Por Paul Friedländer
Tradução, notas e comentários de Helkein filosofia
Heidegger tratou dos conceitos de logos e aletheia em Sein und Zeit [Ser e Tempo] (1927, p.32 e seguintes, p.219 e seguintes) e assim determinou, em grande parte, o pensamento de toda uma geração ao explicar o motivo de termos, por vezes, de nos voltar à especificação etimológica: para ele, a tarefa da filosofia é “preservar a força dos termos mais elementares nos quais o ser [Dasein] é expresso, para que não sejam levados, seguindo o sentido do pensamento comum, ao nível da ininteligibilidade”. Em seu livro Platons Lehre von der Wahrheit [A Doutrina Platônica da Verdade] (l947), Heidegger interpretou, calcado em tais fundamentos, o mito da caverna de Platão. O filósofo procura trazer a lume o contido na linguagem; e que termo seria tão digno de ser analisado senão o “verdade”? O conceito de verdade, de acordo com Heidegger, corrompeu-se no curso do pensamento e assim permaneceu durante muitas gerações. De acordo com o significado dominante hodiernamente, a verdade relaciona-se ao pensamento e à linguagem e não à coisa em si mesma. O conceito de verdade teria passado por uma mutação, “do sentido originário do desocultamento [Unverborgenheit] para a exatidão do visar” (p.46). Sendo assim, o esforço de Heidegger centra-se na eliminação dessa degeneração que, a seu ver, começa com Platão, e a mutação que se dá na determinação do ser como ιδέα; então faz-se necessário examinar o que isso significa. Entretanto, podemos adotar como regra geral a advertência de Heidegger de que, ao admitir tais evidências (i.e., linguísticas), devemos nos precaver contra certo misticismo verbal (Sein und Zeit, p. 220).
A etimologia de αληθήϛ, αλήθεια, assim como com de ἀ-ληθής e ἀ-λήθεια é geralmente aceita como aquilo que não está escondido, segredado ou esquecido ou ainda quem não se esconde, segreda-se ou cai no esquecimento;[1] mas tal etimologia não é tão inabalável quanto à primeira vista. Comparemos duas palavras não muito diferentes em forma e significado: ἀτρεκής, ἀτρέκεια, e ἀκριβής, ἀκρίβεια. A etimologia de ambos os casos não é totalmente clara, permanece incerta, e, apesar de todas as laboriosas pesquisas dos etimologistas, não sabemos se elas derivam de raízes indo-européias ou não. Mesmo ψευδός, ψεῦδος, o oposto habitual de ἀληθήϛ, ἀλήθεια desde Homero, e outro oposto, ὰπάτη, a decepção, a mentira, não parecem ter raízes indo-européias. Assim, ἀληθής, que pertence à mesma esfera semântica, talvez não ἀ-ληθής, assim como a interpretação de ἀ-τρεκής, ἀ-κριβής e ὰ-πάτη, imporia a estas palavras um alfa privativo que é realmente difícil que lhes pertença, e que não nos ajuda, por fim, a entender seu significado.
Sendo assim, não podemos decidir se a interpretação de ἀληθήϛ como ἀ-ληθήϛ é linguisticamente correta ou não. Muito mais importante é o fato de que os gregos, a partir de Homero, associaram ἀληθήϛ com λαθ-, ληθ-, λανθ- e que esta associação persistiu sem problemas na poesia e na prosa. Ela prevaleceu no teatro, nos tribunais, nos discursos dos oradores na praça pública e assim sobreviveu até tempos posteriores, como registrado em léxicos antigos. Sexto Empírico, em seu Adversus Logicos, baseia uma seção inteira em certa variante (subjetivíssima) desta etimologia, enquanto o neoplatônico Olimpiodoro, em seu comentário sobre o Fédon, refere-se manifestamente à autoridade de Plutarco sobre a matéria.[2]
Permitam-me fazer aqui uma observação pessoal, que, de toda forma, se relaciona com o tema. Por ocasião da reformulação do capítulo Aletheia para a edição inglesa (l958), fiquei sabendo[3] que Hesíodo contradizia minha oposição à interpretação de αλήθεια como ἀ-λήθει; por outro lado, eu também havia aprendido[4] que minha oposição era geralmente injustificada. Continua sendo verdade apenas (1) que αληθήϛ e αλήθεια talvez não tivessem originalmente nenhum significado negativo, e (2) que estes termos nunca foram considerados puramente negativos como os seguintes:
ἀ-ναιδής | ὰ-ναὶδεια | ὰ-σεβής | ὰ-σέβεια |
ἀ-παθής | ὰ-πάθεια | ὰ-σθενής | ὰ-σθένεια |
ὰ-πλανής | ὰ-πλάνεια | ὰ-φανής | ὰ-φἁνεια |
ὰ-σαφής | ὰ-σάφεια |
Para nenhuma dessas palavras, de fato, encontramos um termo negativo correspondente. Em vez disso existe para Alethes o negativo ἀναληθής, que de qualquer forma não é encontrado antes de Políbio e é, para o objetivo heideggeriano, irrelevante.
