Por A.E. Taylor
Tradução de Johann Alves
Notas e comentários de Helkein Filosofia
a) Ateísmo. — Platão trata o ateísmo como idêntico à doutrina de que o cosmo e seu conteúdo, inclusas as almas, são produzidos por movimentos irracionais de elementos corpóreos. Contra isto, propõe explicar os movimentos corpóreos como, em última análise, causalmente dependentes do “movimento” da alma (e de seus desejos, propósitos, etc.) e que o mundo está, nisto, submisso a uma alma (ou almas) boa encabeçada por uma ἀρίστη ψυχή, “alma perfeitamente boa”. Assim, a prova da existência de Deus serve, a princípio, a favor da indestrutibilidade da alma, doutrina útil à refutação das outras duas heresias mais graves. Ele indica que o ateísmo, enquanto opinião, possui duas fontes principais – o materialismo[1] dos primeiros cientistas jônicos, cujas teses explicam a ordem natural mediante princípios meramente “mecânicos” sem os atribuir a princípios consciente algum (889a-d), e a doutrina sofística do caráter convencional e relativista das distinções morais (889e-890a). Combinadas ambas as doutrinas, resulta o ateísmo. É preciso mostrar, contra o ateísmo, que o movimento corpóreo é, na verdade, causado pelo “movimento” da alma, de forma que a τέχνη, o princípio consciente, é o pai τύχη, e não τύχη de τέχνη, como visto no provérbio (892b) – ou, noutros termos, a mente, e não o corpo, é “existente em primeiro lugar” (892c). [2]
A demonstração consiste na análise da noção κίνησις, movimento ou processo (893b—894e), termo continente de dez significados, onde os primeiros cinco são formas de movimento real: 1) revolução numa órbita circular, 2) retilíneo, 3) rolamento, 4) agregação, 5) desagregação, e então três movimentos ideias, a 6) “fluxão”, de um ponto que “gera” uma linha, 7) a fluxão da linha sobre a superfície e 8) a fluxão de uma superfície, gerando um sólido. Tais distinções são preliminares ao essencial para os objetivos da prova. Todos os movimentos pertencem a uma de duas classes: 9) comunicado, “o movimento que só pode mover outras coisas”, (10) ou espontâneo, o “movimento que pode mover a si mesmo” (894b). Argumenta-se que o movimento causalmente comunicado sempre pressupõe o espontâneo enquanto fonte[3] (894c-895b); ora, quando vemos algo exibindo movimento espontâneo, chamamo-lo animado, animado, ἔμψυχον, afirmamos haver ψυχή na coisa; ψυχή, de fato, é o nome dado ao “movimento que pode mover a si próprio.” Assim, “alma” é o nome, ou definiendum, do qual o “discurso” (λόγος), “movimento que se pode mover”, é a definição. O nome e o logos são, portanto, equivalentes e, daí, conclui-se que os movimentos da alma, “temperamentos, desejos, cálculos, crenças, interesses (ἐπιθυμέαι), memórias, etc.”, são, de fato, a fonte e a causa de todo o movimento físico, pois nenhum movimento físico é espontâneo (896d). Fica provado então que a alma (ou mente)[4] é a causa do movimento cósmico. Este argumento é, até agora, uma elaboração do exposto no Fedro, a favor da imortalidade da alma.
Deve haver, então, mais de uma alma produtora dos movimentos cósmicos (ou seja, a teologia platônica é teísta, não aderindo ao panteísmo.); são necessárias ao menos duas delas (podendo haver mais) devido à presença da desordem na natureza, oposta à ordem e, assim, a “melhor alma” não pode ser a única fonte do movimento cósmico. Posta a dominância da ordem, Deus, a “melhor alma”, é a causa suprema; no entanto, devem existir almas que não sejam plenamente boas (896e—898d) (Cumpre notar, porém, a ausência de vestígios da doutrina de uma “alma do mundo má” nesta expressão, como foi interpretado, nos tempos antigos por Plutarco e Ático, e nos tempos modernos por Zeller e outros. O ponto não é a existência de duas almas responsáveis pelo universo, mas a existência de pelo menos duas; assim, a “melhor alma” não é a única existente e somos livres para supor tantas almas inferiores quanto as aparências pareçam exigir).
