Tradução, Notas e Comentários de Helkein Filosofia
- Princípio de Razão Suficiente do Conhecer
O pensamento, strictu sensu, não consiste na mera presença de conceitos abstratos na consciência, mas num enlace e numa distinção entre dois ou mais conceitos submetidos a uma multiplicidade de regras e modificações, como indicado na lógica da doutrina dos ajuizamentos [Lehre von den Urtheilen]; assim, a relação entre conceitos, tanto pensada quanto expressa de forma clara, recebe o nome de juízo [Urtheil]. Impõe-se, novamente, o princípio de razão suficiente quando tratamos de juízos, mas agora de modo distinto do tratado no capítulo anterior, a saber, enquanto princípio de razão suficiente do conhecer, principium rationis sufficientis cognoscendi, cujo conteúdo enuncia que um ajuizamento que expresse um conhecimento deve possuir uma razão suficiente em virtude da qual receberá o predicado de verdadeiro [Wahr]. A verdade é, assim, a relação entre um juízo e algo diverso que lhe confere seu fundamento [Grund] e que, como veremos adiante, subdivide-se em variadas espécies.[1] Posto o juízo se apóia num princípio, o termo alemão Grund foi bem escolhido, pois no latim e em seus derivados, o significado de “razão de conhecimento” [Erkenntnißgrund] coincide com o de “razão” [Vernunft]; enquanto tal, de forma que ambos os sentidos são inclusos em ratio, ragione, razón, raizon e em reason. Assim fica evidente que a principal função da razão se encontra no conhecimento das razões dos juízos; eis sua operação κατ΄ εξοςηˆεν. As razões nas quais podemos apoiar juízos podem ser distintas em quatro espécies, cada qual diferindo na forma de verdade contida no ajuizamento, feito veremos nos quatro parágrafos a seguir.
- Verdade lógica
Caso um juízo tenha outro por fundamento, segue que o modo de sua verdade é lógica ou formal; nisto, resta decidir se contém, ainda, uma verdade material, o que ocorre quando o juízo que o sustenta possui uma verdade deste jaez ou que ela esteja inclusa na série de juízos em que se insere. – a fundamentação de um juízo por outro nasce, sempre, de uma comparação, seja em sua conversão, contraposição ou adjunção de um terceiro, de forma que da relação entre os dois últimos resulta na verdade do juízo que se quer fundar: a esta operação chamamos silogismo completo, [vollständige Schluß] efetuado tanto pela oposição quanto mediante a subsunção de conceitos. O silogismo, enquanto fundamentação de um juízo por outro mediante um terceiro, refere-se sempre a ajuizamentos, ergo, enlaces conceituais que são o objeto próprio da razão e, por isso, se diz que a silogística é a sua operação distintiva. Toda a silogística se reduz ao conglomerado de regras de aplicação do princípio de razão suficiente ao ajuizamento e, portanto, compõe o cânone da verdade lógica [logischen Wahrheit].[2]
Devemos apontar, ainda, enquanto fundamentados por outros juízos, aqueles cuja verdade resulta das já conhecidas quatro leis do pensamento, posto que são elas mesmas são juízos dos quais se seguem outras verdades. Assim, por exemplo, o juízo “o triângulo é um espaço encerrado por três linhas” possui, enquanto fundamento último, o princípio de identidade, digo, o conteúdo que [o princípio] expressa.[3] [Outrossim, o juízo] “corpo algum é inextenso” tem por fundamento princípio de contradição [e, por fim] o juízo “todos os juízos são verdadeiros ou falsos” enraíza-se no princípio do terceiro-excluído. Por fim, o juízo “nada pode ser admitido como verdadeiro sem um motivo” tem por fundamento o princípio de razão suficiente do conhecer. Segundo o uso habitual da razão, serão aceitos como verdadeiros os juízos que se originarem das quatro leis do pensamento sem que se reduzam a elas enquanto suas premissas, posto que a maior partes dos homens sequer ouviu falar de leis abstratas; entretanto, daí não segue que tais ajuizamentos sejam independentes de ditas leis enquanto suas premissas, feito quando uma pessoa diz: “caso tiremos o apoio deste corpo, ele cairá”, tal juízo, ainda que possível em que seu emissor tenha consciência do princípio de que “todos os corpos tendem ao centro da terra”, nem por isso o ajuizamento independe se seu princípio enquanto premissa. Portanto, não posso aprovar que, na lógica, se atribua uma verdade intrínseca [innere Wahrheit] aos juízos fundados unicamente em leis do pensamento, digo, que haja ajuizamentos verdadeiros de imediato, distinguindo, assim, uma verdade lógica intrínseca [innere logischen Wahrheit] de uma verdade lógica extrínseca, [äußern logischen Wahrheit] arrazoada noutro juízo. Toda verdade consiste na relação de um juízo com algo que lhe externo;[4] nisto, a verdade intrínseca é uma contradictio in adjecto.
