Sobre a Natureza da Filosofia Primeira ou Metafísica
Por Francisco Suárez S.J.
Tradução, notas e comentários de Helkein Filosofia
Natureza da filosofia primeira ou metafísica
Os vários nomes da metafísica. – Vários foram os nomes impostos a esta doutrina, em parte tomados de Aristóteles, em parte, de outros autores. Em primeiro lugar, no cap.2 do livro I da Metafísica[1], foi chamada sabedoria [sapientia], pois trata das primeiras causas do real, das coisas mais elevadas e difíceis e, de certa forma, da universalidade dos entes. Não importa que no livro I da Metafísica [2] a chamemos prudência [prudentia]; este nome é aplicado não própria, mas analogamente, pois da mesma maneira que na ordem prática a prudência é o que há de ser mais buscado, na ordem especulativa há de ser a sabedoria. Em segundo lugar, a chamamos também absolutamente e como que por antonomásia filosofia, como é feito no cap.5 do livro IV da Metafísica[3] ao ser chamada de prima philosophia, do mesmo modo que ocorre nos capítulos 3 e 4 do livro VI da mesma Metafísica; e sendo a filosofia o amor pela sabedoria, necessariamente se há de usar este afã ao máximo para a aquisição de nossa ciência dentro da ordem natural, suposto que ela não é outra coisa que a sabedoria mesma e que se ocupa do conhecimento das coisas divinas. Daqui que também é chamada naturalis theologia, como o dito no cap.1 do livro VI e no cap.6 do livro XI da Metafísica [4], dado que também trata de Deus e das coisas divinas na medida da acessibilidade da razão natural; por isso, chamou-se metafísica não por Aristóteles, mas por seus intérpretes, tomando como base o título prescrito por seu autor: Μετά τα φυσικά, quer dizer, acerca daquelas coisas que se seguem para além das dadas na natureza. Abstrai então tal ciência o sensível e o material das coisas (que se denominam físicas, enquanto delas se ocupa a filosofia natural) e considera as coisas divinas e separadas da matéria, assim como as razões comuns do ser que possam existir sem a matéria; do mesmo modo é chamada metafísica enquanto posta após ou para além da física; após não segundo a dignidade ou segundo a ordem natural, senão que pela ordem de aquisição[5], geração ou invenção; e se quisermos entender isto desde o objeto mesmo, diz-se que as coisas de que trata esta ciência estão após os entes físicos ou naturais, pois superam a ordem destes e se dão em uma ordem de realidades mais elevadas. Também foi chamada, ainda, de rainha e senhora das ciências [princeps et domina] – cap.1 do livro VI e cap.6 do livro XI da Metafísica – pois antecede em dignidade as restantes ciências e, de certo modo, estabelece e confirma seus princípios. Todos estes nomes foram tomados do objeto ou matéria sobre a qual versa esta doutrina, tal como pode-se ver facilmente pelas interpretações que constam dela. Com efeito, convém aos sábios, como ensina Platão no Crátilo,[6] impor os nomes às coisas após considerar sua natureza e dignidade; e como a natureza e a dignidade de uma ciência dependem principalmente de seu objeto, é necessário investigar primeiramente o objeto ou matéria desta doutrina e, conhecida esta, facilmente far-se-á patente quais são suas funções, qual seja sua necessidade ou utilidade e quão grande seja sua dignidade.
Sectio I
Qual é o objeto da Metafísica
- Variadas sentenças foram concebidas acerca da questão que brevemente examinaremos, para que entendamos precisamente acerca de quais coisas trataremos durante o desenvolvimento desta doutrina, de forma que não transgridamos seus limites e não deixemos, tampouco, de estudar algo que esteja incluída neles.
Exposição da primeira e da segunda opinião.
- A primeira sentença diz que o objeto adequado desta ciência é o ente abstratíssimo, de forma que compreenda sob sua extensão não só os entes reais [entia realia], mas também os entes per se, os per accidens e, ainda, os entes de razão. A opinião se aduz pois o ente, tomado deste modo, pode ser o objeto adequado de uma ciência; logo, com maior motivo desta, que é, em si, abstratíssima. O antecedente é claro, pois o ente se oferece ao intelecto em tal amplitude; logo, pode ser objeto de uma ciência única, posto que convém à mesma razão; e dado que do mesmo modo que o intelecto estende sua consideração sobre todas as coisas, assim também esta ciência trata de todas elas, a saber, dos entes de razão, reais, per se e per accidens; logo, se por causa disto estão contidos sob o objeto do intelecto, por causa semelhante devem estar contidos sob o objeto adequado desta ciência tomado em certo grau de abstração e amplitude tal que diretamente compreende em si todas as coisas, e de igual modo tome diretamente os atributos comuns de que trata esta ciência, a saber, a unidade [unitas], a multiplicidade [multitudo], a verdade [veritas] e semelhantes. A segunda sentença refere-se a perfeição e amplitude desta ciência em separar e distinguir todas estas coisas e ensinar acerca de todas elas enquanto se pode alcançar um conhecimento certo, por ser isto o que pertence, como determinante, à ratio de sabedoria; logo, todos estes entes, segundo suas razões comuns, estão diretamente contidos sob o objeto adequado desta ciência. Em terceiro, nada impede que se diga que o ente assim entendido seja objeto desta ciência, ainda que não seja tomado univocamente, bastando que seja tido como análogo; assim, por abarcar em razão comum os acidentes reais e as substâncias criadas e incriadas, compreende ainda os entes de razão, como atestado no cap. 2 do livro IV da Metafísica[7], onde Aristóteles inclui analogiae entis, privações, negações e o não ser como inteligíveis[8]; logo, o ente tomado como análogo pode ser tomado com o abjeto adequado desta ciência, e ainda maximamente quando consideramos todas as coisas compreendidas sobre a abstração própria desta ciência, que engloba toda a matéria sensível e inteligível, dado que a razão de ente pode ser dita de forma independente da matéria bruta. Do mesmo modo que as propriedades do ente em comum demonstradas nesta ciência incluem o ente de razão e de outro modo que não podem ser inteligidos senão deste modo, como veremos em breve, urge que tal ciência trate também deles.
- Não basta que digamos que tal ciência trate de fato de tais entes, não por si mesmos e não instituídos como objetos, mas apenas enquanto se preocupa com outros, seja para explicar melhor seus objetos, seja porque o conhecimento destes se adquire mais facilmente através da cognição de seu objeto próprio; isto, como dito, não nos serve, pois, embora as razões aduzidas pareçam provar algo mais, contrariamente, poder-se-ia aplicá-las identicamente aos acidentes e às substâncias criadas. Tais são majoritariamente entes de razão e semelhantes, sendo muitas coisas acerca deles naturalmente cognoscíveis e demonstráveis, não havendo verdadeiramente outra ciência que os tenha como pertinentes em si mesmos. Pois ainda que alguns tributem tal tarefa à dialética[9], ainda assim não se pode afirmar universalmente acerca de todos os entes de razão senão o universal[10] de certas relações que se seguem das operações do intelecto, e tampouco o dialético inquire como se dão as razões de ente e suas propriedades, mas se ocupa deles apenas na medida em que sejam necessários para explicas a concepções do intelecto e denominações dele provenientes.
