Tradução de Germano Kartöffel
Notas e comentários de Helkein Filosofia
Quem quer que tenha tido algum contato com os princípios do programa [de ensino] deste ano voltado à teoria pedagógica e aos tópicos selecionados para os trabalhos anuais provavelmente se perguntou o que uma coisa tem que ver com a outra. Entretanto, a conexão se torna clara caso pensemos com atenção em sua idéia motriz, pois a partir dela lança-se uma luz sobre os temas da verdade [wahrheit] e da clareza [klarheit] e sua influência no ensino e na educação; mas para que entendamos o que isso significa devemos considerar detidamente as expressões contidas nela. Vocês decerto já ouviram e leram mais que o suficiente sobre o que são ensino e educação em seus muitos anos de estudos pedagógicos, mas talvez lhes falte informações necessárias sobre a verdade e a clareza; gostaria, portanto, de discutir ambos os conceitos. Mas investigar o que são a verdade e a clareza é tarefa da epistemologia [Erkenntnistheorie] e da lógica [Logik]; é preciso, portanto, informar-se um pouco acerca dos conceitos básicos destas duas disciplinas filosóficas caso se queira obter algum progresso. As questões da alçada da epistemologia são: “o que é o conhecimento, quais os tipos possíveis de conhecimento e sob quais condições é possível obter um conhecimento correto ou válido?”. Comecemos pela primeira pergunta: conhecer significa adquirir novos conhecimentos ou conhecer um objeto. Esta definição, ainda que provisória e passível de correções no tempo oportuno, nos será útil por enquanto.
Todo conhecimento contém três elementos: um objeto [objekt] ou tema [gegenstand] cognoscível; um sujeito ou uma essência espiritual [geistiges] cognoscente; e a atividade que é o ato do conhecimento. Existem diferentes tipos de conhecimento a depender do objeto visado: por exemplo, para que reconheçamos algo que jaz no mundo externo [a nós], faz-se necessário o uso da percepção sensível, como ver, ouvir etc.; caso eu queira conhecer algo que ocorre em mim, em minha alma, a percepção sensível já não serve e, então, é preciso um modo diferente de percepção, uma que seja interna, também chamada de contemplação [anschauung]. Por outro lado, caso eu queira conhecer, por exemplo, as leis matemáticas ou a estrutura das formas geométricas, então não poderei fazer uso nem da percepção interna e nem da externa: agora é preciso de algo que foi chamado de percepção ideal ou pura. Por outro lado, o conhecimento não difere apenas segundo o objeto visado, mas também segundo do sujeito cognoscente; uma criança conhece distintamente de um adulto, um bárbaro distintamente de um homem culto, e a diferença entre as diferentes formas de conhecimento segundo os diferentes tipos humanos se torna abismal quando comparamos o conhecimento humano com o divino. Claro que há algo em comum entre ambos que nos possibilita dizer que ambos são conhecimento, mas a diferença é tão grande que não nos permite formular uma definição comum.[1] Dissemos anteriormente que o ato de conhecer pode ser entendido como a aquisição de novos conhecimentos, mas isso não serve para o conhecimento divino pois este é um conhecer desde a eternidade.[2] A epistemologia moderna não se preocupa com isso, mas a filosofia católica clássica do medievo, como a de Santo Tomás, sempre compreendeu o tema de forma ampla e não poderemos resolver o problema caso não retornemos à tal formulação do problema. Porém, é suficiente que, por hora, partamos do conhecimento humano; dissemos: o conhecimento humano difere a depender do sujeito e do objeto; mas um mesmo objeto ou sujeito pode ainda ser conhecido de formas bem diferentes. Por exemplo, caso nos encontremos em ambiente estrangeiro, em uma cidade desconhecida, é preciso que abramos os olhos e nos familiarizemos com uma série de novos objetos; quando descemos a rua principal em Speyer pela primeira vez e nos deparamos com a Catedral[3], ela aparece para nós como um objeto completamente novo, especialmente caso assumamos que tenhamos lido ou ouvido algo sobre ela de antemão.