- Verdade Empírica
Representações da primeira classe, i.e., intuições obtidas mediantes os sentidos – ergo, empíricas – podem servir de fundamento para ajuizamentos que, por conseguinte, conterão uma verdade material que, no caso em que o juízo é fundado imediatamente na experiência, possui uma verdade empírica [empirische Wahrheit]. Dizer que um juízo contém uma verdade material significa, geralmente, que seus conceitos estão interligados, separados ou regrados se forma que impliquem a presença de representações advindas da intuição enquanto fundamento. Conhecer isto é a operação própria do ajuizamento [Urtheilskraft] enquanto mediador entre a faculdade das intuições e a do conhecimento abstrato ou discursivo, i.e., entre o entendimento e a razão [Verstand und Vernunft].
- Verdade transcendental
As formas do conhecimento intuitivo empírico, residentes no entendimento e na sensibilidade pura, podem ser, conforme as condições de possibilidade da experiência em geral, fundamento [Grund] de um juízo que será, por conseguinte, sintético a priori; mas, posto que um juízo desta cepa possui uma verdade material, segue que tratamos de uma verdade transcendental [Transscendentale Wahrheit], pois o juízo não se enraíza apenas na experiência mas também em sua condição de possibilidade. Tais juízos são regrados por aquilo que determina a experiência mesma, a saber, as formas puras do espaço e do tempo, intuídas a priori, ou pela anteconsciente[5] lei da causalidade. Podemos tomar como exemplo de tais juízos as seguintes proposições: duas linhas retas não encerram espaço algum; nada sucede sem alguma causa; 3×7=21; a matéria não pode nascer ou morrer. A matemática pura, a tábula dos predicáveis[6] a priori no Tomo II de O Mundo como Vontade e como Representação e a maior parte das proposições kantianas postas em seu Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza[7] podem ser aduzidas como prova desta verdade.[8]
- Verdade metalógica
Por fim, as condições formais de todo o pensamento, enquanto residentes na razão, podem ser o fundamento de um juízo cuja verdade será, então, de tal índole que, creio, o melhor modo de designá-la seja como verdade metalógica, [Metalogische Wahrheit] expressão que nada tem que ver com o Metalogicon de João da Salisbúria[9], escrito do século XII cujo prólogo contém o dito: quia Logicae Suscepi patrocinium, Metalogicus inscriptus est liber[10] – e, então, nada mais diz acerca de tal palavra. Apenas quatro juízos advém da verdade metalógica, tendo sido encontrados, há tempos, por indução e, assim, chamados de leis do pensamento – ainda que não haja unanimidade acerca de suas formulações ou número, os filósofos estão de acordo sobre o que designam de um modo geral. Os juízos metalógicos são os seguintes:
- Um sujeito é igual à soma de seus predicados, ou a=a.
- Nenhum predicado pode afirmar e negar algo sobre um sujeito segundo o mesmo aspecto, ou a= -a =0.
- De dois predicados contraditoriamente opostos, um deve convir ao sujeito.
- A verdade consiste na relação de um juízo com algo externo enquanto razão suficiente.