- A segunda opinião afirma que o objeto desta ciência é o ser real [ens reale]em toda a sua extensão, de tal maneira que não compreenda diretamente os entes de razão por carecerem de entidade [entitatem] e realidade [realitatem], portanto, não sendo entes per se; e [tal ciência]se estende não apenas aos entes per se, mas também aos per accidens, pois estes são reais e participam verdadeiramente da razão de ente e de suas propriedades, e deles urgentemente procedem razões factuais que confirmam a superioridade da opinião. Podemos confirmar o dito através do dado de que as ciências particulares têm por objeto entes per accidens; mas o objeto de nossa ciência compreende, em si, a totalidade dos objetos das ciências particulares, logo…
Refutação das duas primeiras opiniões
- Na verdade, as duas opiniões manifestamente repugnam a Aristóteles, como visto no livro VI da Metafísica. Pois, ao referirmo-nos aos entes per accidens, estes, enquanto tais, não são objeto de ciência alguma, como Aristóteles prova no cap. 4 [do livro VI]; denominamos aqui ente per accidens não em razão de efeito, mas, sim, em razão de ente[11]; i.e., não enquanto produzido acidental e contingentemente como fora da eficiência do agente, mas por verdadeiramente não ser uno em si mesmo senão como certo agregado de muitos, distinção a ser tratada posteriormente ao atentarmos à unidade. Com isto, não sendo uno este ente per accidens, mas, sim, um agregado de muitos, não podemos defini-lo propriamente e nem apontar propriedades reais que se demonstrem dele por ele que estejam sob o escopo desta ciência. E se tal ente for considerado enquanto de certo modo uno e sua unidade de algum modo dada na realidade, então não se considerará mais o ente acidentalmente, mas por si mesmo ainda que de forma deficiente, pois o declararemos posteriormente ao tratar da unidade, que há várias formas de ser per se e per accidens. Propriamente se diz que aqui se tratava do ser per accidens, pois este enquanto tal não é um ente [uno], mas, sim, entes [múltiplo] e, portanto, não é compreendido no escopo de apenas uma ciência, mas de muitas, às quais podem pertencer os seres per se e per accidens, como Sto. Tomás de Aquino diz na lição 4 do livro VI do Comentário à Metafísica de Aristóteles[12]. Mas se tal unidade não for real [non sit in re], mas apenas efeito da apreensão ou concepção, tal ente não poderia chamar-se verdadeiramente real, logo, seria compreendido sob a mesma clave dos entes de razão. E estes foram excluídos da consideração direta desta ciência por Aristóteles no livro VI da Metafísica, como advertem seus intérpretes. Em razão disto, não são, de fato, entes senão quanto ao nome, nem reais segundo o mesmo conceito senão na proporção de uma analogia de proporcionalidade imperfeita, como a veremos, e, pelo contrário, o objeto adequado de uma ciência requer alguma unidade objetiva.
- Entes de razão estão exclusos enquanto objetos desta ciência – Não se opõe ao dito que Aristóteles ocasionalmente explique a analogia entis como englobando os entes de razão, pois ali não se pretendia delimitar o objeto desta ciência, mas apenas explicar o significado dos nomes e evitar a equivocidade. Em lugar próprio, o Filósofo declarou que o ente não se constitui em objeto entendido segundo aquela analogia, que baseia-se mais na unidade da voz que na do objeto. É propriamente por isso que não existe uma razão semelhante acerca dos acidentes reais, pois estes realmente são entes e devem ser compreendidos de algum modo na unidade do conceito objetivo de ente, como o veremos. Tampouco é necessário que tudo que de algum modo seja considerado sob o escopo de uma ciência esteja contido diretamente em seu objeto adequado, e sendo assim, muitas coisas são consideradas setorialmente por certa redução ou analogia, seja para que clarifiquemos propriamente o objeto próprio ou porque, uma vez conhecido o objeto, se utilize a analogia, pois, sem ela, tal seria impossível. Também não é necessário que as propriedades demonstradas acerca do sujeito estejam contidas diretamente em sua razão, ao menos segundo o todo no qual se encerram. Assim, ainda que esta ciência estude muitas coisas relacionadas aos entes de razão, sem dúvida, estes estão exclusos do objeto pretendido diretamente e por si mesmo – exceto se discutirmos acerca do nome. Efetivamente, em primeiro lugar, se esta ciência dedica de alguma forma sua atenção aos entes de razão não o faz por si mesmos, mas, sim, por certa proporcionalidade que estes possuem para com os entes reais com a finalidade de distingui-los e dar a entender melhor e mais claramente o que é que possui entidade e realidade nos entes que não possuem senão species[13], de modo que se dirige a atenção sobre estes entes de razão mais para adquirir ciência ou conhecimento acerca deles mesmos do que para – por assim o dizer – advertir que não são propriamente entes. Ademais, se estudam também para explicar as propriedades do ente real e do objeto desta ciência, propriedades que não podemos conceber nem declarar suficientemente senão por meio de tais entes de razão; por este motivo, trata também esta ciência de algum modo do gênero e da espécie para explicar a unidade das coisas, e assim por diante em outros temas, como podemos ver nos caps.1 e 2 do livro IV e também nos livros VI e VII da Metafísica . Por fim, com frequência trata-se também destes entes por causa de algum fundamento real que possuam nas coisas[14], ou porque o fundamento mesmo não pode ser conhecido suficientemente a menos que se explique de antemão que razões se encontram ali mescladas.
- Se refutam os fundamentos das opiniões precedentes. – Por conseguinte, os argumentos das opiniões precedentes provam decerto que tais entes são considerados nesta ciência, mas não provam que estejam contidos diretamente sob seu objeto próprio. Todavia, não pertencem por si e primariamente a nenhuma ciência, visto que, não sendo entes, mas privações de entidade, não são cognoscíveis quando apartadas da verdadeira razão de ente, que é a que por si mesma se estuda, ou, também, enquanto que de algum modo parecem acompanhar aquela. No primeiro sentido, trata o Filósofo da cegueira, das trevas e do vazio como defeitos e privações da vista, da luz e do local real. No segundo, trata muitos das relações ou denominações racionais. É ao dialético que pertence a tarefa de ordenar e dirigir os conceitos reais da mente e suas denominações racionais[15] e relações nas quais são fundadas; ao filósofo também compete estudá-las na medida em que é através delas que investiga, não só a elas mesmas, mas as operações do intelecto, não só direta, mas discursivamente para além das reflexas nos objetos. E nesta ciência, finalmente, se estudam as relações antes ditas.
Exposição da terceira opinião
- Abandonadas as opiniões que amplificavam excessivamente o objeto desta ciência, encontramos mais algumas que os restringem demasiadamente. A terceira opinião é diametralmente oposta às anteriores e considera que o objeto próprio desta ciência é o supremo ser real: Deus. A tal opinião refere Sto. Alberto Magno o princípio da Metafísica tomado de Al Farabi, em seu livro De Divisione Scientiarum, e pode ser atribuído também a Averróis em seu Commentaria Physicorum livro I, onde repreende Avicena porquanto afirma este que pertence ao metafísico demonstrar a existência de um primeiro princípio; sem dúvida, – objeta Averróis – não há ciência alguma que prove a existência de seu próprio objeto, e Deus, o primeiro princípio, é objeto de toda a filosofia. Aristóteles, no livro I da Metafísica afirma que esta ciência estuda as primeiras causas e daí as mais divinas, e, como temos visto, a chama de Teologia; e a teologia não é outra coisa que a ciência de Deus; por conseguinte, Deus é o objeto desta ciência; dado que o objeto é precisamente de onde cada ciência adquire sua dignidade e prestância, os atributos e nomes com que tal dignidade a significam, e como Deus é o objeto mais elevado, Ele terá que ser o objeto da mais elevada e digna das ciências.