Quanto ao período antigo, o exemplo mais claro é o testemunho de Hesíodo, em cuja teologia a pesquisa etimológica foi um elemento essencial. Assim, em sua Teogonia (v. 226 ss.), contrapõe as potências contrárias Éris e Nereus, ambas surgidas da noite. Entre os muitos filhos da deusa da “discórdia” (Eris) está Lethe, o olvido ou ocultamento, colocada entre a “fadiga cheia de dor” e a “fome e dores lacrimejantes”. Contraposto a Éris, Hesíodo posiciona Nereus, (v.233 ss.) cujo nome certamente deve ter significado para ele algo como não-Éris, e assim o contraste se explicita: enquanto Éris, em sua vinda da Noite, possui “palavras falsas e discurso ambíguo”, Nereus recebe os atributos de 1) “sem mentira (ἁψευδέα), “não-dissimulador e não-esquecedor” (ἀληθέα). A primeira negação torna a segunda indubitável, algo confirmado pelo fato de que Nereus é chamado de “infalível” (νημερτής), sendo também dito que “ele não esquece e nem negligencia o que é certo (οὺδέ θεμστέων λήθεται), mas sabe dar conselhos justos e moderados (αλλα δἰκαια και ἢπια δήνεα οίδεν)”. Hesíodo, então, que no fundo de sua reflexão experimenta αληθήϛ como α-ληθήϛ, infunde em seus ouvintes seu significado e, ao fazê-lo, distingue aquele que não se esquece e que não comete erros; pretende assim, precisamente, a “correção do visar” que Heidegger atribui a um nível posterior do pensamento grego e especialmente a Platão.
Homero é mais ambíguo que Hesíodo. Apenas uma coisa é facilmente compreendida: ἁληθές, ἁληθέα e ἁληθείην, com uma exceção, ocorrem sempre em conexão com o verba dicendi.[5] Em duas ocasiões surge um significado mais específico: em VI 376 Heitor ordena às servas: “Agora, ó servas, dizei-me a verdade (νημερτέα μυθήσασθε)!”; e uma das servas responde: “[…] uma vez que ordenas que se diga a verdade” (ἁληθέα μυθήσασθαι). Nos jogos fúnebres de Pátroclo (XXIII 36l), Aquiles dá a Fênix a tarefa de ficar no ponto final da corrida “para que vigiasse a corrida (ώςμεμνέῳτο δρόμους) e sobre ela se pronunciasse com verdade [o não esquecido, o não escondido] (και αληθειην ἁποείποι)”. Quase parece que nestas duas passagens Homero quis expressar não apenas a exatidão da expressão, mas também a revelação de seu conteúdo. Se Homero e Hesíodo forem tomados em conjunto, então fica claro que os dois significados atribuídos por Heidegger aos dois períodos do pensamento podem ser ambos atribuídos ao período mais antigo.
Apenas uma vez em Homero é que a palavra ἁληθές é usada para se referir a uma pessoa; semelhantemente, (XII 433) um fiador é chamado de “honesto, digno de confiança”.[6] Como este termo com este significado é encontrado apenas nesta passagem, os antigos já desconfiavam se Homero realmente o usou; mas não é toda similitude uma espécie de hapax? E não há dúvida de que pertença aos tempos antigos. Aqui, portanto, ἁληθήϛ não indica nem o ser que não se dá oculto e nem a correção do visar, mas a natureza leal e verdadeira da pessoa; portanto, um terceiro significado que a palavra viria a assumir em tempos posteriores. Se Hesíodo e Homero forem tomados em conjunto, acontece que os três significados de ἁληθήϛ e αλήθεια já se encontram na linguagem dos antigos como: 1) a correção reveladora e não-oculta do dizer e do pensar, 2) a realidade não-oculta e reveladora da entidade em sua concretude e 3) a veracidade e honestidade da consciência do indivíduo, o caráter, “existência” em sentido hodierno, ou seja, “a verdade que eu mesmo sou” (Jaspers). Os opostos são, então: 1) a mentira, o engano, o erro, a verborragia e a dissimulação, todos referentes ao discurso e às crenças; 2) o truque, o irreal, a imitação e a falsificação, todos referentes ao ser; 3) a desonestidade, o enganoso e o indigno de fé, todos referentes à existência [da pessoa].