Que estes juízos sejam a expressão das condições de possibilidade do pensar e, por conseguinte, seu fundamento, eis algo conhecido mediante reflexão. Caso tentemos contrariar tais leis, a razão mesma as reconhecerá enquanto regra de seu funcionamento e, assim, perceberemos que burlá-las é algo tão impossível quanto mover um membro na direção contrária das articulações. Se fosse possível que intuíssemos a nós mesmos, então tais leis seriam conhecidas de imediato e não precisaríamos conhecer, primeiro, os objetos submetidos a elas. Tentemos pensar, por exemplo, numa mudança sem causa ou no surgir, ou aniquilar, da matéria; o absurdo se torna impossível de ignorar e, em verdade, jaz aí a percepção de sua impossibilidade objetiva, ainda que suas raízes residam no intelecto mesmo, pois do contrário não a poderíamos pôr a lume por vias subjetivas. Notamos, em geral, que entre as verdades transcendentais e as metalógicas há semelhanças entre as suas relações, o que aponta para uma raiz comum; agora vemos o princípio de razão suficiente principalmente enquanto verdade metalógica após sua aparição como transcendental e, contudo, no próximo capítulo, ele será exposto novamente feito transcendental. Por isto, neste tratado, me esforço por estabelecer o princípio de razão suficiente enquanto juízo equipado de um enraizamento quadrúplice e não por meio de quatro razões diferentes que culminam num mesmo ajuizamento. As outras três variantes de verdade metalógica são tão semelhantes entre si que, ao examiná-las, somo levados a buscar por uma expressão que as reúna, como fiz no tomo II de minha obra capital[11]. Não obstante, diferem muito do princípio de razão suficiente. Caso queiramos encontrar para as outras três verdades metalógicas um análogo para com as verdades transcendentais, então utilizaríamos este: a substância, i.e., a matéria, permanece.
- Sobre a Razão
Posto que o tipo de representação considerada neste capítulo refere-se apenas ao homem – e, feito tudo o que tão bruscamente o diferencia dos animais – e, portanto, enraíza-se – como demonstrado – em sua capacidade de representar, que constitui e manifesta aquela razão tão celebrada enquanto privilégio humano, da mesma forma, aquilo que em todos os tempos os povos expressaram como obras da razão, do λογος, λογιµον λογιστικον, ratio, la ragione, la razon, la raison, reason, pode ser reduzido, evidentemente, ao possibilitado pelo conhecimento abstrato, discursivo, reflexivo, conectado às palavras e mediato – mas não àquele meramente intuitivo, imediato, sensível, participado também pelos animais. Cícero equipara, muito justamente, ratio et oratio (De Offic., I,16)[12], e a descreve como quae docendo, discendo, communicando, disceptando, judicando, conciliat inter se homines, etc. mesmo é dito em De Natura Deorum II,7[13]: rationem dico, et, si placet, pluribus verbis, mentem, consilium, cogitationem, prudentiam; e ainda em De Legibus I,10[14]: ratio, qua uma praestamus beluis, per quam conjectura valemus, argumentamur, refellimus, disserimus, conficimus aliquid, concludimus. A razão foi considerada, desta forma, por todos os filósofos[15], e mesmo Kant a definiu como a faculdade dos princípios e inferências. A respeito da unanimidade dos filósofos acerca da verdadeira natureza da razão, em oposição àquela falsificação erigida pelos professores de filosofia, explico em meu O Mundo como Vontade e como Representação Tomo I §8[16] – e em seu Apêndice, pp.577-585; trato do mesmo assunto no Tomo II cap.6[17] e, finalmente, em Os dois Problemas Fundamentais da Ética pp.148. Portanto, não me repetirei aqui; anexarei, apenas, algumas considerações.
Os professores de filosofia supuseram oportuno alterar o nome da faculdade de pensar e examinar reflexivamente mediante conceitos, aquela que distingue o homem do bruto, que exige a linguagem, nos capacita a falar e da qual depende nossa capacidade de concentração – e também todas as obras humanas –, entendida da mesma forma por todos os filósofos de todos os tempos, deixando de chamá-la simplesmente de razão, para, contra o bom uso do juízo, trocar a nomenclatura para entendimento – e, inversamente, chamar tudo o que pertence ao entendimento de racional. Eis algo torpe, feito notas em falso numa orquestra. Em todos os tempos e lugares chamamos de entendimento, intellectus, acumen, perspicacia, sagacitas, etc., aquela faculdade imediata e intuitiva – que, a propósito, estudamos no capítulo anterior, assim como os efeitos resultantes de sua atividade enquanto especificamente distintos daqueles advindos da operação racional – posto que são manifestações de dois componentes do espírito completamente diferentes.