Se não quisermos deturpar Platão, precisaremos observar cuidadosamente os seguintes pontos: (1) O mal, assim como o bem, é dito ser devido à “alma”, sendo identificado com um movimento desordenado. Portanto, a doutrina da “matéria” como intrinsecamente má e a fonte do mal, figurante no platonismo vulgar de tempos posteriores, é totalmente alheia ao pensamento platônico. (2) Deus (ou deuses) é, definitivamente, declarado como uma ψυχή, significando que o universo é resultado de τέχνη. Platão acredita, definitivamente, em uma atividade divina com propósito — em outras palavras, acredita na chamada “pessoalidade” de Deus. O “panteísmo”, repudiando a noção de uma criação consciente, seria apenas outra forma da doutrina identificada por Platão como ateísmo. (3) Deus é uma alma, e não uma forma. O movimento que pode mover a si mesmo é o mais alto tipo de agente conhecido por Platão, e a diferença teológica fundamental entre Platão e Aristóteles é justamente o segundo insistir em ir além, para um movente ainda mais divino, um “motor imóvel”. Devemos pensar no Deus de Platão como contemplando as formas e reproduzindo-as na ordem do mundo sensível. A última palavra de Platão sobre a antiga questão do Fédon, “qual é a causa da presença de uma forma em uma coisa sensível?”, é que Deus é a causa. Sendo perfeitamente sábio e bom, Deus cria a ordem sensível conforme o modelo das formas por Ele contempladas. (4) O argumento ignora a questão, nunca considerada muito importante por um grego, de saber se há apenas um Deus, ou muitos. Mas a expressão “melhor alma” mostra que há uma alma suprema e esta, sem dúvida, é a responsável pelo único movimento que, do ponto de vista da astronomia platônica, não apresenta nenhuma irregularidade ou anomalia, o movimento do “céu mais externo”; tal alma seria Deus num sentido especial. Como ela se relaciona com os movidos, Platão não nos diz, embora sugira explicações alternativas (899a). (5) Quais são as irregularidades que, segundo ele, provam que nem todos os movimentos cósmicos se devem a uma única alma divina? Podemos razoavelmente conjecturar que, em primeiro lugar, são as aparentes anomalias nos movimentos planetários. Tais anomalias não apresentam um caráter definitivo, mas nos convidam a analisar sua aparente combinação de vários movimentos, sugerindo, como acontece em Aristóteles, uma pluralidade de “motores”. No entanto, creio em algo mais implícito. O curso da natureza favorece, em geral, com as suas periodicidades regulares, o desenvolvimento intelectual e moral da civilização. No entanto, há “catástrofes” naturais prejudiciais a esse desenvolvimento: inundações, estações áridas ou pestilentas, erupções vulcânicas e similares e essas exceções à regra devem ser atribuídas à atuação de almas de algum tipo; essas almas devem ser vistas, claramente, como irracionais e más – pelo menos parcialmente. Qualquer que seja nossa opinião sobre um teísmo desse tipo, parece-me claro que não podemos encontrar outra doutrina em Platão sem distorcer a sua linguagem – e devemos notar que, embora a fé religiosa em Deus não fosse, é claro, uma novidade, o teísmo como doutrina capaz de demonstrações científicas é introduzido na filosofia pela primeira vez nesta seção das Leis. Platão é o criador do “teísmo filosófico”.
A refutação das duas heresias restantes torna-se, então, mais simples.
b) Epicurismo (899d—905d) — A crença na existência de deuses, seguida de sua indiferença quanto à nossa conduta, é sugerida pelo visível espetáculo de iniqüidades do mundo; mas, na verdade, isto não passa de um pesadelo (990b). Se os deuses não atentam às nossas ações, a razão deve ser sua incapacidade de controlar tudo ou considerar o homem e suas ações como ninharias, negligenciando o controle destas efemérides, ou tratando-as como insignificantes frente à sua “nobreza”. [5] A sugestão da impotência pode ser descartada de pronto, pois é mais fácil lidar com temas pequenos do que grandes, embora os pequenos sejam mais complicados de perceber com precisão. [6]As outras sugestões podem ser repelidas assim; os praticantes competentes da medicina, engenharia e outras artes, em especial o estadista, sabem que ninguém obtém sucesso no essencial de qualquer empreendimento enquanto negligencia os “pequenos detalhes”; ora, não podemos supor na “melhor alma” uma ignorância superior a destes profissionais, mesmo tomando como certa a tese – errônea – de que a conduta humana é “ninharia” do ponto de vista divino. Supor uma negligência divina por ser demasiado indolente ou fantasioso eqüivale a dizer que a “melhor” alma é covarde ou “preguiçosa”, i.e., uma blasfêmia. Também é falso que o regramento do destino humano conforme leis morais implique numa “interferência” infinita no funcionamento das coisas. Tal resultado é certo desde o princípio por uma lei de singular simplicidade, “o semelhante encontra o semelhante”: as almas, feito os líquidos, “encontram seu nível”. O homem “gravita” em direção à sociedade de seus semelhantes mentais e morais, e, assim, através da sucessão interminável de vidas, “exerce o que é cabível entre semelhantes” (904e). [7] Esta é a “justiça de Deus”, da qual nenhum homem pode escapar, na vida ou na morte.
Podemos descartar a doutrina de um Deus passível de suborno (c) para ignorar pecados de forma ainda mais simples (905e-907d), pois o argumento precedente justificou a antiga crença de sermos “propriedade” ou “rebanho” (κτήματα) dos deuses. Se eles fecharem os olhos para o comportamento das “bestas de rapina” humanas, agirão como pastores ou cães de guarda que permitem o ataque de lobos contra o rebanho, com a condição de participarem na pilhagem. Uma blasfêmia como esta é mais bem recebida por uma indignação honesta do que por um argumento ou uma suave admoestação.