Um ponto central na história do pensamento grego e, portanto, no conceito de aletheia, foi alcançado em Parmênides.[7] A radicalidade de sua doutrina não admite, afinal, um conceito de realidade que postule uma verdade oposta ou distinta do Uno. Por outro lado, a verdade do pensamento e a verdade do ser coincidem no Uno, o verdadeiro fora do qual nada há de real, nada além da irrealidade e da inverdade (ou semi-realidade e semi-verdade) do que é apenas opinião e apenas aparência. É significativo que Parmênides tenha recebido esta doutrina da identidade da verdade real e do verdadeiro da deusa da Verdade. Os três aspectos do conceito grego de aletheia estão aqui ligados em um nó indissolúvel.
Ao lado de Parmênides está Heráclito. Nas célebres proposições iniciais dos fragmentos, Heidegger acreditava com razão ter encontrado uma alusão ao “fenômeno da verdade no sentido de não estar oculto” ou desvelado. Heráclito, cuja língua está tão cheia de trocadilhos – com uma intenção muito séria –, não teria colocado [as palavras] λανθάνει e έπιλανθάνονται uma ao lado da outra se não tivesse a intenção de evocar aletheia como o oposto a esses dois verbos.[8] É duvidoso, entretanto, que Heráclito entendesse aletheia meramente como o ser desvelado, como pensa Heidegger. Heráclito, na verdade, começa seu discurso com “este logos”, observando a incapacidade do homem de compreendê-lo. Assim, talvez, aletheia possa ser para ele tanto a clareza reveladora e a verdade de seu logos quanto a clareza e a verdade do ser que esse logos desvela. Não é Heráclito mesmo que coloca seu próprio nome como aquele que anuncia [o logos] e diz, desde o início que as palavras e as obras são “como eu as apresento”? Aqui, então, como em Parmênides, os três aspectos do conceito de aletheia parecem se combinar – embora da maneira habitualmente críptica de Heráclito.
Volvemos agora a Platão. Seu mito da caverna é caracterizado pelo duplo significado de ascensão por graus: ascensão do ser e ascensão do conhecimento, ambos intimamente relacionados um ao outro. Para além dos dois, visível apenas ao longe e nunca alcançado, jaz aquele em que os dois anteriores convergem e que confere (oferece, concede) realidade ao ser e ao conhecimento daquele que conhece: a “Idéia do Bem” ou a “Forma do Perfeito” em sua natureza ou essência, indescritível em palavras e, portanto, abordada pelo pensamento apenas de forma aproximada e representada apenas por similitudes. Nesta estrutura sistemática, Platão apresentou sua experiência filosófica – intuição e construção – ao mesmo tempo em que lhe deu a forma em que permaneceu. Como testemunha destes pensamentos ele escolheu Sócrates, aquele que enfrentou a morte em nome da verdade e da realidade. Assim, o duplo significado da ascensão através dos graus de uma ordem sagrada torna-se triplo caso consideremos que o verdadeiro homem é aquele de cuja boca podemos ouvir as alegorias da realidade desvelada e da qual se revela a verdade.