Mas será que já podemos chamar de conhecimento de forma estrita o que foi ganho neste visar? Obviamente não nos contentaremos; essa primeira tomada de posse, puramente passiva, deve ser seguida por outras atividades. Olharemos a catedral de diversos lados, talvez nos perguntando a que estilo ela pertence, nos informaremos sobre seu passado, e por aí vai; e somente após ter feito tudo isso cremos ter adquirido algum conhecimento efetivo [wirkliche Erkenntnis] ou ajuizamento significativo sobre o tema. A percepção sensível da qual partimos foi seguida de uma atividade intelectual múltipla, um pensamento compositor ou divisor.[4] Numa primeira visada, o objeto diante de nós se apresentava como algo simples e uniforme; em seguida o dividimos [o objeto] em diversas partes e qualidades singulares, suas relações com outros objetos etc.; e então atribuímos todo esse complexo ao objeto inicial sob a forma de um ajuizamento, termo comumente associado ao conhecimento. É a partir do ajuizamento que podemos dizer se algo é verdadeiro ou falso.[5] A verdade é um predicado pertencente aos juízos e, de acordo com a definição escolástica clássica, é uma adequação da cognição ao ser.[6] Alcançamos um conhecimento ou um ajuizamento verdadeiro caso o objeto real esteja de acordo com o que o ajuizamento afirma que este seja; para obter o conhecimento verdadeiro, a atividade intelectual seguida da simples apreensão originária deve proceder de acordo com certas leis e regras cujo resultado do processo, o julgamento, deve ter uma forma definida. As leis gerais do pensamento e as formas do juízo, assim como as estruturas relativas a elas, são investigadas pela lógica, que está, portanto, intimamente relacionada à epistemologia. As entidades mais importantes relacionadas à lógica são o conceito, o ajuizamento e a conclusão.[7] Entretanto, o ajuizamento é central; para que se formem conceitos, i.e., para que se determine um objeto por meio de certas características, devo primeiro destacar algumas delas e então formalizá-la como juízo; sendo assim, o conceito é composto por ajuizamentos e, caso estes sejam verdadeiros, então será possível chamar o conceito de verdadeiro ou correto pois concordará com seu objeto. Mas, antes de entrar neste assunto, gostaria de discutir o conceito de clareza. Para isso, devemos voltar ao primeiro nível do conhecimento, a simples apreensão, que dá origem ao pensamento divisor. Ainda que nos limitemos a este “sub-estágio” do conhecimento, podemos proceder de várias maneiras: imaginemos que, em uma caminhada na montanha, somos apanhados por um denso nevoeiro; então surge de repente, diante de nós, em contornos vagos, uma estrutura grande e sinistra que não podemos dizer, ainda, o que é. Chegamos então mais perto, a neblina se dispersa, e vemos claramente, em seus contornos afiados, a hospitaleira casa a que nos destinávamos na caminhada. A visão turva e confusa deu lugar à clara e distinta. Sendo assim a clareza é, portanto, antes de mais nada, um predicado da visão; chamamos de visão clara e distinta aquela segundo a qual podemos reconhecer o que é e como é o objeto visado. Falamos de clareza, porém, não apenas no caso das percepções sensíveis, mas também em outro sentido, por exemplo, no caso de percepções políticas, religiosas e afins, ou seja, no caso de unidades de percepção que contenham grandes conexões espirituais.[8]
A verdade e a clareza não são alheias uma à outra. Como vimos, a divisão mental dos objetos conhecidos está ligada à percepção e, quanto mais clara esta for, maior será a perspectiva de ganhos de verdadeiros conhecimentos através de conceitos corretos. Assim fica claro como a verdade e a clareza se relacionam ao ensino. O que significa ensinar, senão a transmissão do conhecimento? Significa, em primeiro lugar, ensinar aos alunos juízos verdadeiros, percepções claras e conceitos corretos e, em segundo lugar, formar suas mentes de tal forma que se tornem capazes de adquirir, por si mesmos, percepções claras, juízos verdadeiros e conceitos corretos. Isto nos leva a um primeiro resultado: a verdade e a clareza no sentido definido até o momento devem ser o objetivo da educação.