Entretanto, os professores de filosofia resolveram fazer pouco-caso disto e, por conta de sua política exigir tais sacrifícios, disseram: “Fora, verdade! Aqui cultivamos objetivos mais elevados e preciosos; sendo assim, fora, daqui, in majoren Dei gloriam! Tu não nos paga soldos ou honorários. Vá para algum canto e cuide de tua vida.” Não obstante, eles precisavam da autoridade outorgada pelo nome razão para acobertar uma faculdade inventada, apócrifa ou, para dar nome aos bois, espúria, de que precisavam para se esgueirar para fora da jaula imposta por Kant; uma faculdade de conhecimentos imediatos, metafísicos[18], i.e., elevados para além de toda a possibilidade da experiência e que penetram, portanto, no mundo das coisas em si [Welt der Dinge an sich]e de suas relações,[19] se forma que seria, ante tudo, uma “consciência de Deus” [Gottesbewußtseyn], isto é, conhecendo de imediato ao Senhor e descobrindo, a priori, como Este criou o mundo – e, como se não o bastasse, como por, mediante um processo vital, criou a até certo ponto e, tanto mais conveniente quanto cômico, segundo o costume de tais honoráveis senhores costumam no final de suas conferências, como Ele “despachou” [entlassen] o mundo a fim de que marchasse para onde preferisse. É verdade que, para esta última, foi imprescindível a audácia de um descarado vomitador de absurdos feito Hegel, de forma que tais disparares preenchem, sob o nome de conhecimentos racionais, pilhas e mais pilhas de livros ditos “filosóficos” e científicos que repetem tais chavões ad nauseam. Já a razão, a qual se atribuem tais saberes, é definida como a “faculdade do suprassensível” [Vermögen des Uebersinnlichen], “das idéias” [der Ideen], ou melhor, aquela faculdade oracular residente em nós com um único objetivo: criar a metafísica. Não obstante, a despeito do modo de percepção de tais magnificências suprassensíveis, ocorre, há cinqüenta anos, grandes divergências entre seus adeptos: os mais ousados advogam pela existência de uma intuição racional [Vernunftanschauung] imediata do Absoluto, ou, ad libitum, do infinito e de sua marcha para o finito. Já outros, modestos, crêem que tal faculdade não vê ou escuta, posto que não intui diretamente, mas apenas “capta”[20] [vernimmt] o que ocorre na cucolândia das Nuvens[21] [wolkenkukuksheim] (νεφελοκοκκυγια) e, então, o transmite para o entendimento que, depois, coloca tudo em tratados filosóficos. É desta suposta “captação” que Jacobi quis derivar, mediante certo joguete de terminológico, o termo razão, como se não fosse claro que este advém da linguagem e das palavras que condiciona – e não mera audição, também possuída pelos animais. Contudo, tal desgraça prospera desde meio século, e o sujeito é conhecido feito pensador sério e detentor de axiomas demonstrados e repetidos mil vezes. Por fim, de acordo com aqueles mais humildes, a razão não pode “captar” e nem recebe a visão ou a descrição de todas as glórias que mencionamos, tendo delas apenas um pressentimento, termo do qual sumiram com o “d” e obtiveram um toque de niaiserie[22] peculiaríssimo[23], pelo qual os atuais apóstolos do saber não poderiam deixar de nos presentear.
Meus leitores sabem que não admito que a palavra ideia seja usada senão em seu sentido originário, platônico, minuciosamente explicado no terceiro livro de minha obra capital.[24] Os franceses e os ingleses empregam o termo idée ou idea em sentido trivial, ainda que extremamente claro e preciso; por outro lado, quando sobre ideias [ideen] (em especial quando pronunciado como Uedähen), com um alemão, este começa a rodopiar em torno de si e abandona todo e qualquer discernimento, fato aproveitamos por nossos adeptos da intuição racional, dentre eles o mais conhecido e descarado charlatão da face da terra, Hegel, que nomeia, sem mais, ideia o seu princípio do mundo e de todas as coisas – e do qual todos acreditam, de fato, ter algum significado. Entretanto, caso o leitor não se deixe desconcertar, peço que lhe pergunte o que tais idéias cuja faculdade é a razão; daí virá aquela pomposa explicação, confusa e rica de um palavrório dotado de períodos de tal largura que, se o ouvinte não dormir na metade, será hipnotizado de modo que crerá ter aprendido alguma coisa – ou, então, suspeitará de que está diante de algo muito semelhante a uma quimera.