Chegamos, então, às penas pela divulgação de heresias. A promoção de qualquer uma delas deve ser imediatamente comunicada aos magistrados, para levarem o caso a um tribunal competente e, se um magistrado prevaricar, ele mesmo estará vulnerável a um processo por “impiedade”. Devemos distinguir, no caso de cada tipo de infrator, entre dois graus de culpa: o herege moralmente irrepreensível e o infrator grave cuja vida perversa segue sua heresia. A pena do herege moralmente inofensivo incluirá, em todos os casos, pelo menos cinco anos de prisão na “Casa de Correção”, onde não verá ninguém além dos membros do “conselho noturno”, que o visitarão de tempos em tempos e argumentarão com ele sobre seu descaminho (909a). A pena do herege grave deve ser a morte.[8] Os piores infratores são aqueles que, crendo em deuses indiferentes ou venais, acrescentam o crime ainda mais grave de se aproveitarem da superstição dos seus próximos para seu próprio lucro ou engrandecimento, fundando cultos imorais. Eles devem ser presos perpetuamente e submetidos a “trabalhos forçados”[9] na região mais desolada do país, sem a visita de qualquer cidadão, e lançados, após a morte, ao solo, sem sepultura, sendo, de fato, tratados como “mortos pela lei” no momento de sua condenação. Porém, suas famílias inocentes não devem sofrer por sua ofensa, devendo ser tratadas como tuteladas pela Pólis (909c).[10]
Platão leva tão a sério o horror por superstições que propõe suprimir qualquer santuário ou sacrifício que não os pertencentes ao culto público da pólis; ninguém terá uma “capela” ou “oratório” privado, nem realizar sacrifícios, exceto nos altares públicos e segundo o ritual padronizado. Suas razões não são econômicas, como evitar o bloqueio de riquezas na “mão-morta”,[11] mas sim o moral, de proteger a sociedade contra o rebaixamento insidioso dos padrões éticos e religiosos.
O discurso verte-se então para a legislação referente à segurança da propriedade privada e do comércio, em especial das regulamentações necessárias para prevenir a desonestidade nas negociações e na execução ou pagamento de “trabalho por peça”[12]. São descritos, em seguida, os regulamentos sobre testamentos, a tutela de órfãos, as condições sob as quais um filho pode ser deserdado, e a imposição dos direitos dos pais sobre seus filhos. São estabelecidas penas para vendedores de poções[13] e feiticeiros, com a observação de que a última ofensa poderia ser ignorada numa sociedade de pessoas perfeitamente racionais, mas deve ser tratada com seriedade numa comunidade onde a crença nos poderes do feiticeiro o torna perigoso (933b).
Há, então, um parágrafo tratando de furtos e roubos e outro sobre a necessidade de supervisionar adequadamente os insanos e deficientes mentais. A mendicância deve ser rigidamente abolida, mas caberá à pólis assegurar que ninguém, nem mesmo um servo desempregado sem culpa própria, seja deixado para morrer de fome (936b). São estabelecidas regras sobre a admissão de provas em tribunais e as penas por perjúrio. A litigiosidade, um defeito comum entre os atenienses, deve ser controlada penalizando o acusador vexatório; se o seu motivo fora o ganho, a pena deve ser a morte.[14] O abuso da profissão de λογογράφος deve ser enfrentado tornando o σύνδικος em um processo vexatório sujeito às mesmas penas de seu principal (938a—c).
Tais temas de direito privado não precisam nos deter aqui, embora o tratamento concedido por Platão contenha o duplo interesse de se basear amplamente na prática ática, que ele tenta corrigir onde lhe parece deficiente, e de ter exercido considerável influência, mesmo indireta, no desenvolvimento do direito romano.[15] Retornamos, com o livro XII, à esfera do direito público e do direito constitucional. O peculato, ou desvio de fundos públicos, ofensa regularmente atribuída a todo político ático por seus inimigos, é imperdoável, e [sendo o infrator um] cidadão, deve, em todos os casos, ser punido com a morte, independente da magnitude do desfalque (942a). Em assuntos militares, tudo depende da disciplina e da estrita fidelidade às ordens; é necessário, portanto, reforçar isto em todos os exercícios ordenados como treinamento militar permanente. A covardia diante dos inimigos deve ser punida com a perda de todos os direitos civis seguida de multas pesadas.[16] (944a—945a).
