por Claudionor Batista
José Maurício de Carvalho é tão conhecido ultimamente quanto algum filósofo hispano-americano não ligado a filosofia da libertação,[1] tentaremos mudar um pouco isso, resenhando duas das suas muitas obras sobre a filosofia do Brasil.
Antes das resenhas, uma introdução biográfica: “É professor titular aposentado da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), Professor do Centro Universitário Presidente Tancredo Neves — UNIPTAN, membro do Instituto de Filosofia Brasileira, do Instituto de Filosofia Luso-brasileira com sede em Lisboa, da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos. […] Tem experiência como professor de Filosofia, com ênfase em Filosofia Contemporânea: cultura, educação, ética e fenomenologia e como Psicólogo Clínico, atuando em consultório.”[2]
Dito isso, resenharemos primeiro o Curso de Introdução a Filosofia Brasileira, escrito quando ainda se tinha uma matéria sobre a Filosofia no Brasil nas grades universitárias, e, com o intuito de ajudar interessados, mas não especialistas na matéria.
A introdução do curso é dividida nos seguintes sub-tópicos: o primeiro, criação filosófica; o segundo, momentos marcantes da filosofia brasileira — um curto, mas interessante resumo da filosofia realizada neste país até aquele momento —; o terceiro, exame dos caminhos da razão — num grosseiro resumo: a razão pela qual a história da filosofia deve ser estudada, e especialmente, seus autores afinal de acordo com ele “cada autor tem relativa autonomia no curso da história do pensamento, tem valor e pode ser examinado por si mesmo.” — e o quarto, considerações gerais sobre a história da filosofia brasileira, que nos traz uma advertência muito importante, i.e., que: “ao examinarmos os rumos da filosofia brasileira não estamos isentos de estudar os grandes mestres da filosofia universal nem o movimento filosófico moderno em suas múltiplas manifestações. Muito temos a aprender com eles. Podemos sempre estabelecer diálogos interessantes e criativos. Não devemos voltar as costas ao que está sendo produzido em outros países, primeiro porque o mundo avança rapidamente para nova integração, não nos moldes do vivido na Europa Medieval, mas avança; depois, porque é importante conhecer aquilo que nossa tradição não privilegia, até para entendê-la melhor, para enriquecê-la, para ampliar nossa visão da humanidade do homem.”[3] e, por fim, indicação metodológica.
Falando do curso em si, há uma seleção boa, mas não acrítica, eis, por exemplo, a lista dos filósofos estudados no curso: Silvestre Pinheiro Ferreira, Eduardo Ferreira França, Domingos Gonçalves de Magalhães, Diogo Antônio Feijó, Tobias Barreto, Silvio Romero, Alcides Bezerra, Luis Pereira Barreto, Ivan Lins, João Cruz Costa, Creusa Capalbo, Leonardo Van Acker, Urbano Zilles, Vicente Ferreira da Silva, Carneiro Leão, Gerd Alberto Bornheim, Djacir Menezes, Miguel Reale, Antônio Paim e Roque Spencer Maciel de Barros. Todos eles possuem uma curta biografia/apresentação de seu trabalho e questões discutidas em suas obras, incluso o contato direto com as fontes primárias e um pequeno questionário ao fim de cada temática tratada pelo autor. Tudo isso é maravilhoso, mas eis um problema na escolha dos autores; porque colocar Alcides Bezerra, que tem sua contribuição especialmente para defesa da filosofia brasileira no seio da tradição ocidental filosófica, mas creio que seria mais interessante colocar um capítulo sobre um outro filósofo porque o curso já têm muitos culturalistas, um exemplo; alguém feito Jorge Jaime que já tinha lançado dois dos seus quatro volumes da História da Filosofia no Brasil e as suas Obras Filosóficas em quatro volumes, ou Jackson de Figueiredo, entre outros nomes. Tudo isso sem entrar em discussões retroativas para falar da quase ausência de marxistas, de um estudo maior sobre nossa fase colonial no início da descoberta da terra tupiniquim antes do Silvestre.
Isso não elimina o fato de José ter escrito um curso de peso, grande marco nos estudos filosóficos brasileiros, especialmente para a época, que ainda tinha certos problemas em aceitar a existência da filosofia no Brasil.
Contribuição Contemporânea à História da Filosofia Brasileira; Balanço e Perspectivas.
Parafraseando José é um trabalho nascido para “sistematizar as principais contribuições ao estudo da filosofia brasileira na presente geração”[4] do V Encontro de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira realizado em setembro de 1997, originalmente apresentada como História da filosofia brasileira; balanço e perspectivas, que, devido à intensa e produtiva dinâmica foi necessário uma atualização, tanto por causa dos dados expostos pelos resultados das pesquisas quanto ao volume das publicações noticiadas ou lançadas, sendo lançada posteriormente, com a oportunidade dada pela Editora UEL, com o nome atual de Contribuições contemporâneas à história da filosofia brasileira; balanço e perspectivas.