Nota do Tradutor
O seguinte texto corresponde aos capítulos §29-§34 do livro Ueber die vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde, que ganhou, recentemente, uma versão brasileira nomeada Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente, Para a presente tradução, consultamos as seguintes edições:
- The Fourfold Root of the Principle of Sufficient Reason and On the Will in Nature. Translated by Karl Hilldebrand. Revised Edition, London, George Bell and Sons, 1903
- De la Cuádruple Raíz del Principio de Razón Suficiente. Traducción de Leopoldo Eulogio Palacios. 1º Edición, Madrid, Editorial Gredos, 1981.
- Ueber die Vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde. Leipzig, F.U. Brockhaus,1864
Bônus: Recomendações de leitura ao interessado em Schopenhauer
comentário: Como tantas vezes comentado, possuo uma relação de amor e ódio com Schopenhauer; isso ocorre por, ainda que seja um filósofo que vai na direção contrária de tudo o que é postado por aqui, sua leitura sr extremamente frutífera para o estudante amadurecido. É muito raro que, em nosso dias, encontremos pessoas que diferenciem os filósofos dos quais se desgosta dos filodoxos; é perfeitamente possível não gostar do Schopenhauer (e, como eu, descartar metade de sua obra) mas é impossível não admitir que ele foi um grande filósofo. Por mais que algumas de suas teses andem tortas por linhas retas, a atenção a seus raciocínios é clara e instrutiva; isso não acontece com filodoxos. Sendo assim, apresento aqui algumas sugestões de leitura aos interessados no nosso filósofo rabugento.
Adolphe Bossert — Introdução à Schopenhauer
Arthur Schopenhauer — Metafísica do Belo
Comentário: A introdução do Bossert (esse nome não funciona no Brasil) pode ser lida sem pressupostos desde que atentemos principalmente ao componente biográfico. Aqui o estudante entenderá muitos dos motivos que levaram Schopenhauer ao pessimismo e também o que exatamente se quer dizer com este termo. A Metafísica do Belo, ainda que possua um nome um pouco assustador, revela-se como uma ótima introdução ao pensamento schopenhaueriano; isso se dá pois, antes de falar propriamente do belo e como ele se manifesta nas artes, o autor utiliza metade do livro para expor uma versão resumida de suas próprias idéias. Caso o leitor tenha um bom conhecimento de Platão a leitura se torna muitos mais frutífera.
Arthur Schopenhauer — Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente
Arthur Schopenhauer — O Mundo como Vontade e como Representação
Comentário: Schopenhauer comenta em todos os seus livros que o Quadrúplice Raiz deve ser lido como iniciação a seu pensamento; e isso é correto, dado que a divisão quadrúplice do princípio de razão suficiente em princípio do devir, do conhecer, do ser e do agente perpassa toda a sua obra e regra até mesmo a ordem dos capítulos, normalmente organizados por tema, a saber: epistemologia, metafísica, estética e ética, cada um deles regido por uma face do princípio e sempre na mesma ordem. Sendo assim, é absolutamente impossível entender Schopenhauer sem ter entendido o que ele ensina no Quadrúplice Raiz. A mesma “sombra do princípio” é percebida na ordem dos livros de O Mundo como Vontade e como Representação; ali lemos: Livro I: o mundo como representação [epistemologia]; Livro II: o mundo como vontade [metafísica]; Livro III: o mundo como representação [estética]; Livro IV: o mundo como vontade [ética]. O Tomo II de O Mundo como Vontade e como Representação é uma versão reescrita do mesmo livro já na velhice do autor; recomenda-se a leitura principalmente do Tomo I, ficando o segundo como opcional aos que realmente gostaram do autor.