Para garantir que os magistrados cumpram o seu dever, Platão adota a prática ática de exigir, de cada um deles, ao final de seu mandato, a submissão a uma εὔθύνα ou auditoria, dando especial atenção à nomeação do conselho de corregedores (εὔθυνοι) encarregado de realizar tal auditoria. Os membros do conselho devem ter mais de 50 anos e são escolhidos pelo seguinte método: há uma votação por sufrágio universal, onde cada cidadão vota em apenas um candidato, e tal processo é repetido até o número de nomes restantes for reduzido a três; então, doze destes oficiais devem ser nomeados. Os três membros mais antigos do conselho serão aposentados aos 75 anos, e então haverá eleições anuais para três novos membros (946c).[17] No entanto, são previstas disposições que permitem recorrer das decisões do conselho, e qualquer membro cuja ação for anulada perderá o seu cargo (948a). O conselho de corregedores é o mais alto tribunal ordinário, e é interessante observar que Platão prevê recursos contra os seus veredictos.
Seria inconsistente com todo o espírito da legislação permitir aos cidadãos se afastarem da vida da Pólis ao seu bel-prazer. Assim, as viagens ao exterior devem ser sempre sancionadas pelas autoridades, numa sanção dada apenas às pessoas com mais de 40 anos (950d). É desejável que homens mais velhos e de bom caráter visitem outras pólis para aprender como os costumes de nossa própria sociedade podem ser melhorados através da imitação judiciosa dos costumes de outras. O viajante deve, ao retornar, fazer um relatório de suas observações ao “conselho noturno”, uma espécie de Comitê Extraordinário de Segurança Pública, disposto em sessão permanente e encarregado de supervisionar o bem-estar público. Já ouvimos falar desse órgão em conexão com os processos contra a heresia; agora, nos é dito como ele é constituído. Seus membros são os εὔθυνοι,[18] os dez νομοφύλακες mais velhos[19], o ministro e ex-ministros da educação, e dez homens jovens cooptados entre as idades de 30 e 40 anos. O seu nome deve-se à regra de que as suas sessões devem ser realizadas antes do nascer do dia. Uma das suas funções mais importantes é a promoção de uma investigação científica sólida (952a). A admissão temporária de visitantes estrangeiros na nossa própria comunidade será objeto de um controle igualmente cuidadoso. Será dado um incentivo especial a estrangeiros cujo objetivo seja transmitir ou adquirir lições sobre a verdadeira ciência política.[20] Eles serão “convidados de honra da nação” (953d).
Não basta ter criado uma boa constituição e um código para nossa sociedade; é necessário vigiar constantemente em prol da preservação de nossas instituições contra a degeneração. Tal vigilância será exercida pelo “conselho noturno”, que pode ser chamado de “cérebro” de todo o nosso sistema (961a). Para desempenhar suas funções, ele precisará compreender profundamente o objetivo para o qual a vida social é direcionada: o desenvolvimento da “bondade” em todas as suas quatro grandes formas. Isto significa que seus membros deverão ser muito mais educados em comparação com o oferecido até agora (965b). Se desejam entender a essência da bondade, devem ser capazes de “ver o uno no múltiplo” (965c), de apreciar e compreender a grande verdade da unidade de todas as virtudes (ibid. d—e). Com efeito, devem ter um conhecimento genuíno de Deus e dos caminhos divinos (966c) e não devem se contentar, como o cidadão comum poderia, com uma mera fé baseada na tradição social (ibid.) (em outras palavras, lhes é necessário compreender profundamente a teologia natural já exposta no Livro X). Vimos que a astronomia científica, com sua doutrina da regularidade e ordem dos movimentos celestes, é um dos fundamentos da apologia platônica para um teísmo ético. Por conseguinte, homens tidos como o intelecto da pólis deverão conhecer astronomia profundamente. É comum, mas completamente equivocada, a opinião de que essa ciência torna os homens “infiéis”. Quando o conhecimento astronômico é combinado com a compreensão da verdadeira natureza da alma como a única fonte de movimento, ele conduz diretamente à piedade. Deste modo, ninguém estará qualificado para servir no conselho noturno a menos que seja um matemático e astrônomo treinado e tenha compreendido corretamente o princípio da prioridade causal da alma no esquema das coisas. Resta a tarefa de determinar quais outros estudos são implicitamente exigidos pelo nosso programa (966c—969d).