Como podemos alcançar a meta proposta? O primeiro passo é que o próprio professor tenha percepções claras, juízos verdadeiros e seja capaz de construí-los por si, i.e., a verdade e a clareza não são apenas o objetivo do ensino, mas também seu meio; outros meios são apenas acréscimos. O professor deve ensinar os alunos a perceber e a pensar, i.e., mostrar-lhes como perceber e pensar, induzi-los a perceber e pensar junto com ele e, assim, levá-las ao ponto em que possam realizar tais atividades de maneira correta por si mesmas. As exigências modernas de um ensino da percepção e do trabalho servem principalmente a este objetivo.
Mas qual é a relação entre verdade, clareza e educação? O ensino é apenas um setor da educação, em especial no que se refere à formação do entendimento;[9] por outro lado, entendemos por educação a formação da pessoa como um todo, com todas as suas potencialidades e habilidades [Kräften und Fähigkeiten]. A verdade e a clareza podem ser consideradas como objetivo ou meio para isso? Caso consideremos a primeira como objetivo da educação, teremos que entender a verdade num sentido diferente do antedito para que possamos relacioná-la; antes dissemos que a verdade, segundo a definição escolástica, como a tomista, consiste em certa correspondência do conhecimento com o ser; mas também dissemos que pelo [termo] conhecimento algo essencialmente diferente deve ser entendido, a depender se estamos considerando o conhecimento humano ou o divino: o conhecimento humano se refere a coisas e é verdadeiro quando compreende as compreende como elas são; o conhecimento divino é anterior às coisas mesmas e as conhece antes que elas sejam, de certa forma prescrevendo como elas devem ser, contendo dentro de si um arquétipo ou ideia de todas as coisas criadas.
Caso partamos do conhecimento divino, a frase “a verdade é a correspondência do conhecimento com o ser” adquire um novo significado. O conhecimento humano deve estar de acordo com as coisas; mas agora devemos dizer que as coisas são verdadeiras quando concordam com o conhecimento divino, ou seja, quando são o que deveriam ser, de acordo com o plano divino da criação. Todas as coisas criadas são prefiguradas no espírito divino, incluso o homem, que é verdadeiramente humano quando é da forma como Deus o prescreveu, tanto num sentido geral, enquanto humano, quanto em relação à sua personalidade.[10] Para cada ser humano único há um arquétipo teleológico prefigurado no espírito divino e, tendo isso em mente descreveremos o objetivo da educação: o que poderíamos querer com a educação senão que os jovens a ela confiados tornem-se pessoas reais enquanto se tornam verdadeiramente eles mesmos? Mas como alcançar esse objetivo? Uma coisa salta aos olhos: para que a alcance o educador deve ter uma percepção clara e um ajuizamento verdadeiro sobre o em que consiste o objetivo da educação, i.e., a verdadeira humanidade e a verdadeira individualidade. E como podemos atingir tal conhecimento? Os filósofos de todos os tempos se esforçaram por obtê-lo e não chegaram a um resultado uniforme, perdurando a discussão até nossos dias; e como poderia ser de outra forma? O verdadeiro homem, dissemos, é aquele conforme o arquétipo divino do homem; como o conhecimento humano poderia aproximar-se dele? É bastante claro: só podemos saber o que jaz no espírito de Deus quando ele mesmo nos revela, i.e., um verdadeiro ajuizamento sobre o que é o homem e, portanto, sobre o objetivo da educação, só pode ser buscado na verdade revelada. Está posto na doutrina de nossa fé; o meio de atingir nosso objetivo pedagógico é formar o aluno tanto quanto possível segundo o requerido pela fé. Há um modo especial de fazer isso. O verdadeiro homem não nos é revelado apenas pelas palavras do Apocalipse, mas o arquétipo do verdadeiro homem, como prescrito pelo plano divino, tomou forma entre os homens na figura de Jesus Cristo, o Deus-homem [Gottmenschen]. Formar verdadeiras pessoas significa formá-las à imagem de Cristo; coloquemos, então, a criança no caminho correto quando formamos a imagem de Cristo em sua alma e a educamos para trilhar o caminho seguido por Cristo. Mas o professor nunca conseguirá fazer isso ensinando somente através de palavras; para ser capaz de educar verdadeiros seres humanos, ele mesmo deve ser um verdadeiro ser humano. Quanto mais ele estiver conforme a imagem de Cristo melhor poderá formar seus alunos à imagem de Cristo.