Arthur Schopenhauer — Sobre a Vontade na Natureza
Arthur Schopenhauer — Sobre a Liberdade da Vontade
Comentário: Sobre a Vontade na Natureza procura aplicar as teorias expostas em O Mundo e demonstrar como a vontade age por trás dos fenômenos físicos. Sobre a Liberdade da Vontade foi o ensaio vencedor de um concurso realizado pela Real Sociedade da Dinamarca que pedia pela solução de alguns problemas sobre o livre arbítrio. O filósofo ficou tão feliz que participou de outro concurso de tema parecido com seu Sobre o Fundamento da Moral mas não venceu por ter brincado com a cara do Hegel. Talvez isso tenha deixado Schopenhauer “ainda mais puto” com seu rival, dado que encontramos críticas — por vezes virulentas mas absurdamente engraçadas — em quase todos os seus livros posteriores. Ambos os ensaios foram reunidos em Os Dois Problemas Fundamentais da Ética, até o momento sem edição em português — mas existe em espanhol.
Arthur Schopenhauer — Aforismos para a Sabedoria de Vida
Arthur Schopenhauer — A Arte de Escrever
Arthur Schopenhauer — Sobre a Filosofia e seu Método
Arthur Schopenhauer — Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão
Comentário: Recomendo aqui apenas os “pedaços” do Parerga und Paralipomena que li; todos extremamente divertidos, em especial os A Arte de Insultar e A Arte de Escrever, que possuem críticas aos chamados “eruditos” muito parecidas com as feitas por certo outro autor que escreveu certo outro livro que deu muito o que falar. Todos os pressupostos para a leitura de Schopenhauer são dados por Bossert e, de qualquer forma, espera-se que o leitor tenha consciência de sua própria capacidade e senso de disciplina para não “queimar” os passos durante o estudo.
Quanto às obras ruins, nunca se lerá pouco quando se trata delas; quanto às boas, nunca elas serão lidas com freqüência excessiva. Livros ruins são veneno intelectual, capaz de fazer definhar o espírito.
Para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim, pois a vida é curta, o tempo e a energia são limitados.
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Notas:
[1] Esta é, em termos schopenhaurianos, a forma clássica de definir a verdade. Funcionalmente, a verdade lógica equivale à adaequatio intellectus et rei encontrada em Sto. Tomás; entretanto, não devemos nos enganar: em primeiro lugar, Schopenhauer não fala de uma adequação entre o intelecto e a coisa, mas entre formas de o entendimento ter contato com aquilo que é dado fenomenicamente e, nesse sentido, está mais próximo de Kant, quando diz em seu Manual dos Cursos de Lógica Geral [p.103]: “A verdade, diz-se, consiste no acordo do conhecimento com o objeto.” O que nos importa reter, aqui, é que a concepção de verdade para Schopenhauer é essencialmente relacional e, assim, envolve, no mínimo, um ser cognoscente ajuizante e algo capaz de submeter-se ao ajuizamento; nisto, feito Aristóteles, a verdade se encontra, de certa forma, no juízo, ainda que seu fundamento seja sempre externo. [N.T.]
[2] A verdade lógica corresponde, portanto, ao que chamamos modernamente de validez, digo, se sua forma lógica é inferencialmente correta. Nisto, para Schopenhauer, segundo a forma do silogismo, um juízo será logicamente verdadeiro caso os juízos dos quais ele decorre e que lhe servem de premissa também o sejam. [N.T.]
[3] Schopenhauer fornece, como exemplo, um juízo analítico. Em Kant, os juízos analíticos possuem, enquanto fundamento último, o princípio de identidade, enquanto os sintéticos [ao qual pertence o outro exemplo] derivam do princípio de contradição. [N.T.]
[4] Em termos kantianos, a verdade consiste, sempre, num juízo sintético. Uma verdade inerente contradiria o princípio essencial de que a verdade é relacional. O absurdo fica mais evidente quanto tomamos nota de que Schopenhauer, enquanto idealista crítico, terá a verdade enquanto relação entre sujeito e fenômeno no contexto de que “o mundo é minha representação”; a rigor, não existe, para Schopenhauer, uma “verdade ontológica” independente do sujeito, pois sem o sujeito não haveria “mundo”. Portanto, o que for aferido como verdadeiro o será mediante relação com o sujeito. Ocorre algo parecido em Sto. Tomás, contudo, para o Aquinate, a verdade do mundo é assegurada pela sua relação com o intelecto divino; portanto, mesmo sem o homem, as coisas continuam existindo por si mesmas enquanto Deus as mantiver. Ademais, a afirmação Schopenhauriana não obsta o que os escolásticos chamavam de primum notum, primeiramente notado e por isso fundamentalmente verdadeiro por conta do óbvio, a saber, que o que é notado o é por alguém. [N.T.]