Por vezes se diz que, nas Leis, a astronomia tomou o lugar anteriormente atribuído à dialética como a ciência suprema, e isto indicaria uma crescente incerteza de Platão sobre a possibilidade da metafísica. Tal interpretação é completamente errada, como vemos na seção final das Leis. A qualidade intelectual exigida dos membros do conselho supremo, a capacidade de ver o “um no múltiplo,” é precisamente o caráter atribuído ao dialético nos diálogos. E notamos que a ciência astronômica é apenas metade da qualificação estabelecida, pois deve ser acompanhada da compreensão correta da doutrina da ψυχή no universo – doutrina que, acima de todas as outras, jaz na raiz da metafísica platônica. Embora o termo “dialética” não seja usado, a exigência de sua essência permanece inalterada.[21]
A EPINOMIS — Não existe uma divisão real entre a Epinomis e as Leis, com a primeira sendo citada por escritores posteriores, às vezes, como o “décimo terceiro” livro das Leis, embora a Epinomis já fosse considerada uma obra distinta por Aristófanes de Bizâncio.[22] Não há evidências antigas contra a autenticidade do diálogo. Diógenes Laércio (iii. 1, 37) afirma que “alguns” atribuíram a obra ao acadêmico Filipo de Opus, mas, como Diógenes acabara de contar a história da “transcrição”, por Filipo, das Leis a partir da “cera”, presume-se que sua intenção fora descrever um rumor de que Filipo havia feito o mesmo com a Epinomis. Proclo, desgostoso da obra, queria rejeitá-la, mas, como ele oferece apenas dois argumentos muito fracos contra o livro, fica presumido seu desconhecimento de alguma tradição acadêmica a seu favor.[23] Não consigo detectar qualquer diferença lingüística entre o estilo da Epinomis e das Leis, e o próprio fato de as Leis não receberam, manifestamente, o mínimo de revisões necessárias para remover imprecisões verbais e contradições, torna inacreditável, para mim, que algum dos discípulos imediatos de Platão tenha publicado como seu o trabalho de um deles. Portanto, vejo a suspeita atual acerca do diálogo como mero preconceito devido aos ataques, agora refutados, do início do século XIX contra a autenticidade das próprias Leis.[24] Em qualquer caso, devemos reconhecer que Aristóteles a conhecida, aludindo-a, curiosamente, na Metafísica 1073b 9.[25] Sinto-me, portanto, justificado ao sustentar a autenticidade da Epinomis como parte integrante da magnum opus dos últimos anos da vida de Platão.
O propósito imediato do diálogo é discutir a questão deixada sem resposta, no livro XII das leis, sobre o currículo científico completo necessário para os membros do “conselho noturno”: quais estudos levarão à σοφία (973b)? Devemos reconhecer que a σοφία é alcançável, de qualquer formal, apenas dificultosamente e por alguns (973c ss.), pois a maioria das chamadas ἐπιστήμαι não nos ajuda a alcançá-la (974d). Podemos, assim, excluir todas as artes e ciências contribuintes simplesmente para a civilização material ou para o divertimento (974e—975d), assim como as bélicas, medicinais, náuticas e retóricas; o mesmo, mais ainda e sem hesitação, pode ser tido da mera arte de adquirir e reter informações, confundida por muitos com a σοφία (975e-976c). Devemos dar o nome de σοφία apenas aos estudos passíveis de transformar um homem num cidadão sábio e bom, capaz de exercer ou obedecer a um governo justo. Agora, há um ramo da ciência que, superior aos outros, possui tal tendência e pode ser considerado um presente divino ao homem, sendo, de fato, um presente do próprio Céu (οὐρανός). Este presente é o conhecimento dos números, continente de todos os outros bens (977b).[26] Seríamos, sem o conhecimento dos números, ignorantes e imorais (977c—e). Podemos ver a divindade disto considerando que, onde há número, há ordem; onde não há número, resta apenas confusão, desorganização e desordem (977e—978b). Poder contar é a prerrogativa distintiva dos homens frente aos animais. Aprendemos a contar até quinze simplesmente estudando as mudanças diárias na face da lua enquanto ela se aproxima de sua fase cheia; um problema muito maior nos é apresentado quando passamos a comparar o período da lua com o do sol, feito os agricultores. Foi fácil notar, em nossas discussões recentes, que um homem deve ter uma boa alma, assim como um bom corpo, e para isto urge ser “sábio.” A questão difícil era determinar a espécie desta “sabedoria” tão importante. O dito por agora sugere a resposta (978b—979d).