A interpretação Heideggeriana do Mito da Caverna[9] é admirável por sua força; é rica em ensinamentos mesmo onde negligencia características importantes (por exemplo, as figuras tridimensionais que passam em frente à abertura da caverna), onde se torna oracular (o Anwesung da p. 35) ou onde depende excessivamente da etimologia (a essência da Idéia ou eidos não consiste apenas em “aparecer e ser visível” [p. 34 e seguintes], mas principalmente na forma e estrutura). Este é o aspecto particularmente enganoso da interpretação heideggeriana: quando ele fala de “idéia” ou ιδέα ele não entende, em geral, a ideia enquanto aquela do “mundo das formas”, mas apenas a única ideia suprema, o “modelo capital da perfeição” que, como o sol, jaz “acima” do mundo das formas, “além do ser” – em suma, “transcendência”, como posto também por Jaspers, dado que colocam na epekeina sua origem primordial na história da filosofia.[10]
Mas o que mais surpreende na nova interpretação vem agora: Heidegger vê um processo em andamento; mas este é realizado na história do espírito humano ou no pensamento de Platão enquanto ocupando um lugar na história? Logo encontramos uma pista de que algo está acontecendo: “Em vez de desvelar, outro significado de verdade se impõe” (p. 33). Vejamos o que é proposto em seu lugar: “Este mito”, diz Heidegger (p. 40), “contém a doutrina da verdade de Platão porque se baseia no primado implícito da ιδέα que se torna senhora sobre a ἀλήθεια”. Heidegger vê um processo que vem a assumir uma posição dominante. Em Platão, porém, eu vejo o estado dominante do ser. A ιδέα não é (e menos ainda se torna) dominante sobre ἀλήθεια, mas a ἀλήθεια refere-se às duas coisas em igual medida: tanto o ser das formas [ou idéias] e seu ser coeso no espírito. Dominante não é a Idéia ou Eidos em geral, mas a Idéia do bem, a forma essencial do perfeito.
Aqui é necessário que nossa discussão se aprofunde em certos detalhes. Consideremos as observações de Heidegger na Doutrina Platônica da Verdade (p. 4l ff.). Minhas glosas estarão abaixo:
Heidegger: Quando Platão diz que a ιδέα que é a matriz dominante que permite o desocultamento, ele insinua uma implicação…
Glosa: Não da pura e simples ιδέα, mas de ιδέα de perfeição. Não permite, mas prepara, mantém, apresenta (παρασχομένη, 517 C). Não o desocultamento, mas mais claro e menos unilateralmente: a verdade desvelante e a realidade desvelada.
Heidegger: isto é, a partir de agora a essência da verdade não se desdobra como a essência do desocultamento da plenitude própria do ser, mas é transposta para a essência da ιδέα.
Glosa: Com “a partir de agora” a construção histórica se torna errônea. É como se Heidegger projetasse Platão na história da filosofia pós-platônica de maneiras misteriosas. Nada é transposto em Platão; inversamente, a realidade não se oculta, a verdade a desvela e desvela o espírito que domina esta verdade e, por meio desta verdade, revela o seu fundamento mais elevado no Bem ou na Perfeição. Ao contrário, a realidade não oculta a verdade, e a verdade desveladora e o espírito dominante que desvela a realidade estão fundamentados em algo ainda mais elevado: o Bem ou a Perfeição.
Heidegger: A essência da verdade abandona seu caráter básico de desocultamento.
Glosa: Se isto significar que o aspecto ontológico da aletheia é limado em favor do aspecto “gnosiológico”, então é – para Platão – falso. A perfeição suprema, αύτό τό άγαθόν, ή τοῦ αγαθοῦ ιδέα, irradia de si mesma a aletheia como a realidade desvelada do ser, como a verdade do saber e como a veracidade da existência, do espírito, que através do saber percebe a realidade do ser.
Heidegger: Assim, da preeminência da ιδέα ou ίδεῖν sobre a ἀλήθεια surge uma inversão da essência da verdade.
Glosa: novamente: da ιδέα suprema. A ίδεῖν não pode aqui, no sentido platônico, ser entendida como uma expressão imaginativa de conhecimento intuitivo. Esta intuição cognitiva não tem preeminência sobre a ιδέα, mas é o objeto da intuição desvelante, da verdade desocultante.
Heidegger: (Heidegger, p. 42 ff.) A verdade se torna όρθότης, a correção da percepção e da expressão.
Glosa: Verdade é, na construção sistemática de Platão, uma e outra juntas: realidade desvelada do ser e correção desvelante do conhecer e do expressar. Em terceiro lugar: a veracidade do Nous, que dirige esse conhecer àquela realidade. Ao invés de Nous, pode-se dizer “existência”.
Heidegger: Nesta mutação da essência da verdade, há simultaneamente uma troca do lugar da verdade. Como desocultamento, ainda é uma característica básica do próprio ser. A precisão do visar torna-se um sinal de uma atitude humana em relação ao ente.