- Ocorrência de uma objeção. – Não basta o dito de que Deus seja o objeto precípuo desta ciência e que lhe confira dignidade e denominação ainda que não seja precisamente seu objeto adequado. Contra isto urge o seguinte argumento: Primeiro, porque é mais nobre e excelente ter a Deus como objeto adequado que apenas como objeto principal; logo, dado esta ciência ser a mais nobre entre as que podem ser adquiridas com a luz natural do intelecto, deve ser Deus seu objeto adequado. Prova-se a antecedente pois Deus, em sua própria rationem, é mais nobre do que qualquer ratio comum entre ele e a criatura, o que consta por si, visto que Deus é infinitamente perfeito; qualquer outra abstração diz e nem requer tal perfeição; daí que a ciência que contiver a Deus como objeto adequado imediatamente pode versar acerca de alguma razão comum entre Deus e as criaturas; logo, tal ciência será a primeira e mais nobre, dado que sua dignidade advém principalmente do objeto a que tende primariamente. Pode-se confirmar o dito com o exemplo do intelecto divino, que é nobilíssimo e possui apenas a Deus como objeto adequado e nada alcança senão o que se manifesta em Deus ou por seu meio. Similarmente, a visão beatífica é mais nobre na medida em que possui Deus como objeto adequado e por isso atinge Deus e todas as outras coisas sob uma mesma razão comum. E, por fim, tido que a teologia supernaturalis possui como objeto adequado apenas Deus e a revelação; logo, pelo mesmo motivo, Deus, enquanto cognoscível pela luz natural de nossa razão, será o objeto adequado desta teologia natural. Todavia, podemos argumentar que Deus não pode ser o principal objeto desta ciência se não for seu objeto adequado, pois Deus e a criatura não podem coincidir em uma mesma razão comum; logo, não se pode dizer que Deus é o objeto adequado desta ciência, e deve-se excluí-lo enquanto objeto. O antecedente é claro, visto que Deus é um objeto inteligível pertencente a certa ordem muito distinta e eminente do que o poderia ser qualquer objeto criado e, por conseguinte, difere deles mais do que qualquer abstração poderia abarcar em suas razões; logo, não podem os objetos, criador e Deus, convirem como objeto próprio de uma ciência. Ademais, dado que o objeto comum tem prioridade de natureza sobre aqueles contidos sob sua razão, por ser superior a eles e não admitir reciprocidade na ordem da subsistência e nada poder ser superior a Deus, logo, não pode ser este o objeto principal contido sob uma unidade comum; logo, deve ser objeto adequado.
- Solução da objeção. – Caso objete-se que dada ciência não trata apenas de Deus, mas de ouras coisas mais, responde-se dizendo que tais coisas não são estudadas em razão de si mesmas, mas enquanto contribuem ao conhecimento de Deus. Assim que Aristóteles, no livro XII da Metafísica , conclui o tratado de Deus, e todas as coisas que estudou nos livros anteriores referem-se a Ele. Santo Tomás, na Suma Teológica I-II, q.56, a.2[16], e também Cayetano afirmam que esta ciência versa daquele que é o termo último do conhecimento, e que julga de todos os princípios por redução às primeiras causas, às quais interpreta Cayetano como altíssima, e que eminentemente contém as razões primeiras da causalidade, universais e perfeitas simpliciter, como são as causas finais, eficientes e exemplares; não incluem-se as causas materiais e formais por não serem universais e conterem imperfeições.
Rechaço da terceira opinião
- Não podemos admitir esta opinião, pois repugna a Aristóteles e todos os filósofos que o interpretaram, como veremos; repugna, por assim dizer, à experiência e à doutrina que esta ciência professa, e que se julga necessária para sua perfeição e complemento: pois nela se contém e se ensinam muitas coisas que por si mesmas são necessárias para o conhecimento das coisas que não são Deus e para a perfeição do intelecto humano, enquanto capaz de ocupar-se do conhecimento de ditas coisas ou das razões e princípios comuns, e que, pelo contrário, para o conhecimento de Deus pouco ou nada conduzem, não se referem tampouco a isto, seja pelo modo, sela pela razão mesma desta ciência, qualquer que seja, ademais, a intenção do cognoscente. A razão a priori, e é que tal ciência, ao proceder naturalmente, não alcança a Deus como é em si, mas enquanto manifesta-se à luz natural do intelecto humano; igualmente, não pode haver ciência natural alguma que o alcance e o tenha como objeto adequado, visto que a razão pela qual se alcança é sempre comum às demais criaturas. Assim se consta que é verdade o que se diz tratando do fundamento da sentença anterior, a saber: que Deus está contido no objeto desta ciência como o objeto primeiro e precípuo, mas não como objeto adequado.
- Vamos agora responder às instância e réplicas. Sobre a primeira, certamente confessamos que é uma grande excelência para uma ciência ter a Deus de certa forma como objeto e que se dirija essencial e primariamente apenas a ele, e por ele às demais coisas; mas, contudo, dizemos que essas perfeições superam as forças naturais do gênero humano e as das ciências que por meio delas podemos adquirir; por conseguinte, ainda que a metafísica seja a ciência mais nobre dentro de seu escopo, não há porque atribuir-lhe tão grande perfeição. Nem nisto pode ser comparada com o intelecto divino e a visão beatífica; mas, todavia, nem sequer com a teologia sobrenatural, que procede sempre guiada por uma luz mais elevada e desde princípios mais altos. E, apesar de tudo, nem sequer a teologia sobrenatural consta que tenha apenas a Deus como objeto adequado, pois a revelação divina, que é a razão formal sub qua de dito objeto, pode recair igualmente em Deus e nas coisas enquanto a força e a razão do conhecimento, ainda que por razão do fim e excelência da coisa revelada, supere Deus a todas as coisas e, por isso, só ele pode ser chamado objeto principal ou simplesmente objeto, considerando as coisas praticamente e em ordem determinada. Mas isso é assunto para outra ocasião.
- A razão de objeto pode convir a Deus e à criatura? – Ao último pode-se responder que não repugna que Deus, enquanto conhecido pelas criaturas, convenha a elas em alguma razão comum enquanto objeto; pois, ainda que em sua entidade mesma segundo sua natureza diste mais de qualquer criatura do que tais possam distar entre si, contudo, tendo em mente o que se pode conhecer acerca d´Ele através da ciência natural, e à razão e modo com que se pode manifestar a partir das criaturas, pode dar-se certa proporção e conveniência entre Deus e as criaturas que entre quaisquer criaturas entre si. Não se requer, para que se constitua semelhante objeto adequado e que inclua a Deus em sua esfera, que exista alguma coisa ou razão de ente que o seja por natureza anterior a Deus, senão que é suficiente que se dê segundo a abstração ou consideração do intelecto, o qual não envolve repugnância, como mostraremos mais tarde tratando do conceito de ente. Pois do mesmo modo que se pode entender uma certa conveniência ou semelhança imperfeita entre Deus e as criaturas na razão de ente, substância ou espírito, assim também se podem dar alguns conceitos que, segundo a razão, sejam anteriores a Deus na universalidade da predicação; e esta prioridade não é de natureza nem em razão da causalidade, como consta, nem em razão da independência ou prioridade da subsistência, pois qualquer razão comum a Deus e às criaturas, por mais abstratamente que se considere, de tal maneira que se refira a Deus, que não pode existir em realidade, senão no mesmo Deus e com dependência de Deus, e por isso, não pode ser anterior a Deus em natureza.