Talvez não descubramos uma única “sabedoria” omniabrangente. Nesse caso, devemos tentar enumerar seus vários ramos e dizer quais são (980a). Podemos voltar ao nosso pensamento de que a melhor maneira de um homem dispendiar a vida é dedicando-a a louvar e honrar a Deus. Assim vamos, para a glória de Deus, construir uma “teogonia” aprimorada, mantendo firme a teologia natural estabelecida e, particularmente, o princípio da prioridade causal da alma sobre o corpo (980b—981b). Um “animal”, sabemos, é uma alma unida a um corpo. Existem cinco sólidos regulares, e podemos reconhecer cinco formas correspondentes de corpos — terra, água, ar, fogo e éter[27] — e cinco tipos correspondentes de animais, cada um com seu habitat especial. O corpo de cada tipo de animal é um composto onde o “elemento” formador de seu habitat é predominante. Assim, as duas classes de seres vivos mais visivelmente distintas são as terrestres – das quais nos interessa em especial o homem –, e aquelas cujo corpo é feito principalmente de fogo: os deuses, as estrelas e os planetas. Seus corpos são mais belos e duradouros que os nossos, sendo ou imortais, ou de longa vitalidade. A comparação dos movimentos inquietos e desordenados do homem com os movimentos majestosos e ordenados dos corpos celestes é suficiente para mostrar a superioridade de sua alma e inteligência. Se eles, ao contrário de nós, nunca se desviam de um caminho, é porque seu movimento exibe a necessidade imposta pela busca racional do melhor (982b). Seu volume real, como a ciência pode demonstrar, é enorme, e há apenas uma resposta para a pergunta de como tais massas podem girar indefinidamente nas mesmas órbitas: as massas estão vivas, e é Deus quem uniu suas ψιχαί a esses vastos corpos (983b—e). Ou são eles mesmos deuses, ou são imagens dos deuses criadas pelos próprios deuses (984a), e, portanto, mais dignos de honra do que quaisquer imagens feitas pelo homem. Podemos supor que as regiões intermediárias de éter, ar e água também sejam apropriadamente habitadas. Um homem pode explicar Zeus da forma que aprouver, e o mesmo quanto a Hera e o restante do panteão tradicional, mas devemos insistir na dignidade superior dos deuses visíveis: os corpos celestes. O ar e o éter terão habitantes com corpos transparentes e, portanto, invisíveis para nós; podemos supô-los dotados de uma hierarquia de “espíritos” (δαίμονες), que atuam como intermediários invisíveis entre deuses e homens, favorecendo os bons e guerreando contra os maus (984d—985b). Pode haver habitantes semidivinos semelhantes nas águas, dos quais os homens têm vislumbres ocasionais. Os cultos atuais foram em grande parte estimulados por aparições reais ou imaginárias de tais seres, e um legislador sábio não deve interferi-los de maneira leviana. Os homens não podem conhecer, realmente, tais coisas (985d). Mas a negligência dos gregos em prestar a devida honra aos corpos celestes, os deuses visíveis a todos, é bastante inaceitável. Eles devem ser honrados não apenas com festas periódicas, mas por nosso empenho científico para conhecer seus movimentos e períodos (985e).[28]
Isso significa que devemos dominar a ciência das revoluções das estrelas e dos planetas. Não temos, no momento, sequer nomes para os planetas, embora sejam chamados de estrelas de vários deuses, nomenclatura advinda da Síria (986e—987a).[29] De modo geral, todo o tomado de empréstimo dos bárbaros pelos gregos foi sumamente melhorado (987e). Portanto, cada grego deve reconhecer o dever de se dedicar à astronomia com um espírito científico, abandonando o medo supersticioso de investigar assuntos divinos. Deus conhece nossa ignorância e deseja nos ensinar (987d—988e).
O estudo necessário para conduzir-nos à verdadeira piedade, a maior das virtudes, é, portanto, a astronomia — o conhecimento das órbitas e períodos reais dos corpos celestes, buscado com o espírito da ciência pura, e não com o calendário agrícola de Hesíodo (990a). Mas, como tal estudo lida com a tarefa de calcular os períodos relativos do Sol, da Lua e dos planetas (e, assim, deve enfrentar problemas aritméticos altamente complexos), ele precisa ser fundamentado numa teoria científica dos números. Isso inclui não apenas uma doutrina científica dos números inteiros (“o par e o ímpar,” 990c), mas também outros dois estudos, comumente chamados, de maneira enganosa, de geometria e estereometria. A geometria é, na verdade, aritmética, um estudo de números “que, em si mesmos, são dissimilares, mas se tornam semelhantes por referência a superfícies,” e a estereometria é, de forma semelhante, o estudo de outra classe de números tornados semelhantes quando elevados à terceira potência. Também precisamos estudar, por sua importância física, a teoria das progressões. A série geométrica 1, 2, 4, 8 revela o princípio cujo nexo une a magnitude do comprimento, da área e do volume; na progressão aritmética 6, 9, 12 e na progressão harmônica 6, 8, 12, temos o segredo da música, pois as duas médias, 9 e 8, correspondem aos dois grandes intervalos dentro da oitava, a quinta e a quarta. Podemos dizer, assim, que na consideração da razão 2:1, as suas potências e as médias entre seus termos revelam o supremo segredo da natureza (990a—991b). Além disso, devemos adicionar a este estudo uma aritmética científica que englobe a geometria plana e a sólida; esta é a conclusão de todo o currículo, um vislumbre da unidade absoluta do princípio fundante de toda ciência exata (991c—e)[30]. (Assim, mais uma vez, a dialética, a apreensão sinótica dos princípios intrínsecos à ciência, ressurge como o fundamento da política).
Sem esse conhecimento científico, uma cidade jamais será governada com verdadeira habilidade política, e a vida nunca será verdadeiramente feliz. O homem mais sábio é o possuidor de todo esse conhecimento; podemos confiar que, quando a morte o levar da região sensível, este finalmente alcançará a completa unificação do eu, e sua sorte, onde estiver, será verdadeiramente abençoada. Como dissemos, tal conquista é possível apenas para poucos, mas devemos insistir que pelo menos nossos governantes supremos se dediquem a isto (992a—d). Assim, o Epinomis termina com a reafirmação incondicional da antiga exigência da união, numa mesma pessoa, de habilidades científicas e políticas.