Entretanto, o dito parece apontar um dos objetivos da educação e os meios para sua execução no referente à humanidade em geral; a individualidade da pessoa ainda não foi levada em conta. Outro objetivo da educação deve, portanto, ser o desenvolvimento da forma individual prescrita individualmente para cada pessoa, e o pré-requisito para isto parece ser o conhecimento da individualidade do aluno; na verdade esta é a principal demanda da pedagogia moderna desde Rousseau, criar espaço para a individualidade para levá-la a um desenvolvimento livre. Mas como é possível realizar a individualidade? Os pedagogos modernos propõe uma variedade de meios: a criança deve ser ativa por si mesma, deve desenvolver-se livremente por seus próprios impulso, não deve ser abordada via coerção externa. Decerto há algo de verdadeiro nisto; caso alguém possa levar a criança a se comportar de forma que se expresse sem timidez para o professor então terá uma chance de conhecê-la e perceber as linhas que marcam seu desenvolvimento. Mas não devemos imaginar que desta forma seja possível um conhecimento completo da individualidade que, enquanto imago dei posta dentro de cada pessoa enquanto tal e segundo a qual Deus prescreve que esta seja formada, pertence aos mistérios que Ele reservou para si mesmo e que não podem ser acessados por qualquer ser humano. Nenhum ser humano nos conhece perfeitamente como somos e nem nós mesmos; se o objetivo capital da educação tivesse de basear-se num conhecimento completo da individualidade, então permaneceríamos para sempre na estaca zero, dado que o único que poderia educar individualmente seria Deus – e, no fim das contas, isso também é correto. O que fazemos em matéria de educação é apenas um trabalho preliminar e muito moderno, mas possível, e consiste principalmente na tentativa de abrir caminho para o objetivo da educação em geral. Dissemos anteriormente que colocamos a criança no caminho correto quanto a levamos a querer viver segundo Cristo, i.e., quando ela renuncia à própria vontade e coloca a direção de sua vida nas mãos de Deus. Num primeiro momento parece que renunciou-se à individualidade, mas não é o caso. Deus conduz o homem de tal forma que ele se torna um verdadeiro ser humano. Mas isso não significa que ele se torna um “homem em geral”, dado que a humanidade verdadeira existe apenas sob formas individuais. Aquele que entrega sua vida nas mãos de Deus pode ter certeza, e só ele pode ter certeza, de que se tornará completamente ele mesmo, i.e., se tornará o que Deus deseja que ele seja; nada há de mais tolo do que a preocupação com a preservação da individualidade e sua ansiosa busca que tanto domina a pedagogia moderna.
Nos restam apenas algumas coisas a dizer sobre a questão da clareza como ferramenta e objetivo educacional. Referente aos meios, é bastante simples: é preciso ter uma percepção clara sobre o objetivo da educação e seus meios de execução para que se possa alcançá-la. Isso difere da clareza como objetivo da educação. Pode-se dizer que uma pessoa é clara do mesmo modo como se diz que ela é verdadeira? O uso se faz por diferentes sentidos. Dizemos que é clara quando tem opiniões claras e confusa quando o oposto; é óbvio, neste sentido, que clareza refere-se ao objetivo da educação. Acima de tudo, o homem deve ter idéias claras sobre o que deve se tornar para que possa educar-se e o que, em última análise, deve ser substituído na educação alheia. Mas também se fala de clareza em outro sentido; há pessoas cuja natureza interna brilha claramente em todo o seu comportamento, e cujas ações podem ser previstas segundo tal ou qual situação. Estas pessoas são aquelas com princípios claros e firmes e que agem segundo tais; também neste sentido, a clareza deve ser o objetivo da educação.