Refutação da quarta opinião
- Dois testemunhos de Aristóteles a favor desta opinião. – Pelo dito contra as sentenças precedentes, facilmente excluem-se as outras duas como pouco prováveis. A quarta opinião situa a substância enquanto imaterial, incluindo em si apenas a Deus e as inteligências enquanto objeto adequado desta ciência. Tal opinião é atribuída ao Comentador[17] no livro I da Física, no último deles. Mas ali é dito apenas que as inteligências por si pertencem ao objeto desta ciência, mas não que sejam seu objeto adequado. Pode-se nutrir esta opinião atentando-se ao desenvolvimento ou divisão das ciências, pois uma vez omissas as ciências racionais, que podem ser as artes que se ocupam das vozes[18] e dos conceitos, e as ciências matemáticas, que não tratam das substâncias, mas sim da quantidade, entre as ciências que tratam das substâncias a filosofia trata de todas as substâncias em geral, corruptíveis e incorruptíveis, da composta de matéria e forma – como é o homem, composto também de forma imaterial na medida da alma racional – e, finalmente, dos cinco graus ou ordens de substâncias materiais, a saber: os corpos simples, os compostos inanimados, os compostos com vida vegetativa, os com vida sensitiva e os com vida racional – e de todas as suas propriedades[19]. Nada melhor, pois, para estudar a realidade, que as substâncias imateriais; elas são, por conseguinte, as que melhor se adequam como objeto desta ciência. Todo este discurso pode ser primeiramente confirmado pelo duplo testemunho de Aristóteles. Um no livro IV, cap.4 da Metafísica [20], onde se diz que quantas forem as partes da filosofia tantas serão as substâncias. Daí, se são duas as substâncias, materiais e imateriais, duplas são as ciências que filosofam sobre elas; daí, conclui-se que a filosofia primeira é a que contempla a primam substantiam, e., a imaterial. Outro testemunho está no livro VI da Metafísica , no cap.3[21], onde Aristóteles afirma que, se não houvessem substâncias abstratíveis da matéria[22], a filosofia primeira seria a natural e não necessitaríamos de outra que não ela; logo, toda a ratio objetiva desta ciência, que a constitui e distingue, é a substância imaterial; sendo assim, ela há de ser seu objeto adequado. Em segundo lugar, a opinião confirma-se porque comumente se distinguem a filosofia natural, a matemática e a metafísica pela abstração de seus objetos, visto que a física considera as constantes da matéria sensível [res materia sensibili constantes]; a matemática abstrai a matéria secundum rationem, e não secundum esse[23], e por isso se diz que não abstrai a matéria inteligível; a metafísica verdadeiramente abstrai a matéria tanto sensível quanto inteligível, não apenas segundo a razão, mas segundo o ser [non solum secundum rationem, sed etiam secundum esse]; sendo assim, visto que apenas a substância imaterial abstrai-se da matéria segundo o ser, logo, ela é o objeto adequado desta ciência.
- Mas tal sentença, como dito, não possui maior probabilidade que a precedente; daí que não haja autor sério algum que a defenda, visto que todo o raciocínio exposto procede de critério pouco amplo. Prova-se, retamente, que o discurso sobre as substâncias imateriais pertence maximamente à esfera do objeto desta ciência. Prova, ainda, que das substâncias postas na realidade [ex rebus], nenhuma cabe por si e por suas próprias razões sob a esfera do objeto desta ciência senão as substâncias imateriais, como infere-se contra Egídio, como veremos. Mas não prova e nem conclui retamente que a substância imaterial por si seja o objeto adequado desta ciência, dado que da mesma substância imaterial podemos considerar outras razões ou conceitos objetivos mais universais e comuns acerca dos quais pode dar-se uma ciência, posto que a tais razões correspondem seus próprios princípios e propriedades; nenhuma outra ciência além da metafísica contempla as ditas razões; por conseguinte, o objeto adequado da metafísica deve ser designado desde um ponto de vista mais universal. Portanto, ainda que concedamos ao discurso e à indução referidos que todas as coisas materiais, nos aspectos que não convém às imateriais, se conhecem suficientemente pelas demais ciências distintas da metafísica, não se conclui retamente que a substância imaterial, enquanto tal, seja o objeto distinto da metafísica, dado que há razões comuns entre coisas e substâncias que podem levar a cabo suas próprias demonstrações.
- Exposição dos testemunhos de Aristóteles em prol da opinião anteriormente exposta. – O que quer dizer abstrair a matéria segundo o ser. – Tampouco os testemunhos aduzidos de Aristóteles podem concluir algo em contrário; como veremos, frequentemente designamos à metafísica um objeto mais universal que a substância imaterial. No primeiro ponto citado, diz-se apenas que às substâncias materiais e imateriais pertencem a ciências diversas segundo a diversidade de suas razões, mas aquela que estuda as substâncias imateriais goza de prioridade por sua natureza e dignidade; algo daí é verdadeiro, ainda que a substância imaterial por si não seja o objeto adequado desta ciência, mas apenas na medida em que seja considerada de modo próprio apenas por esta ciência, tanto segundo razões imediatas, quanto segundo razões superiores inclusas em si e ainda segundo toda razão inferior ou parte subjetiva que possa ser considerada segundo tal clave. E, posteriormente, quando se diz que si non esset alia substantia superior practer materiales, naturalis philosophia esset prima, neque esset alia scientia neecessaria, diz uma verdade, não pela substância imaterial ser o objeto adequado da filosofia primeira, mas eliminada uma vez esta substância, arrebatam-se em conjunto o objeto adequado e o próprio de tal disciplina, visto que não desapareceria apenas a substância imaterial, mas também todas as razões de ente e substância comuns às coisas materiais e imateriais, e, no caso, ao não haver ente imaterial algum, tampouco há razões de ente que prescindam da matéria segundo o ser e, por conseguinte, nenhuma ciência distinta seria necessária. Daqui também se constata que a segunda opinião não se conclui retamente, posto que não apenas a substância imaterial, mas também toda razão de ente mais abstrata ou elevada que aquela prescinde igualmente da matéria sensível e inteligível segundo o ser, visto que o abstrato da matéria segundo o ser não é outra coisa que o que pode existir verdadeira e realmente na natureza sem matéria; e isto é verdade não apenas para a substância imaterial como tal, mas também para qualquer razão superior, visto que, bastando-lhe para existir a mesma substância imaterial, é claro que pode também existir na realidade sem matéria.
- Poder-se-ia dizer que, ainda que concedamos que tal seja verdade, é diverso o modo de abstração conveniente à substância imaterial em si e às razões superiores; nem a substância ou ente imaterial convém por si positiva ou necessariamente e as razões comuns às substâncias imateriais e tudo sob sua esfera não pode existir materialmente; em verdade, razões comuns como ente, substância, acidentes e similares são permissivos (por assim dizer) et quasi participantes de tais abstrações; podem existir para além da matéria em razão de unir-se a ela como parte de um sujeito, mas não lhes repugna existir materialmente tendo em vista outra parte. A isto se responde que nada obsta que tais razões estejam contidas sob o objeto da metafísica e participem suficientemente de sua abstração, visto que, pelo mesmo fato de razões poderem existir imaterialmente, não podem pertencer a uma filosofia inferior à ciência pertinente – o que é notado de pronto [ut per se notum est]. Não requer tampouco ciência alguma para além, visto que esta seria anterior à metafísica, o que não pode ser endossado por ser a metafísica a prima filosofia, como visto em Aristóteles, e por não haver objeto cognoscível algum mais nobre do que a substancia imaterial, que compreende até a Deus[24]; que fosse essa ciência posterior e inferior tampouco pode ser dito, visto que a ciência que contempla as substâncias imateriais segundo suas próprias razões pode muito melhor contemplar as razões que estão nelas, ainda que sejam comuns às coisas inferiores; adiciona-se, ainda, que a ciência humana e natural não pode alcançar a imaterialidade da substância senão partindo das razões comuns às ditas substâncias e às coisas ordinárias. Daí que o objeto próprio desta ciência satisfaça-se em não incluir em seu conceito objetivo matéria alguma, nem sensível nem inteligível. Se verdadeiramente inclui ademais algum elemento repugnante à matéria, isto pode pertencer a uma maior excelência ou propriedade do objeto, mas não é o que propriamente constitui o objeto adequado. E esta e a precedente opiniões podem ser reduzidas à atingida por Avicena no princípio de sua Metafísica, a saber, a de que a primeira ou as primeiras causas do real [primam vel primas rerum causas] eram o objeto adequado desta ciência. A opinião, tomada deste modo, é de si absolutamente improvável; o modo de cognição das causas pertinente ao dito será dito na secção seguinte.
