, tais como adequatio mentis ad rem, assim como na correspondência que estou atribuindo à concepção da verdade, desenvolvida na história inicial do desenvolvimento das tradições.” Alasdair MacIntyre – Justiça de quem? Qual racionalidade? p.384
[25] O dado que é caracterizado como uma peça epistemológica mítica é o dado que a tradição fundacionista postulou para resolver o problema da interrupção das cadeias de justificação de nossas crenças.2 Numa analogia com Arquimedes, que se dizia capaz de deslocar a Terra toda se dispusesse de um ponto de apoio adequado, o dado seria o apoio em virtude do qual a mente pode alavancar-se no mundo do conhecimento (FMPP: 3). Jonatan Willian Daniel – Sellars e o mito do dado: uma avaliação de suas críticas ao fundacionismo em epistemologia p.15
[26] O fundacionismo em epistemologia caracteriza-se por distinguir dois tipos de crenças: as básicas e as não-básicas. Estas últimas derivariam seu status epistêmico positivo, ou justificabilidade, de outras crenças via relações inferências. Contudo, se todas as crenças fossem não-básicas, as cadeias de justificação seriam infinitas ou circulares. Por isso, argumenta o fundacionista, para haver justificação, são necessárias algumas crenças cuja justificação não dependa de outras crenças – as crenças básicas. Jonatan Willian Daniel – Sellars e o mito do dado: uma avaliação de suas críticas ao fundacionismo em epistemologia p.15
[27] Pedro Galvão (Org.) – Filosofia: Uma Introdução por Disciplinas p.109
[28] Michael Bruce e Steven Barbone (Orgs.) – Os 100 argumentos mais importantes da filosofia ocidental p.234
[29] Michael Bruce e Steven Barbone (Orgs.) – Os 100 argumentos mais importantes da filosofia ocidental p.236-7
[30] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.33-4
[31] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.360
[32] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.27
[33] “Este conceito é absolutamente central nesta proposta e sua relação com a linguagem é essencial, uma vez que “a estrutura não pode ser adequadamente definida sem sua referência à linguagem”, assim como sua relação ao plano ontológico (FDS 55). O caráter imprescindível de um quadro teórico se demonstra pelo fato de que toda proposição teórica, toda argumentação e toda teoria só têm sentido, ou seja, um status determinado e claro, e, portanto, é inteligível e avaliável, na medida em que se encontram situadas no seio de um quadro referencial teórico. O esclarecimento do conceito de quadro referencial teórico constitui o fundamento de uma filosofia sistemática.” Manfredo A. de Oliveira – A Metafísica do Ser Primordial p.302
[34] É muito curioso como Carnap, admitindo que seu empirismo é mais próximo do nominalismo do que do realismo, busca, de todas as formas, fugir de uma metafísica que postule entidades reais para além dos objetos empíricos.
[35] In order to understand more clearly the nature of these and related problems, it is above all necessary to recognize a fundamental distinction between two kinds of questions concerning the existence or reality of entities. If someone wishes to speak in his language about a new kind of entities, he has to introduce a system of new ways of speaking, subject to new rules; we shall call this procedure the construction of a linguistic framework for the new entities in question. And now we must distinguish two kinds of questions of existence: first, questions of the existence of certain entities of the new kind within the framework; we call them internal questions; and second, questions concerning the existence or reality of the system of entities as a whole, called external questions. Rudolf Carnap – Empiricism, Semantics, and Ontology. Revue Internationale de Philosophie 4 (1950): 20-40. Reprinted in the Supplement to Meaning and Necessity: A Study in Semantics and Modal Logic, enlarged edition (University of Chicago Press, 1956).
[36] Internal questions and possible answers to them are formulated with the help of the new forms of expressions. The answers may be found either by purely logical methods or by empirical methods, depending upon whether the framework is a logical or a factual one. An external question is of a problematic character which is in need of closer examination.