E, então, podemos falar de clareza num terceiro sentido. Diz-se de algumas pessoas que é possível ver até o fundo de sua alma da mesma forma que vemos o fundo de um lago translúcido. Neste sentido, a clareza também deve ser visada pela educação? Não creio que isso possa ser respondido facilmente. Decerto é uma característica agradável, mas não algo que possa ser exigido de todo ser humano; além disso, não é algo que valha, strictu sensu, para algum ser humano. Como antedito, a individualidade é um mistério capital que pessoa alguma pode penetrar completamente; logo, uma tentativa do tipo soa fútil. Portanto, a verdade final que chegamos acerca da educação consiste na realização das limitações de todo o nosso trabalho educacional. Lançamos a semente mas não sabemos se elas cairão em solo pedregoso ou em solo propício; no fim das contas quem a faz germinar é Deus.[11]
Eis, portanto, o resultado alcançado: a clareza da percepção, a veracidade do ajuizamento e da conceituação são o objetivo e o meio do ensino. A verdade como correspondência do homem com o que ele deve ser segundo o plano divino da criação, a clareza como posse de uma percepção clara e como correspondência entre a teoria e a prática é o objetivo da educação. Percepções claras e verdadeiras sobre o objetivo da educação devem estar de posse do educador para que leve a cabo os meios para educar. Estes resultados devem fornecer então os fundamentos para que examinemos slogans modernos e suas causas, seu núcleo verdadeiro, sua unilateralidade e seus erros segundo um princípio interno.
Nota do Tradutor e recomendações em geral
A presente tradução advém de uma pequena transcrição de palestra contida no vol.16 das obras completas de Edith Stein. Optou-se pela versão alemã por alguns motivos: a) caso o tradutor pare de praticar ele esquecerá como se lê b) a versão da obra completa em espanhol é alvo constante de reclamações. O segundo motivo é o mesmo que, aqui, nos impele a, em vez de recomendar a obra completa, indicar apenas alguns livros para que o interessado na obra de Sta. Teresa Benedita da Cruz possa conhecer um pouco mais.
Obras diretamente relacionadas ao assunto do texto e bibliografia auxiliar utilizada nos rodapés
- Ideias Para uma Fenomenologia Pura
- Da Interpretação
- Verdade e Conhecimento [De Veritate Q.1]
- Ser e Dever-Ser
- Sto. Tomás de Aquino [Companion]
- Fundamentos da Antropologia Filosófica e Pedagógica de Edith Stein
- Pessoa humana e singularidade em Edith Stein
- Edith Stein e a Psicologia
- A Formação da Pessoa em Edith Stein
Obras de Edith Stein editadas em Português
- Vida de Uma Família Judia e Outros Escritos Autobiográficos
- Textos Sobre Husserl e Tomás de Aquino
- A Mulher: sua Missão Segundo a Natureza e a Graça
- Uma Investigação Sobre o Estado
- Castelo Interior – A filosofia de Santa Teresa D’Ávila
- A ciência da cruz: Estudo sobre São João da Cruz
- Ser Finito e Ser Eterno
Notas
[1] Gosto muito dos textos da Dra. Edith Stein [também conhecida como Sta. Teresa Benedita da Cruz] por ter sido uma das poucas pessoas capazes de inserir o tema da analogia do ser, com toda a naturalidade do mundo, num escrito voltado a pedagogos e não a metafísicos. De forma simples, é possível chamar o conhecimento humano e o conhecimento divino pelo mesmo nome através de uma relação proporcional sintética de semelhança e diferença que possibilita que encontremos um ponto em comum entre ambos os processos [de conhecimento]. Através desse ponto em comum, que não é idêntico [unívoco] e nem totalmente dessemelhante [equívoco], podemos chamar o conhecimento humano e o divino de conhecimento. No limite, o termo último, o analogon supremo, é a noção de ser, que abarca numa noção comum todos os dessemelhantes. [N.T.]