Proposta de quinta opinião e sua devida refutação
- A quinta opinião, que a fortiori é dita improvável, é em tudo diversa das duas precedentes segundo os sentidos que pode adquirir; diz-se que o ente diviso em dez predicamentos é o objeto adequado desta ciência; duplamente pode-se conceber tal sentido segundo diversas opiniões. Primeiro, supondo que as substâncias imateriais finitas e seus acidentes colocam-se entre os predicamentos, deste modo o objeto seria apenas o ente finito, excluindo somente a Deus da razão de objeto, ainda que não esteja totalmente excluso das considerações desta ciência, ao menos como causa primeira de seu objeto, como defendido pela opinião de Flandria no livro I de sua Metafísica [25]. Outro sentido possível, supõem alguns, é que substância imaterial alguma pode ser posta entre os predicamentos; admitida a suposição, todas são exclusas do objeto, se postulamos que este refere-se somente ao ente diviso em dez predicamentos. A dita conclusão alguns ligam Aristóteles, citando que este, ao determinar o ente como objeto desta ciência no livro IV da metafísica, imediatamente o divide em dez predicamentos no livro V. Aludem, ainda, ao testemunho de Sto. Tomás de Aquino, que por vezes ensina que Deus e as inteligências são considerados pelo metafísico como princípios e causas de seu objeto e não como partes do mesmo. Aferem, ainda, em favor, algumas conjecturas parcialmente refutadas no tratamento da terceira opinião, pois aquelas razões que aparentavam provar que Deus não poderia ser nem o objeto próprio, nem o adequado desta ciência, têm sua autoridade usurpada e são usadas para provar que não pode ser objeto da ciência de modo algum; mas a isso já se respondeu. A parte referida será solucionada durante o exame da opinião verdadeira.
- Deus não apenas é causa dos objetos metafísicos, mas ainda é parte precípua e pertinente desta ciência. – A opinião referida acima é, portanto, falsa e improvável em quaisquer dos dois sentidos, omitindo sobretudo o segundo, dado que pressupõe uma sentença falsa e impertinente para o presente caso, como é a de que as substâncias imateriais finitas e suas propriedades não se colocam entre os predicamentos; tal se afirma sem fundamento algum, posto que em tais coisas há verdadeiros gêneros, diferenças e conveniências unívocas com as coisas inferiores, como mostraremos depois em local adequado. Por fim, nada têm isto que ver com a determinação do objeto de uma ciência; desde quando importa que a coisa esteja ou não em um predicamento para que o seja ou não colocada sob a esfera do objeto de uma ciência? Daí diz-se que, pela mesma razão, se exclui ilegalmente a Deus da esfera de seu objeto, segundo a primeira interpretação, a saber, precisamente por não estar entre os predicamentos; e isto é impertinente. É falso que esta ciência não trate a Deus como seu primo e principal objeto, mas apenas como princípio extrínseco. E o mesmo se há de dizer das inteligências, como claramente o faz Aristóteles, no cap.7 do livro IV da Metafísica, onde afirma que a metafísica supera a filosofia natural por estudar a substância primeira precisamente como objeto principal, pois como um princípio extrínseco é também estudada pela filosofia, como consta no livro VIII da Física. Do mesmo modo, diz Aristóteles no cap.1 do livro VI que, por se dar outra substância superior para além das naturais, deve haver então outra ciência superior à natural e que estenda suas considerações sobre aquela. Se entende, pois, que trata daquela como seu objeto principal, e o mesmo se dá com todos os argumentos aduzidos em favor das terceira e quarta opiniões. Pois Deus é um objeto de algum modo naturalmente cognoscível, (o mesmo se dá acerca das inteligências restantes); logo, pode ser incluso no âmbito de alguma ciência natural, não apenas como princípio extrínseco, mas também como objeto principal; logo, tal dignidade pertence a esta ciência. Prova-se a consequência, não só por ser a primeira mais digna de todas as ciências naturais, excelência da qual não pode ser privada, mas também por não haver outro modo ou via de investigar a Deus por meios naturais que não os próprios desta ciência. Assim se confirma que tal ciência não estuda a Deus enquanto princípio, mas que, após conhecê-lo segundo tais razões, investiga sua natureza e atributos o quanto for permitido pela luz da razão natural, como consta no livro XII da Metafísica; logo, Deus se dá absolutamente incluso como objeto de tal ciência. Confirma-se, ainda, em segundo lugar, pela metafísica ser a mais perfeita sabedoria natural; logo, considera as coisas e causas primas e universalíssimas, e dos primeiros princípios generalíssimos, entre os quais Deus é compreendido, como: Quodlibet est vel non est,[26] e semelhantes; logo é necessário que se aceite a Deus como objeto de tal ciência.
- Nada do que S. Tomás de Aquino ensinou se opõe ao dito, pois, ao dizermos que conhece-se a Deus sob a razão de princípio, não negamos que a ciência trate de Deus como seu objeto precípuo, como facilmente consta do que se disse ou do que inferiremos. Do fato de que Aristóteles tenha dividido o ente em dez predicamentos nada obsta; tal divisão se entende como referente apenas ás coisas colocadas diretamente sob a razão dos predicamentos, e consta que o diviso não é o ente enquanto objeto da metafísica, posto que não inclui apenas o entes diretamente inclusos entre os predicamentos, mas também outras razões transcendentais e análogas, acidentes, formas e similares, e ainda as diferenças entres os entes. Mas se sob tais divisões inteligirmos as capituladas, então Deus pode ser reduzido à substância; logo, a substância, enquanto objeto desta ciência, não exclui Deus ou as inteligências.
Propõe-se a sexta opinião e ajuíza-se acerca dela
- A sexta opinião, atribuída a Jean de Buridan, afirma que o objeto adequado desta ciência é a substância enquanto substância, e., enquanto abstrata da materialidade e da imaterialidade, finitude ou infinitude. Mas que tal objeto não possa contrair-se mais, prova de forma suficiente o que foi dito contra as três opiniões imediatamente anteriores; e que tampouco possa abstrair-se mais, pode-se ver no cap. 5 do livro VII da Metafísica de Aristóteles, onde após dividir o ente em substância e acidente e de dizer que apenas a substância é simplesmente ente [simpliciter ens], conclui: quapropter nobis maxime et primum, et solum (ut dicam) de ente hoc pacto quidnam sit, speculandum est.[27] Tais palavras parecem indicar que apenas a substancia constitui o verdadeiro objeto da metafísica. Do livro XII, a princípio, escreve ainda: speculatio de substancia est, quidem substantia um principia et causae quaruntur[28]. Dos trechos citados, podemos deduzir: comparados a substância e o acidente, resulta que, enquanto a substância é por si, o acidente em verdade é propriedade da substância; logo, dada ciência trata da substância como seu objeto e do acidente como propriedade de seu objeto; logo o objeto adequado de dada ciência nada abstrai para além do modo segundo o qual a substância se dá em si mesma. A consequência patente é de que nada pode ser mais abstrato, nem algo comum direta ou in recto à substância e ao acidente; mas tal designação não se dá, dado que o sujeito adequado de tal ciência não é comum ao sujeito do qual demonstram-se as propriedades e passionalidades mesmas; mas o objeto adequado é aquele do qual demonstramos as propriedades, visto que caso contrário dar-se-iam em tal ciência o sujeito e as propriedades dele deduzidas; de tal razão comum (que viria a dar-se como objeto adequado), nada pode-se demonstrar, o que é absurdo. Sendo assim, dado que a substância e o acidente dão-se como sujeito e propriedade, não é dado objeto algum em tal ciência que seja mais abstrato ou que seja direta e por si mesmo comum a ambos; logo, o objeto adequado terá de ser a substância em si mesma, dado que é per se notum que o acidente não pode ocupar tal função; assim considera-se que tal ciência terá a substância como objeto adequado.
- Pode-se exemplificar e confirmar a declaração do seguinte modo: a ciência que dirige suas considerações ao homem e demonstra suas propriedades não tem por objeto adequado algo comum ao homem e suas propriedades, mas apenas o homem mesmo. Similarmente, a filosofia natural tem por objeto adequado a substância natural, da qual demonstra as propriedades, e não algo comum àquela e a suas propriedades. Logo, deve-se afirmar o mesmo no presente caso acerca da substância do acidente. Se contra isto objetar-se que tal ciência considera a razão de ente em si, por ser mais lata que a de substância, e dela demonstrar propriedades patentemente comuns aos acidentes, responde-se que tal é a princípio análoga e convertível com a substância, sendo o mesmo demonstrado a partir do ente ou da substância; assim o é pelo ente simpliciter não ser algo além da substância mesma, dado que o ente não é uno, mas plurisignificante.