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Notas:
[1] “Corporealism” [NT.]
[2] 892c, γενῶν τὴν περὶ τὰ πρῶτα=τὴν τῶν πρώτων γενῶν=τὸ τῶν πρώτων γένος = τὸ πρῶτον. Que γενῶν aqui é equivalente a γένος é claro a partir do contexto, uma vez que a crítica feita aos físicos antigos é que eles consideram tais coisas como “fogo” e “ar”, ou seja, seus corpos primários, como o γενέων περὶ τὰ πρῶτα. Para este uso de γενέας, cf. Ast, Lexicon Platonicum, s.v., que, no entanto, coloca erradamente a passagem sob um título diferente. [N.A.]
[3] Todo movido é movido por outro que move sem mover-se; protótipo da tese do primeiro motor, também encontrada no Timeu. [N.E.]
[4] Taylor confunde “mens”, continente do pensamento onde opera a razão (ratio, capacidade de raciocínio) sob a luz do intelecto, com “psique”, potência motora comumente traduzida como “anima”. Noutros termos, a “mens” é uma potência interna da “anima”. [N.E.]
[5] “too fine” [NT.]
[6] “We may dismiss the suggestion of lack of power at once; it is easier in action to handle small affairs than to handle great, though it is the minute things which it is hardest to perceive accurately.” [NT.]
[7] “A man ‘gravitates’ towards the society of his mental and moral likes, and thus, through the endless succession of lives, he always ‘does and has done to him’ what it is fitting that such a man should do or have done to him (904e).” [NT.]
[8] Podemos supor que a pena de prisão seria mais longa para as duas heresias mais graves. A duração da pena e a regra da reclusão destinam-se, evidentemente, a dar plena oportunidade a uma conversão genuína e a impedir a contaminação do resto da comunidade. A pena para uma segunda condenação é a morte, porque se presume que o criminoso se mostrou “incurável”, a morte é melhor para tal homem. Sobre a composição do “conselho noturno”, ver abaixo.
[9] “Penal Servitude”. [N.T.]
[10] O simples ateu aparentemente não corre o risco desta pena mais severa, uma vez que a sua heresia não é uma em que “sacerdócio” hipócrita possa ser enxertado. É de notar aqui que, ao exigir uma gradação das prisões em (1) uma casa de detenção para pessoas que aguardam julgamento, (2) uma casa de correção para os recuperáveis, (3) uma casa de punição para os irrecuperáveis, Platão antecipou uma importante reforma nunca totalmente realizada na nossa própria administração até tempos muito recentes. [N.A.]
[11] “Dead hand” — Mãos-mortas era o nome que recebiam os bens das igrejas e comunidades religiosas que estavam sob proteção especial do monarca. Os bispos e frades não podiam vendê-los, em todo o caso solicitavam o consentimento do conselho municipal. Se não fizessem assim, as dignidades eclesiásticas que tivessem procedido incorretamente poderiam ser afastadas de seus ofícios e excomungadas. Além disso, quem adquirisse esses bens, os perderia, sem o direito de reclamar contra quem os vendeu, e em caso algum contra a Igreja. [NT.]
[12] “Piece-Work”. — Diferente forma de remuneração assalariada em que o trabalho é pago por peça produzida. [NT.]
[13] “Philters”. [NT.]
[14] A pena severa deve-se à hediondez da tentativa de tornar o próprio tribunal de justiça cúmplice da prática de um ato ilícito. Os abusos que Platão tem em vista são especificamente atenienses, e não seriam susceptíveis de ser comuns no tipo de sociedade para a qual ele está ostensivamente legislando. [N.A.]
[15] Ver Burnet, Greek Philosophy, Part I, p. 304. A Academia foi a primeira escola permanente e organizada de direito, bem como de matemática. Os dois estudos estão realmente ligados pela importância para ambos de “idéias claras e distintas”. [N.A.]
[16] “Heavy fine”. [NT.]
[17] É evidente que os pormenores do plano necessitariam de mais ajustamentos para poderem funcionar na prática. Talvez se parta tacitamente do princípio de que a maioria dos doze εὔθυνοι originais estaria mais perto dos 75 do que dos 50, e que os três mais velhos se reformam a cada ano subseqüente. [N.A.]
[18] As palavras exatas são (951d) τῶν ἱερεῶν τῶν τὰ ἀριστεῖα εἰληφότων; que isso significa “εὔθυνοι” é demonstrado pela comparação com 947a. Na recapitulação em 961a—b, a composição do conselho é aparentemente um pouco diferente. As duas passagens, sem dúvida, teriam sido mais bem ajustadas em uma revisão final do texto. [N.A.]
[19] “seniors νομοφύλακες” [NT.]
[20] “true statesmanship” [NT.]
[21] O nome é evitado, presumivelmente, por ser especialmente caraterístico de Sócrates, que está ausente do diálogo. A palavra é cuidadosamente evitada também no Timeu pela mesma razão. [N.A.]