Glosa: A mutação da natureza, assim como a mudança do lugar da verdade, e os dizeres “ainda é” e “torna-se” fazem parte da construção errônea de Heidegger.
Heidegger: De certa forma Platão deve, todavia, manter a verdade ainda como característica do ente.
Glosa: A limitação “de certa forma” e a expressão “ainda” fazem mal ao equilíbrio da construção figurativa de Platão.
Heidegger: Mas, ao mesmo tempo, a questão do desocultamento muda para o âmbito da aparência e, portanto… para a correção do visar. Assim, existe, necessariamente, na doutrina de Platão, uma ambigüidade.
Glosa: Nada se move em Platão, mas a realidade desvelada do ser e a correção do visar estão reciprocamente unidas. Poder-se-ia ainda dizer: bilateralmente.
Heidegger: A ambiguidade se manifesta mais claramente no fato de que Platão trata da ἀλήθεια… e ainda pretende falar do ὀρθότης.
Glosa: A bilateralidade se manifesta aqui em toda a sua crueza devido ao fato de Platão lidar com ambos.
Heidegger: (p. 43 e seguintes) Ambas as proposições falam da preeminência da idéia do Bem como aquilo que torna possível a correção do saber e o desocultamento do conhecido. Verdade é aqui ainda desocultamento e correção, embora o desocultamento já esteja sob o jugo da ιδέα.
Glosa: Aqui Heidegger finalmente retorna à verdade pura e simples. Com “embora” o velho erro volta à cena, e do jugo da união volta-se ao jugo da sujeição. Ao invés de ιδέα, Heidegger deveria ter escrito “a ιδέα suprema”.
No final, o que Heidegger diz é simples, claro e justo (p. 48): “A coisa mais alta no domínio do suprassensível é aquela idéia que, como a idéia de todas as idéias, continua sendo a causa da existência e aparência de todas as entidades”. Mas o que resta, então, – pelo menos no que se refere a Platão – de toda aquela construção que seguimos?
Em minha disputa com Martin Heidegger, percebi que minha oposição inicial à interpretação da aletheia como desocultamento era injustificada. O que permanece firme é minha crítica à construção histórica heideggeriana, cujo resultado se tornou ainda mais claro: não foi pela primeira vez em Platão que a verdade se tornou a precisão da percepção e da asserção. Este significado já estava presente no épico antigo. Para Platão, reina na alethes e na aletheia um equilíbrio entre a verdade que revela, a realidade desvelada e a veracidade que orienta aquela verdade para essa realidade. Platão não corrompeu, como afirma Heidegger, o conceito de aletheia, mas o especificou e o elevou, integrando-o a um sistema.
Nota do Tradutor: Dado que não tive acesso à edição alemã, a presente tradução teve por base a edição italiana [um tijolo de 1560 páginas] traduzida por Andrea Le Moli. Optou-se pela edição italiana porque a edição inglesa contém uma série de falhas, entre elas, simplesmente omite boa parte do conteúdo traduzido aqui. Por ser minha primeira tentativa de traduzir algo do italiano, peço ao leitor que não me amaldiçoe por possíveis erros. Espero que algum dia tenhamos o Platão de Paul Friedländer em Português. O estudioso de Platão sofre neste país…
Bibliografia
Uma explicação mais detalhada do mito da caverna pode ser encontrada em Giovanni Reale — História da filosofia grega e romana v.3: Platão. Para informações sobre os pré-Socráticos, ver G.S. Kirk, J.E. Raven & M. Schofield — Os Filósofos Pré-Socráticos e Giovanni Reale – História da filosofia grega e romana v.1: Pré-socráticos e Orfismo. Fragmentos de Parmênides e Heráclito podem ser vistos em Os Pensadores Originários.
Notas:
[1] Para αληθήϛ, αλήθεια etc. cf. E. Boísacq, Dictionnaire étymologique de la langue grecque, Heídelberg 1950; também Líddel-Scott, PassowCrönert e o já citado artigo em R. Kíttel, Theologisches Worterbuch I, p. 239. Muito prudente é a tese de doutorado da W. Luther, Wahrheit und Lüge im àltesten Griechentum, Boroa 1935. [N.A.]