- Esta sentença não deixa de ter algo de verossímil em aparência; e certamente os que negam o conceito objetivo de ente o fazem de certa forma muito consequentemente, dado que se não há conceito objetivo comum à susbtância e ao acidente, nada realmente abstrato pode ser concebido que sirva de objeto adequado desta ciência. Mas não resta dúvida de que tal opinião é simplesmente falsa e que aliena o pensamento de Aristóteles, pois, como se inferirá, é simplesmente mais verdadeiro que se dê um conceito objetivo de ente segundo uma razão abstratível [abstrahibilem]da substância e do acidente e que dele, por si e em si, é possível que uma ciência trate de seu conceito e unidade e demonstre seus atributos; e é isso que tal ciência fará, pois como consta em seu decurso, nenhuma outra o pode fazer dado que não há outra superior ou que considere a razão de ente em tal grau de abstração da matéria segundo o ser; e dado que tal é primeira e abstratíssima, deve convir igualmente à filosofia primeira, a metafísica, como razão objetiva. Logo, a ratio substantiae em si não pode ser a razão objetiva adequada de tal ciência, pois não contém em si a razão de ente, antes ocorrendo o contrário; e como tal razão é, segundo seu conceito, objetiva e diversa da razão de substância, sendo patentemente mais lata e universal do que aquela, possui por conseguinte atributos e princípios mais universais e abstratos; e daí, não pode-se facilmente reduzi-la a ela enquanto objeto adequado, visto que ainda que analogamente, é uma comum, sendo una não apenas em nome, mas ainda como conceito objetivo em sua abstração.
- Daí entendemos que a sentença não procede fundamental e retamente seu decurso. Em primeiro lugar, por supor que o acidente fosse o atributo adequado que tal ciência demonstra de seu objeto adequado, o que é falso, dado que demonstra de seu objeto, em primeiro lugar, atributos mais universais, a saber, unum, verum, bonum[29], assim o é pois não se demonstra nem que o acidente seja passivelmente[30] adequado à substância, posto que há uma que pode existir sem acidente algum. Daqui aludimos que, se a substância fosse o objeto adequado desta ciência do mesmo modo como é o sujeito dos acidentes, não caberia a tal ciência a substância enquanto tal, mas apenas a substância finita, o que é falso, como demonstraremos. Por outro lado, se a substância em si mesma for considerada como adequada, deve-se assinalar quais de suas propriedades podem ser adequadamente demonstradas e quais convém universalmente a todas as substâncias; mas tais não são outras que as comuns ao ente, que, em primeiro lugar, a ele convêm em si mesmo; assim se dá, pois nem a substância finita, nem a infinita possuem atributos comuns que não a rationem subsistendi e a negação de inerência que a acompanha intrinsecamente[31]. Ainda que chamemos a todo acidente de propriedade substância enquanto inere a ela, não implica que tal se siga da razão de substância, do mesmo modo, nem sempre se considera como propriedade o que é demonstrado da substância enquanto sujeito adequado, dado que são admitidas como propriedades apenas aquelas demonstradas como seguindo-se diretamente da razão do sujeito[32]. Por fim, ainda que o acidente em si seja algo que se dá na substância, também pode ser considerado de forma independente; daí que haja ciências que versem prioritariamente sobre eles, como ocorre com a matemática e seu estudo da quantidade.
- O acidente pode ser objeto adequado de alguma ciência. – Por conseguinte, tal ciência, devido a seu caráter universalíssimo, considerará o acidente não apenas como propriedade demonstrável da substância, mas como algo que em si mesmo participa da razão e da propriedade do ente, ainda que o faça como ordenado à susbtância. Sendo assim, não há exemplo similar aos anteriormente aduzidos. Nada do que foi dito por Aristóteles em outras passagens repugna o que foi ensinado, como veremos; não se pretende excluir o acidente, mas antepô-lo a substância e concedê-la a primazia sobre os atributos, como exposto por Sto. Tomás de Aquino[33] e também explicado por Aristóteles no cap. 20 do livro IV da Metafísica [34]e também no VII, se atentamente consideradas; lá lemos: maxime et primum de substantia esse speculandum; e com verdade adiciona et solum, com a limitação ut ita dicam, como querendo significar que exagera na expressão, dado que não tratará apenas dela. De certo modo é verdade que apenas ela há de ser contemplada por si, dado que o acidente será tratado apenas em sua razão.
Definição do objeto adequado da Metafísica
- Deve-se dizer, então, que o ente enquanto ente real [ens in quantum ens reale] é o objeto de tal ciência. É a sentença de Aristóteles no livro IV da Metafísica [35], seguida por princípio por Sto. Tomás, Alexandre de Hales, Duns Scotus, Alberto Magno, Alessandro de Afrodisia e outros mais, como o Comentador[36] no comentário 14 do livro III e no comentário I do livro XII de sua Metafísica; Avicena, no cap.1 do livro I de sua Metafísica; Soncinas[37], na q. 10 do livro IV de sua Metafísica e Egídio Romano na q. 5 do livro I de sua Metafísica, entre tantos outros. Tal asserção tem sido provada ostensivamente pelo afirmado até o momento pelas objeções às demais sentenças na medida em que tal ciência deve compreender Deus e as demais substâncias imateriais, mas não apenas a elas. Deve compreender não apenas as substâncias, mas também os acidentes reais, não os entes de razão e os que sejam totalmente acidentais, mas os que nada são se não considerados enquanto entes; logo, tal é o objeto adequado.
- Dissolução de uma objeção contra a asserção. – A fim de clarificar melhor a afirmação, devemos resolver uma objeção que se oferece de pronto: para que algo seja constituído objeto de ciência, é necessário que se possa demonstrá-lo e exibir que princípios e causas possibilitam sua demonstração; mas ocorre que o ente enquanto ente não pode possuir tais propriedades, princípios e causas; logo… A maior procede, dado que é o múnus da ciência demonstrar as propriedades de seu objeto, as quais devem ser demonstradas por suas causas a fim de se obter uma ciência perfeita, como consta no livro I dos Analíticos Posteriores[38]. A primeira parte da menor também é patente, dado que o ente enquanto ente em tal grau de abstração é algo que inclui em si e essencialmente todos os entes e toda propriedade de todos os entes; logo, não pode possuir uma propriedade específica, dado que o sujeito não pode pertencer à essência de suas propriedades[39]. Quanto à segunda parte, prova-se, pois o ente enquanto ente contempla Deus, que é sem princípio e sem causa; logo, o ente enquanto ente não pode possuir princípios e causas, pois do contrário tais conviriam a todos os entes, dado que o que convém ao superior deve convir aos inferiores nele contidos. Confirmar-se o dito pela metafísica ser ciência nobilíssima; logo, deve possuir objeto nobilíssimo; mas o ente enquanto ente é objeto imperfeitíssimo, por ser comuníssimo e incluir entes ínfimos; daí que muito mais perfeito objeto é a substância, quanto mais a susbtância espiritual, ou Deus.