[22] Ele fez o Minos (espúrio), as Leis e o Epinomis uma das suas “trilogias” (Diog. Laert. iii. 1, 62). [N.A.]
[23] Seus argumentos são apresentados nos Prolegômenos à Filosofia de Platão, aparentemente por Olimpiodoro (Platonis Opera, C. F. Hermann, vi. 218). Eles são (1) que Platão não teria escrito outro diálogo, deixando as Leis sem revisão; (2) que o movimento de oeste para leste é chamado na Epinomis de “para a direita” (Epin. 987b), enquanto nos diálogos (Timeu, 36c) é chamado de “para a esquerda”. Mas (1) assume que a Epinomis é realmente destinada a ser “outro diálogo” e (2) ignora o fato de que as Leis usam a mesma linguagem que a Epinomis (760d 2). O ponto realmente significativo é que Proclo não apela a testemunho algum. [N.A.]
[24] Veja a boa defesa da Epinomis em Raeder, Platons philosophische Entwickelung, 413 e seguintes. Stenzel (Zahl und Gestalt, 103 n. 4) corretamente se abstém de rejeitá-la. A “demonstração” da atribuição espúria da Epinomis por F. Müller (Stilistische Untersuchung der Epinomis des Philippos von Opus, 1927) ainda me deixa não convencido. [N.A.]
[25] Afirma-se ali que é óbvio τοῖς καὶ μετρίως ἠμυμένοις, que os movimentos dos planetas são compostos, uma clara réplica à Epin. 987b 9, onde se afirma que a teoria de que a “revolução diurna” é um componente das órbitas planetárias é “o que poderia parecer verdadeiro” ἀνθρώποις ὀλίγα τούτων εἰδόσιν. Jaeger (Aristóteles, 146, 153 ss.) chamou a atenção para a conexão entre a Epinomis e o περὶ φιλοσοφίας de Aristóteles, mas considera a primeira como uma resposta acadêmica à última. [N.A.]
[26] O número é um presente de “Urano”, porque, como sustenta Platão, a sua ciência desenvolveu-se no interesse de aprender a contar os dias, os meses e os anos. Cf. Timeu, 38c, 39b. [N.A.]
[27] A teoria corpuscular do Timeu é aqui implícita, com a adição de que, para obter algo que corresponda ao dodecaedro, o αἰθήρ — o azul-claro do ar superior — é reconhecido como um quinto “corpo.” Esse πέμπτον σῶμα (daí o nome quinta essentia) é idêntico ao πρῶτον σῶμα de Aristóteles, ou “matéria celestial.” Mas, diferentemente de Aristóteles, Platão não o considera a “matéria” dos corpos celestes; eles são feitos principalmente de fogo, como o Timeu havia ensinado. [N.A.]
[28] A ironia de toda a passagem sobre os supostos habitantes do éter, do ar e da água e os cultos populares a esses seres não devem ser ignorados. Fomos informados (980c) de que todo o relato é uma “teogonia,” embora, como acrescentado em 988c, uma menos censurável que as dos antigos poetas, e que o conhecimento sobre tais assuntos é impossível. Tudo o que é realmente sério é a insistência na necessidade de dar o primeiro lugar no culto popular aos corpos celestes e reconhecer o estudo da astronomia como a forma adequada de adorá-los. O restante é uma concessão ao princípio de que ritos populares inofensivos não devem ser perturbados. Timeu havia seguido a mesma linha (supra, p. 452/referência a este livro). [N.A.]
[29] Os nomes “estrela de Afrodite,” “de Ares,” “de Zeus,” “de Cronos,” dos quais derivam nossas designações, aparecem pela primeira vez na literatura nesta passagem. “Estrela de Hermes” é encontrada pela primeira vez em Timeu, 38d. [N.A.]
[30] O texto de 990c 5-991b 4, a passagem matemática mais importante no corpus platônico, é infelizmente incerto, provavelmente em parte corrompido e, em parte, possivelmente nunca reduzido a uma forma gramatical pelo próprio autor, mas o sentido é claro. O ponto de maior relevância é a exigência revolucionária de que as “raízes” quadráticas e cúbicas sejam reconhecidas como números, em oposição à visão tradicional de que existem magnitudes “irracionais” (comprimentos, áreas, volumes), mas não números “irracionais.” O significado do restante é que a sucessão das “potências” 2¹, 2², 2³ é o exemplo mais elementar do princípio de que áreas semelhantes têm razões duplicadas e volumes semelhantes têm razões triplicadas dos “lados” correspondentes, e que as razões correspondentes à quarta e à quinta na escala, respectivamente, o ἐπίτριτος e o ἡμιόλιος λόγος, são também as médias harmônica e aritmética entre 1 e 2. (Platão escolhe 6 e 12 como substitutos de 1 e 2 nessa ilustração porque deseja que as duas “médias” sejam números inteiros). Stenzel chega perto de explicar corretamente a passagem (Zahl u. Gestalt, 98 e ss.). [N.A.]
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