Não existe o estilo mais introdutório, porque o curso só será feito dois anos mais tarde — a publicação das Contribuições é de 1998 —; o que se têm é um estudo aprofundado da existência da filosofia nacional, do seu nascimento a partir da cultura, a história e seus problemas. Isto são alguns dos tópicos tratados no capítulo dois, havendo também uma análise dos autores que José acredita terem chego numa compreensão madura — não à toa este é praticamente o nome do capítulo —, desde Silvestre Pinheiro da Fonseca até Raimundo de Farias Brito.
No capítulo três, Indicações sobre os principais estudiosos contemporâneos da filosofia brasileira, temos diversos filósofos, dentre eles: Creusa Capalbo, Urbano Zilles, Vicente Ferreira da Silva, Miguel Reale e Antônio Paim, sendo entregue a estes últimos maior espaço — tudo isso com citações dos textos originais, em vez de trechos completos dos autores e explicações do José.
Terminamos com a parte de perspectivas com quatorze pontos diferentes de pesquisa para um aprofundamento da questão da filosofia nesta terra, trazendo esses pontos para os dias atuais eles podem ser expandidos com novas perguntas, por exemplo: “qual o impacto de Eric Voegelin na filosofia brasileira?” — creio, porém, que devemos responder primeiro às antigas colocações.
O livro conta, ainda, com um apêndice dotado de teses e dissertações em andamento — que, espero, que sejam estudadas hoje em dia.
Contudo, há um grave problema que permeia ambos os livros, a falta de revisão; aparece em algumas páginas um irritante espaço duplo em palavras e sinais de pontuação; no Contribuição ainda há o agravante de que a localização das páginas ditas pelo sumário não bate com o texto. Há uma segunda edição desse livro, que não tive contato, porém, considerando que alguns erros persistem no Curso, é difícil acreditar que tenham sido solucionados. Falando nele, há o problema da colagem das folhas, não permitindo que sejam completamente abertas, — sei que isso não tem relação com revisão, mas é bom avisar, caso alguém se interesse pelo livro, tirando outros erros presentes nas obras que, espero, sejam resolvidos numa futura nova edição.
Apesar de todos esses problemas, rogo que o leitor não se sinta desencorajado e nem desmereça o trabalho hercúleo e de grande importância de José Maurício de Carvalho, especialmente por ser um dos poucos que chegaram à era contemporânea, (apesar de suas falhas) ainda tão mal documentada, e sua explicação e análise dos filósofos antigos deve ser considerada hoje em dia. Mas, feito dito anteriormente, deve ser atualizada com as descobertas mais recentes.
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Notas:
[1] Iniciado na Argentina nos começos da década de 1970, tem como seu formadores e principais expoentes os seguintes filósofos: Osvaldo Adelmo Ardiles, Mario Casalla, Horacio Cerruti Guldberg, Carlos Cullen, Enrique Dussel, Rodolfo Kusch, Arturo Andrés Roig, Juan Carlos Scannone, e Julio de Zan – Dussel é o mais conhecido em terras brasileiras – que escreveram Hacia una filosofía de la liberación latinoamericana em 1973, sendo a base do movimento filosófico. Ela se caracteriza como “… un nuevo modo de reflexión filosófica concreta, histórica e inculturada, enraizada en la praxis liberadora, como contribución teórica a la misma. Pero no por plantearse desde una perspectiva Latinoamericana Deja Sin embargo de pretender validez universal, aunque se trata de una universalidad situada (según La expresión creada por Mario Casalla). […] Desde sus primeros planteos ese filosofar intentó superar tanto la mera relación sujeto-objeto como la pura dialéctica “opresión-liberación”. Lo hizo a partir de la exterioridad, alteridad y trascendencia ético-históricas del otro, del pobre, inspirándose en Lévinas, pero reinterpretándolo desde América Latina, en cuanto pensó al pobre no sólo en forma personal y ética, sino también social, histórica, estructural, conflictiva y política.” Scannone, Juan Carlos (2009). “La filosofía de la liberación: historia, características, vigencia actual”. Teología y Vida L: 59-73. Veja, portanto, que ela vai para algo mais “social” do que “filosófico”.
[2] http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoaj/jose-mauricio-de-carvalho acesso Em 19 de maio de 2024.
[3] op. Cit. P. 18.
[4] op. Cit. P. 15
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