- Quais propriedades de seu objeto demonstra a metafísica. – Responde-se à objeção negando a primeira parte da menor, dado que o ente, de fato, possui propriedade, se não realmente, ao menos racionalmente distintas, como são os unum, verum e bonum, como mostraremos na Disputa III, em que discutiremos se o ente inclui intrinsecamente e por si tais propriedades; e se o princípio aludido, segundo o qual o sujeito não pode estar incluso na essência de suas propriedades, deve-se restringi-lo às propriedades realmente distintas ou aos ou aos sujeitos que não referem-se a razões transcendentais, ou ainda que tais propriedades não sejam inteiramente reais enquanto referentes ao ente, e que basta, portanto, que o ente não esteja incluso nelas precisamente enquanto ao que elas lhe acrescentam[40]; opinião, como veremos, que é a mais provável. Assim, o argumento pode ser, de fato, retorquido, dado que a pluralidade de propriedades demonstradas em tal ciência não convém de imediato senão ao ente enquanto ente, e da explicação delas que versa grande parte da metafísica; logo, ele é o objeto adequado de tal ciência, dado que o objeto de uma ciência é aquilo cujas propriedades comuns são demonstradas imediatamente por ela.
- Que princípios demonstra. – À segunda parte da premissa menor responde-se que uma ciência requer dupla posse de princípios: os que se dizem complexos ou compostos, que servem para estabelecer uma demonstração; e os que se dizem incomplexos ou simples, que significam os termos que fazem o papel de meio da demonstração a priori. Os primeiros são chamados princípios de cognição, e os segundos, princípios de essência[41]. A dada ciência não faltam princípios complexos; mas, como inferiremos, a ela pertence explicar e confirmar todos os primeiros princípios e determinar o primeiro princípio pelo qual é possível a demonstração. Aos princípios incomplexos, entende-se duplamente: em primeiro lugar, como verdadeiras causas realmente distintas de seus efeitos ou propriedades por ela demonstrados; e tais princípios ou causas não são simpliciter necessários à razão do objeto e nem às demonstrações, como lemos no livro I dos Analíticos Posteriores. Deus, por conseguinte, é objeto de ciência, e acerca dele é possível demonstrar atributos, não só a posteriori, partindo de seus efeitos, mas ainda a priori, coligindo-se uns dos outros, como a imortalidade da imaterialidade, e que seja agente livre, dado que seja inteligente. De outro modo chamamos princípios ou causa aquilo que é razão de outro enquanto sejam concebidos e distintos objetivamente; este gênero de princípio é suficiente como de meio de demonstração, dado ser suficiente para conferir razão formal para que determinada propriedade convenha a uma coisa. Ainda que o ente enquanto ente não possua rigorosamente causas próprias no primeiro modo, possui alguma razão de suas propriedades; e neste sentido podemos tratar de tais razões em Deus, dado que encontramos, por exemplo, a casa da perfeição infinita de Deus em sua unidade, ocorrendo do mesmo modo com as outras. Assim, retorque-se novamente o argumento, dado que o ente enquanto ente é por si objeto de ciência e possui razão formal e princípios suficientes para demonstrar suas propriedades; logo, acerca dele pode versar alguma ciência, que não é outra que a metafísica. Acerca do ponto segundo, se o ente enquanto ente possui de algum modo causas verdadeiras e reais, trataremos na disputa das causas.
- Como se entender a ratio entis como mais ou menos perfeita a seus inferiores. – A confirmação é respondida por Sto. Tomás em Th. I q. 4 a. 2 ad. 2[42], pois, ainda que o ente considerado abstratamente e conceitualmente distinto seja menos perfeito que os graus inferiores que incluem o mesmo ente e outras coisas, o ente considerado simpliciter com tanta perfeição quanto comporte sua ratione essendi é considerado perfeitíssimo. Tal ciência, ainda que por um lado considere a razão de ente precisa e abstrata, não se reduz a ela, mas considera ainda todas as perfeições possíveis ao ente in re, ao menos as que não exijam concreção com a matéria sensível, e deste modo inclui os entes mais perfeitos dos quais se deduz a perfeição máxima desta ciência, caso consideremos a ordem das coisas que considera. Se tivermos em conta, ainda, o método da especulação e a sutileza da certeza da ciência, isto se deduz em grande parte graças à abstração do objeto, a qual concede maior perfeição na razão de ciência em coisas que não possuem tanta perfeição em si mesmas.
Nota do Tradutor.
É a primeira vez que traduzo um texto de Francisco Suárez, que até o momento figura em primeiro lugar na lista de traduções mais trabalhosas que já fiz – daí que peço desculpas antecipadas devido a imperfeições. Algumas das referências do texto latino estavam erradas, mesmo na edição da Gredos (!) que utilizei como apoio, então foi necessário que eu conseguisse uma metafísica trilíngue (Inglês, grego e latim) para descobrir o que nosso autor queria apontar. Os trechos que pude encontrar foram corrigidos e os que não pude foram aproximados até onde minhas capacidades permitiram. Listo abaixo as edições utilizadas para consulta das referências apontadas e ainda outras que utilizei para clarificar o tema através de comentários nas notas de rodapé; espero que sejam de alguma ajuda aos interessados em metafísica.
Caso tal tradução seja bem recebida, espero trazer também outras partes da Disputationes Metaphysicae.
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Bibliografia Utilizada:
- Francisco Suárez – R.P. Francisci Suarez S.J. Opera Omnia: Tomus Vigesimus Quintus Complectens:
- Francisco Suárez – Disputaciones Metafisicas1. Edicion y Traduccion de Sergio Rabade Romeo, Salvador Caballero Sanchez y Antonio Puigcerver Zanon; Madrid, Editorial Gredos, 1960.
- Aristóteles – Categorias. Tradução, Introdução e notas de José Veríssimo da Mata. São Paulo, SP. Editora Unesp, 2019.
- Aristotle – Aristotle´s Metaphysics in English, Latin and Ancient Greek: Trilingual Edition. Copyright 2017 Hermes Language Reference. Smashwords Edition.
- Anderson Alves – Ser e Dever-Ser: Tomás de Aquino e o Debate Filosófico Contemporâneo. São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2015.
- Platão – Diálogos Vol. VI: Crátilo, Cármides, Laques, Menexeno. Tradução e Notas de Edson Bini. São Paulo, EdiPro, 2ª Ed, 2016.
- Santo Tomás de Aquino – Comentário à Metafísica de Aristóteles I-IV – Volume I. Tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga; Campinas, SP. Vide Editorial, 2016.
- Santo Tomás de Aquino – Comentário à Metafísica de Aristóteles V-VIII – Volume II. Tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga; Campinas, SP. Vide Editorial, 2017.
- Santo Tomás de Aquino – Comentário à Metafísica de Aristóteles IX-XII – Volume III. Tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga; Campinas, SP. Vide Editorial, 2020.
- Santo Tomás de Aquino – Comentários aos Segundo Analíticos – Tradução de Anselmo Tadeu Ferreira; Campinas, SP. Editora da Unicamp, 2021.
- Santo Tomás de Aquino – Suma Teológica Vol.1 parte I – Questões 1-43. São Paulo, SP. Edições Loyola. 4ª Ed, 2014.
Bibliografia – extremamente básica – de temas metafísicos
Alerta: por conta da Metafísica ser, a rigor, o “topo” da filosofia, a seguinte bibliografia não é, de forma alguma, indicada para leigos e muito menos serve para que se iniciem os estudos filosóficos. Para entender o motivo de tais restrições, ver Conselhos ao Estudante de Filosofia e O Grão de Mostarda. Teimosos estarão sujeitos a perder tempo, dinheiro e paciência à toa.
- Enrico Berti – Estrutura e Significado da Metafísica de Aristóteles
- Régis Jolivet – O Homem Metafísico
- Régis Jolivet – Tratado de Filosofia Tomo III: Metafísica
- Sto. Tomás de Aquino – O Ente e a Essência
- Caetano de Vio – Comentário ao Do Ente da Essência
- Sto. Tomás de Aquino – Comentário da Metafísica de Aristóteles Vol.I
- Sto. Tomás de Aquino – Comentário da Metafísica de Aristóteles Vol.II
- Sto. Tomás de Aquino – Comentário da Metafísica de Aristóteles Vol.III
- Duns Scotus – Philosophical Writings
- Etiénne Gilson – O Ser e a Essência
- Edward Feser – Scholastic Metaphysics: A Contemporary Introduction
- Tomás Alvira – Metafísica
- Tomás Melendo – Metafísica da Realidade
- Brian Garrett – Metafísica
Notas:
[1] A referência correta, em verdade, é Cap.1 do livro 1 da Metafísica, a saber, 982a1: “É evidente, portanto, que a sabedoria é uma ciência que versa sobre causas e princípios”. [N.T.]