[37] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.28
[38] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.86-7
[39] A determinação minimal mas fundamental de filosofia, como entendida neste livro, diz que filosofia é uma atividade teórica, isto é, uma atividade que visa ao desenvolvimento e à exposição de teorias. Para que o desenvolvimento e a exposição de uma teoria seja factível, devem ser reconhecidos e cumpridos muitos requisitos específicos. A totalidade dos fatores que preenchem esses requisitos pode ser chamada de quadro referencial, mais precisamente: quadro referencial teórico. O que se pretende mostrar a seguir é como se deve entender tal quadro teórico. […] Esse termo ou conceito passou a ocupar o primeiro plano do trabalho filosófico com R. Carnap, que introduz o conceito de quadro referencial lingüístico (linguistic framework) no seu artigo Empiricism, Semantics, and Ontology… Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.27
[40] “Assumir “quadros teóricos” inconsistentes e ininteligíveis ou não refletir sobre seus próprios “quadros teóricos” constitui o primeiro erro que o filósofo precisa evitar.” Wellinstony Carvalho Viana – A Filosofia Estrutural-Sistemática p.24
[41] O quadro referencial como quadro teórico designa a totalidade de todos aqueles quadros referenciais específicos (pensa-se principalmente no quadro referencial linguístico, no lógico, no semântico, no conceitual, no ontológico) que de uma ou outra maneira constituem os componentes irrenunciáveis de um quadro referencial (compreensivo) pressuposto por uma dada teoria. Nos seus múltiplos empregos, o termo quadro referencial implica uma diferença específica entre dois lados ou aspectos de uma determinada grandeza: a diferença entre o quadro referencial e aquilo que o quadro referencial emoldura, isto é, o que ele contém ou representa. Quadro referencial e conteúdo podem ser inter-relacionados de uma das duas maneiras daí decorrentes. Por essa razão, pode-se associar ao termo quadro referencial dois conceitos parcialmente distintos: um conceito abstrato ou subdeterminado e um conceito concreto ou completamente determinado. O primeiro conceito caracteriza o quadro referencial, na medida em que este é considerado independentemente daquilo para o que ele é o ou um quadro referencial (p. ex.: uma pintura emoldurada por um quadro). O segundo conceito, concreto ou completamente de- terminado, articula o quadro referencial considerando explicitamente a sua relação com o seu ou com um conteúdo, expressando, portanto, a unidade de quadro referencial abstrato e conteúdo. Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.29
[42] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.33-4
[43] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.33
[44] Parte-se da noção fundamental de que toda problemática teórica, toda questão teórica, todo enunciado teórico, toda argumentação, toda teoria etc. só podem ser entendidos e avaliados quando são concebidos como situados dentro de um quadro referencial teórico. Quando não se tem esse pressuposto, tudo fica indeterminado: o sentido de uma pergunta, de um enunciado, de uma avaliação etc. De um quadro referencial teórico fazem parte, como momentos constitutivos, sobretudo uma linguagem (com sua sintaxe e sua semântica), uma lógica, uma conceitualidade e todos os elementos que perfazem um aparato teórico. Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático Sistemático p.35-6
[45] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.48-9
[46] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.102
[47] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.106
[48] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.108
[49] Lorenz B. Puntel – Ser e Nada p.230
[50] Lorenz B. Puntel – Ser e Nada p.230
[51] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.64
[52] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.64
[53] Lorenz B. Puntel – A Filosofia como Discurso Sistemático p.64
[54] “A linguagem é composta de sentenças que são a unidade linguística central (primado semântico da sentença), assim que a linguagem é precisamente a totalidade de todas as sentenças. Isto significa dizer que nenhuma sentença ocorre em completo isolamento, porque cada sentença pertence à linguagem, que é precisamente o conjunto de todas as sentenças. Por esta razão, cada sentença tem múltiplas relações para com as outras sentenças, estabelece as mais diversas conexões com outras sentenças. Ora, o todo dessas relações é precisamente determinado pelo que Puntel denomina de “estruturas lógicas”, as mais fundamentais de todas as estruturas que estão todas interconectadas entre si como componentes da linguagem. Em contraposição à forma como usualmente se fala de lógica, afirmando que lógica e ontologia são duas dimensões completamente distintas, Puntel articula uma consequência fundamental dessa postura: as estruturas lógicas/matemáticas são interpretadas ontologicamente. Assim, “… o sentido do emprego de itens lógicos/matemáticos consiste em precisamente esclarecer o que acontece no plano ontológico; seria absurdo admitir que este emprego teria o sentido de construir conexões somente ‘na nossa mente’. Estas estruturas constituem a ‘camada’ mais geral, mais universal do universo irrestrito do discurso… Essa ‘camada’ é, por assim dizer, a dimensão de todas as interconexões, de todos os modos de configuração de tudo o que ocorre no universo irrestrito do discurso” (SD 158).” Manfredo A. de Oliveira – A Metafísica do Ser Primordial p.303
[55] Os comentários a seguir contemplam as páginas 39-44 de Allan White – Rumo a uma Teoria Filosófica de Tudo.
[56] Bernard Lonergan – INSIGHT: Um Estudo do Entendimento Humano p.50ss
[57] Lorenz B. Puntel – Estrutura e Ser p.50
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