[2] Se Deus conhece desde a eternidade então conhece tudo o que há nela; como tudo o que há no tempo enquanto esfera inclusa na esfera da eternidade então Deus conhece tudo. Se conhecimento for tido como aquisição de novos conhecimentos, então Deus não conhece pois já sabe de tudo. Assim a definição para o conhecimento humano não serve para Deus e é preciso encontrar uma nova e ampla o suficiente para que abarque os dois modos. [N.T.]
[3] A Catedral de Speyer fica na cidade de [obviamente] Speyer, Renânia-Palatinato, Alemanha. [N.T.]
[4] Zergliederndes und zusammenfassendes Denken. Edith pensa a atividade intelectual como compositora e divisora nos moldes das divisio e compositio tomistas; sendo assim optei por traduzir as duas operações como compositora e divisora, evitando ainda os termos analítico e sintético para que não pensemos num viés kantiano. Podemos ainda perceber como ela segue o “roteiro” das três operações do espírito, a saber, simples apreensão, ajuizamento e raciocínio. [N.T.]
[5] É simples de entender a verdade enquanto [dado que não ela não se reduz a] propriedade do ajuizamento. A verdade nesse sentido é expressa numa proposição que afirma ou nega algo; mas o mero visar de algo, apreendê-lo, tê-lo posto à frente como objeto não inclui o afirmar ou negar, mas uma espécie de “selecionar” do objeto que será submetido ao ajuizamento. Essa idéia foi expressa, pela primeira vez, por Aristóteles em seu Da Interpretação 16a, e serve de argumento contra o antigo argumento cético acerca da ilusão dos sentidos; se a verdade e a falsidade são propriedades do ajuizamento então é ele que se engana e não a percepção sensível, responsável apenas pela simples apreensão. [N.T.]
[6] Übereinstimmung der Erkenntnis und des Seins. Optei por traduzir como explicado no texto, mas, caso queiramos maior precisão, é mais correto dizer que a verdade é certa adequação do intelecto com a coisa: veritas est adaequatio rei et intellectus [De Veritate Q.1 Resp.]. Expliquemos: após a apreensão, o ajuizamento e a conceituação temos [como era de se esperar] um conceito formado acerca de algo; esse conceito, para que seja verdadeiro, deve corresponder a um fundamento real que é, por conseguinte, o objeto apreendido; caso o conceito corresponda à sua fonte, então ele é verdadeiro e, por conseguinte, nesse sentido, aquele que o enunciou disse a verdade no sentido proposto. Deve-se insistir, a título de precaução, que o sentido exposto contempla apenas um dos três sentidos do termo verdade expostos por Sto. Tomás em seu De Veritate; digo isso pois filósofos modernos tenderam a considerar este como o único sentido do termo e, por conseguinte, fizeram espantalho do ensinamento de Sto. Tomás. Edith Stein entende os três sentidos em profundidade. [N.T.]
[7] Forma do Silogismo: premissa maior, premissa menor e conclusão; é a mesma estrutura triádica das operações do espírito. [N.T.]
[8] Do mesmo modo que chamamos de claras aquelas coisas que, tocadas pela luz, surgem nítidas à vista, chamamos de claros aqueles assuntos que, apresentados a nós, se mostram perfeitamente inteligíveis como grandes complexos conceituais. [N.T.]
[9] Bildung des Verstandes. Seria a temida formação do imaginário? [N.T.]
[10] Pensamento 100% Platônico. [N.T.]
[11] Mt. 13:1-9 “Naquele dia, saiu Jesus e sentou-se à beira do lago. Acercou-se dele, porém, uma tal multidão, que precisou entrar numa barca. Nela se assentou, enquanto a multidão ficava à margem. E seus discursos foram uma série de parábolas. Disse ele: “Um semeador saiu a semear. E, semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros vieram e a comeram. Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda. Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes. Outras sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram. Outras, enfim, caíram em terra boa: deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um. Aquele que tem ouvidos, ouça”.” [N.T.]
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