[2] Etymologicum magnum: τό μή λήθη ύποπίπτον. Etymologicum Gudianum: παρὰ τό λήθω. Hesychium: ὰληθεῖς οί μηδέν ὲπιλανθανόμενοι. Sexto Empírico, Adversus logicos, VIII § 8: ὂθεν και αληθᾐς φερωνύμως ειρῆσθαι τό μὴ λῆθον τὴν τὴν κοινὴν γνώμην. Olimpiodoro, ln Platonis Phaedonem ed. Norvín, 156, 15: (ὲκ τῶν τῶν τοῦ Χαιρωνέως) ὂθεν και ὴ τὸ ὅνομα δηλοῖ λήθης ὲκβολῂν εῖναι εῖναι τῂν επιστήμην. Ver ainda R M Jones, The Platonism of Plutarch, Chicago 1916, p. 101. [N.A.]
[3] Ver Karl Deíchgraber, Hesiod Theogonie, p.80-103, Göttíngen 1947 (impresso como manuscrito, 6 páginas). [N.A.]
[4] E. Heítsch, Die nicht-philosophische ΑΛΕΘΕΙΑ, “Hermes” XC (1962), p. 24 e seguintes. Heítsch denuncia a literatura mais recente que remonta a Johannes Classen (1851). De particular destaque é W. Luther, Der frühgriechische Wahrheitsgedanke im Lichte der Sprache, “Gymnasium” LXV (1958), p. 75 ss., e C.J. Classen, Sprachliche Deutung ais Triebkraft platonischen und sokratischen Philosophierens, in “Zetemata” 22, München 1959, p. 94 ss. [N.A.]
[5] Expressei o mesmo conceito anteriormente com as palavras: “sempre ligado ao verba dicendi, dependente de um verbo deste tipo”. O que é uma simples constatação de um fato linguístico é julgado por Heidegger como uma “conjectura precipitada”: Hegel und die Griechen, in Die Gegenwart der Griechen im neueren Denken, Festschrift für Hans-Georg Gadamer, Tübingen 1960, p. 35 e seguintes. [N.A.]
[6] Sobre a Ilíada, XII 433: γυνὴ χερνῆτις ἀληθής, ou ἀλῆτις ver W Luther, op. cit., p. 24; Leaf, The Iliad, London 1902, I, p. 555; H. Frankel, Die homerischen Gleichnisse, Gõttingen 1921, p. 58 e seguintes. A variante ἀλῆτις parece ser improvável por causa da rima χερνῆτις ἀλῆτις; à ἀληθής concorda, ao que parece, com επι ισα (cf. ισάςουσα) enquanto ἀλῆτις seria um mero ornamento. [N.A.]
[7] Parmênides, Vorsokr. 28 [18] B 3: τό γαρ γαρ αύτό νοεῖν έστιν τε και ειναι ειναι ‘Pois é o mesmo pensar e ser’: Diels-Kranz; símilarmente K. Riezler, Parmenides, Frankfurt a. M. 1934, p. 29. “Pois é a mesma coisa que se pode pensar e pode ser”: Comford, Parmenides, cit., p. 31 e seguintes; da mesma forma, Hölscher, Der Logos hei Heraklit cit., p. 79 e seguintes; ver também H.-G. Gadamer in Varia Variorum cit., p. 64 e H. Fränkel, Dichtung und Philosophie des früheren Griechentums, cit., p. 457 ss. Parece-me certo que o ontólogo Parmênides precise έστιν ou έστιν para significar ‘e’, não ‘pode’. Por outro lado, έστιν provavelmente está enfraquecido se tomado como uma cópula. Talvez isto seja OK: ‘pensar é e ser e, e um e outro são o mesmo’ (a colocação de ti é forçada pelo verso). [N.A.]
[8] Sein und Zeit, p. 219. [N.A.]
[9] Platons Lehre von der Wahrheit, Bena, 1947. Os números das páginas seguintes referem-se a este artigo. [N.A.]
[10] Cf. Heidegger, Vom Wesen des Grundes, “Festschrift für Edmund Husserl”, Halle 1929, p. 71 e seguintes, em particular p. 98: “A transcendência explicitamente indicada na frase de Platão ἐπεκεινα τῇς ούσίας”. No cap. XI, ver G. Krüger, Heidegger und der Humanismus, em “Studia Philosophica” XI, Basiléia 1949, p. 93 ss., em particular pp. 108 ss.; D. Faucci, Una recente interpretatione heideggeriana dei mito della caverna, em “Leonardo”, Milão 1946. [N.A.]
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