[2] Há três ocorrências do termo prudentia na tradução latina, mas nenhuma delas se encaixa no contexto sugerido por Suárez. Quando ocorre comumente prudentia é traduzida como aptidão e refere-se à capacidade de aprendizado animal e não a uma nota das definições de metafísica. [N.T.]
[3] Na verdade trata-se do cap.1 do Livro VI 1026a 30: “Ora, se, porém, existe uma substância imóvel, esta ciência será anterior, assim, será filosofia primeira e universal, por ser primeira.” O termo ocorre ainda no livro I 993a 15: “Balbutiens enim est visa prima philosophia de omnibus, velut noua existens circa principium et primo”. Ele não surge nos outros pontos indicados por Suárez. [N.T.]
[4] O termo theologia naturalis não ocorre na Metafísica. De qualquer forma, Aristóteles trata de sua Teologia sobretudo no livro XII cap. 7 do mesmo livro. [N.T.]
[5] Ordem do conhecer [N.T.]
[6] A partir do trecho 389a. [N.T.]
[7] Metafísica 1003b1. [N.T.]
[8] No caso do não-ser e das privações, tratam-se de conceitos negativos. [N.T.]
[9] Dialética, para Suárez, é um setor da Lógica. [N.T.]
[10] Os conceitos universais tratam apenas de generalizações dos objetos particulares e não podem tratar do ente enquanto ente senão na medida em que são utilizados para explicar o que se passa no intelecto mesmo. [N.T.]
[11] Appellatur enim hic ens per accidens non in ratione effectus, sed in ratione entis. [N.T.]
[12] P.250 na versão consultada. [N.T.]
[13] Essência, substância separada. [N.T.]
[14] Ou, fundamentum in re. Suárez diz fundamenti quod habent in rebus. [N.T.]
[15] Conceitos, nomes. [N.T.]
[16] A referência não confere. Devido ao tamanho da Suma Teológica, o tradutor foi incapaz de encontrar a referência correta. [N.T.]
[17] Averróis. [N.T.]
[18] No sentido usado nas Categorias de Aristóteles. [N.T.]
[19] Tal classificação é expressa na árvore de porfírio. [N.T.]
[20] A referência indicada por Suárez está incorreta; o trecho visado encontra-se em Metafísica IV cap. 2 1004a1 5: “E quantas forem as partes da filosofia tantas serão as substâncias. Assim, uma delas deve ser a primeira, e a outra, segunda.” [N.T.]
[21] A referência indicada por Suárez está incorreta; o trecho visado encontra-se em Metafísica VI cap.1 1026a1 25: “Portanto, se não houvesse uma substância diversa além das que constituem a natureza, a física seria a ciência primeira.” [N.T.]
[22] […] si non essent substatiae secundum esse abstrahentes a materia… [N.T.]
[23] Segundo a razão e não segundo seu ser enquanto ser. [N.T.]
[24] Ou que inclui Deus em sua esfera de compreensão. [N.T.]
[25] Dominicus de Flandria ou Dominique de Flandres, dominicano e escolástico francês de matriz tomista. Viveu entre 1425 e 1479. [N.T.]
[26] Algo é ou não é; trata-se do princípio do terceiro excluso. [N.T.]
[27] Tal trecho não se encontra no local indicado; o correto é cap. 1 livro VII, 1028a1 10-15: “Contudo, é evidente que, de todos os sentidos ditos de ente, o primeiro deles é a qüididade, que significa a susbtância” [N.T.]
[28] Metafísica 1069a1 18: “A teoria é sobre a substância, pois investigamos os princípios e as causas das substâncias.” [N.T.]
[29] A saber, os transcendentais, ou propriedades comuníssimas e convertíveis do ser. [N.T.]
[30] Adequata passio. [N.T.]
[31] Pela substância ser o que subsiste em si mesma, ela possui razão de subsistência; e por ter tal razão, ela não pode inerir em outro, o que, a saber, é a principal propriedade dos acidentes. [N.T.]
[32] Em linguagem kantiana, só se admitem as propriedades que sigam a priori do conceito mesmo do sujeito, o que seria, a saber, um juízo analítico a priori. O que Suárez quer dizer é que do conceito de substância não se segue o de acidente, ainda que o acidente adeque-se à susbtância; para empregar novamente a linguagem kantiana, o acidente se daria como algo advindo da experiência e que liga-se sinteticamente ao conceito de substância e que se daria, portanto, em um juízo sintético. [N.T.]
[33] Como exemplo tomista, pode-se apontar Comentário à Metafísica de Aristóteles livro IV lição 4. [N.T.]
[34] Não há cap. 20 no livro IV da Metafísica , e nem o trecho citado ocorre na edição latina do livro. O mais próximo que encontramos se dá no livro IV cap. 2 1003b1 15: “é, pois, evidente que os entes, enquanto entes, são investigados por uma ciência. Ora, a ciência propriamente investiga o primeiro, do que depende e pelo que se diz o resto. Se, pois, isso for a substância, o filósofo deverá conhecer os princípios e causas das substâncias”. [N.T.]
[35] Metafísica 1003a 20-30: “[1003a] [20] Há, porém, uma ciência que considera o ente enquanto ente e as propriedades que lhe convêm enquanto tal. Ora, esta ciência não é parte de nenhuma das particulares. De fato, nenhuma delas considera universalmente o ente enquanto ente, mas, de fato, alguma parte sua [25] separada, pois essas consideram os acidentes do ente, por exemplo, a ciência matemática. Ora, porque investigamos os princípios e as causas supremas, é evidente que eles devem ser de uma natureza por si. Se, portanto, também os que investigavam os elementos dos entes buscavam esses princípios, deve ser porque os elementos dos entes [30] não eram do ser acidental, mas do ente enquanto ente. Por isso, nós também devemos investigar as primeiras causas do ente enquanto ente.” [N.T.]
[36] Averróis. [N.T.]
[37] Paul Soncinas ou Paulus Barbus foi um filósofo e frade dominicano. Chamado Soncinas por ter nascido em Soncino, na Lombárdia [Itália]. Viveu entre 1457 e 1495. [N.T.]
[38] Analíticos Posteriores 1,4 71b9-72a5. [N.T.]
[39] Dito de outro modo, o sujeito não pode estar em seus acidentes; seria como se a susbtância fosse acidente de si mesma, o que é absurdo. [N.T.]
[40] Há três modos segundo os quais adiciona-se algo ao ente: do primeiro, quando algo une-se a ele em razão de acidente (união acidental); do segundo, quando contrai-se algo ao ente em razão de especificação (união contraente); do terceiro, de forma meramente conceitual. As razões transcendentais acrescentam-se segundo o terceiro modo. Explicações mais extensas podem ser encontradas no livro Ser e Dever-Ser: Tomás de Aquino e o Debate Filosófico Contemporâneo p.109 [N.T.]
[41] Principia cognitionis e principia essendi. [N.T.]
[42] “Quanto ao 2º, pelo exposto fica clara a resposta – Ou se deve acrescentar que o bem se estende ao que existe e ao que não existe, não como predicado, mas como causalidade, se entendemos ‘o que não existe’, não como o absolutamente nãoexistente, mas como o que se encontra em potência e não em ato. Com efeito, o bem tem razão de fim, no qual repousa não apenas o que está em ato, como também para ele se move o que não está em ato, mas apenas em potência. Mas o ente não implica uma relação de causalidade exceto de causalidade formal, inerente ou exemplar, e essa causalidade se estende unicamente ao que está em ato.” [N.T.]
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