[5] Neologismo para “aquilo do qual somos prioritariamente conscientes”. [N.T.]
[6] Tomo II de O Mundo como Vontade e como Representação II55 [N.T.]
[7] Podemos tomar como exemplo o Enunciado 2, que diz: “o movimento de uma coisa é a passagem de suas relações externas num espaço dado”, em Princípios Metafísicos de la Ciencia de la Naturaleza p.48 [N.T.]
[8] Em Schopenhauer, há três formas puras, duas da sensibilidade e uma do entendimento, a saber, espaço, tempo e causalidade. A verdade transcendental é aquele que decorre das condições de possiblidade da experiência impostas por estas três vertentes. De certa forma, a verdade transcendental é, ainda, a mais fundamental na medida em que aquilo que não for objeto de uma experiência possível não servirá de fundamento para o ajuizamento relacional que consiste na forma mesma da verdade. [N.T.]
[9] João de Salisbúria (1115- 1120) foi um filósofo inglês e posteriormente bispo de Chartres. [N.T.]
[10] “Este tratado, que tomei o cuidado de dividir em quatro livros para conforto do leitor, é chamei de Metalogicon.” The Metalogicon of John of Salisbury: A Twelfth-Century Defense of the Verbal and Logical Arts of the Trivium p.5 [N.T.]
[11] O Mundo como Vontade e como Representação Tomo II II114 em diante [N.T.]
[12] Dos Deveres 1. 16 [N.T.]
[13] Sobre la Natureza de los Dioses 11,7 [N.T.]
[14] De Legibus 1.10 [N.T.]
[15] A observação de Schopenhauer é acertada. A distinção entre intelecto e Razão ocorre, por exemplo, em Sto. Tomás, da seguinte forma: “De fato, o intelecto parece designar o conhecimento simples e absoluto, por isso se diz que alguém, de algum modo, ao inteligir, lê a verdade no interior, na própria essência da coisa. Contudo, a razão designa certo discurso, a partir do qual a alma humana parte para conhecer ou passa de um conhecimento a outro. Por isso, Isaac no livro Sobre as definições diz que o raciocínio é o curso da causa para o efeito.” A Imortalidade da Alma & A razão Superior e Inferior p.75 [N.T.]
[16] I44 em diante. [N.T.]
[17] II73 em diante. [N.T.]
[18] A crítica schopenhauriana à intuição intelectual, pormenorizada longamente em seu Quadrúplice Raiz, pode ser facilmente transposta e utilizada contra formas modernas de esoterismo. Lemos, por exemplo, num esotérico famoso, que “a metafísica é o conhecimento suprarracional intuitivo e imediato”. [N.T.]
[19] A crítica schopenhauriana à filosofia acadêmica [essencialmente hegeliana] de seu tempo é análoga à crítica kantiana a Swedenborg. Ver Sonhos de um Visionário explicador por Sonhos da Metafísica in Immanuel Kant – Escritos Pré-Críticos. [N.T.]
[20]Vernimmt, de vernehmen, perceber, ouvir, escutar. Aqui opta-se por “captar” para que não se confunda com o “ouvir” no sentido fisiológico dito anteriormente. [N.T.]
[21] Ver Aristófanes, As Nuvens. Schopenhauer compara a intuição intelectual típica do idealismo alemão às elucubrações do Sócrates aristofânico, que derrama seus sofismas de cima das nuvens. [N.T.]
[22] Tolice ou Loucura, em francês [N.T.]
[23] Ahndung tem um “d”, que perde ao se converter em Ahnung por uma reforma ortográfica pouco grata do autor, segundo a sugestão de Eulogio Palacios. [N.T.]
[24] Apesar da boa vontade schopenhauriana, as idéias platônicas enquanto estrutura ontológica derivada da operação da Díade e do Um não são o mesmo que graus de objetivação da vontade [Ver O Mundo… I 154]. Entretanto, no pensamento de Schopenhauer, a funcionalidade da idéia é a mesma. Recomendo a leitura de meu Os Filósofos e a leitura de seus Predecessores para informações sobre como lidar com esses problemas interpretativos. [N.T.]
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