Por Louis Lavelle
Tradução de Johann Alves
Notas e Comentários de Helkein Filosofia
7.Como a liberdade eclode em uma multiplicidade de possibilidade diferentes.
Dizer que nossa atividade é livre significa, em primeiro lugar, que ela tem em si mesma a origem ou princípio do seu próprio jogo. Em segundo lugar, que ela se destaca da realidade para se tornar ela própria um primeiro começo, ou seja, um poder criador. Por fim, significa que ela eclode em uma infinita multiplicidade de possibilidades, entre as quais cabe a nós escolhermos. Se eu rompo a espontaneidade da natureza por meio da reflexão, e se minha liberdade sempre implica em um regresso à indeterminação[1], esse regresso só faz sentido se ele me levar à presença de uma potencialidade infinita que ela carrega dentro de si mesma, como um universo em fusão.
As possibilidades não precedem a liberdade: elas são o seu trabalho e só existem nela; trata-se apenas fazê-las surgir do seu próprio exercício e, ao contrário do que se pensa, é apenas nela que elas encontram a sua morada. Elas são a própria liberdade na medida em que ela se divide em dois poderes distintos: o entendimento, que é capaz de pensá-las, e a vontade, que é capaz de realizá-las. E compreendemos, como Descartes viu admiravelmente, que destes dois poderes, o entendimento prevalece em magnitude, de vez que a vontade prevalece em eficácia, se for verdade que o primeiro virtualiza tudo o que pode existir, enquanto que o segundo atualiza o que cada um de nós é capaz de fazer de acordo com as nossas forças e com a situação particular que ocupamos no mundo. É apenas em Deus que estes dois poderes se identificam e se confundem.
Portanto, a liberdade é a criadora das suas próprias possibilidades. Ou melhor ainda, estas possibilidades resultam da análise da liberdade neste tipo de relação do eu consigo mesmo, que lhe permite precisamente se determinar e agir. A liberdade envolve, deste modo, uma escolha, mas uma escolha que se realiza no seu interior e não entre fins externos que lhe são simplesmente propostos.
Então é a liberdade que faz a união de uno e do múltiplo. Pois não há nada mais uno do que a liberdade, que é o ponto extremo da consciência e do eu, este poder indivisível que temos de escolher e de dizer sim ou não, de consentir ou recusar, de se comprometer ou se ilibar. Onde quer que a liberdade se curve ou cesse, é a própria unidade do eu que se dissolve. Seria vão pensar que se pode afirmar a unidade de uma coisa, pois esta coisa não é nada sem que eu a coloque ao me opor a ela: é outra por essência, e, como uma coisa dada, é uma matéria infinitamente divisível que o espírito pode constantemente decompor e recompor como desejar. A liberdade, pelo contrário, é a indivisibilidade deste ato que é apenas ato, mas que é ato pelo próprio poder que tem de escolher entre as possibilidades que carrega dentro de si e que ela mesma cria para se realizar. Pode-se dizer, portanto, que a própria perfeição de sua unidade, expressa-se pela escolha do sim e do não.
Mas convém lembrarmos que a própria natureza da unidade é ser a unidade de uma diversidade dada, sem a qual seria a unidade de nada. No entanto, esta unidade de composição só tem validade para o domínio do conhecimento: ela se aplica apenas à representação. No domínio do ser, que é também o domínio da ação, a unidade não pressupõe a diversidade, ela a engendra, não só como seu efeito, mas também como a condição de sua operação. E podemos pensar que, da liberdade, na medida em que ela produz a si mesma, derivam tanto a infinita multiplicidade de formas do possível como, entre elas, a infinita multiplicidade de formas do real, na medida em que depende de nós fazê-las ser. A teoria da liberdade é, portanto, também uma ontogenia. A liberdade abunda em uma infinidade de possibilidades, e às vezes sonhamos em manter a disposição de todas elas, como se mutilássemos a nós mesmos ao realizar uma delas em detrimento de todas as outras. Pensamos que assim não perdemos nada; mas isso é o efeito tanto de um diletantismo quanto da avareza e da covardia: é um grande sinal de impotência pensar que há mais realidade naquilo que imaginamos do que naquilo que fazemos. Querer ser tudo ao mesmo tempo é não poder ser nada; a própria imaginação só pode representar sucessivamente todas estas possibilidades que nos são propostas, mas que não estão de acordo e se contradizem: ao realizá-las, só aparentemente reduzimos o que poderíamos ser, enquanto sempre acrescentamos ao que somos.
8. A liberdade e o tempo
O problema da liberdade envolve o problema do tempo e talvez eles sejam inseparáveis. Na concepção clássica do tempo, que é unilinear e onde o futuro sucede ao passado, que nunca deixa de engendrá-lo, é difícil não considerar o que foi como o portador das razões do que será; pois, se assim não fosse, parece que o futuro seria sem causa e o passado sem efeito; e a ordem do tempo, como viu Kant, deixaria de ser inteligível. Tal ordem torna-se assim o esquema da causalidade clássica, tal como utilizado pelo cientista na noção de energia ou pelo teólogo na noção de pecado. É o peso acumulado do passado que é descarregado no futuro. Contudo, é impossível que tal ordem não seja rompida pelo cientista, quando este introduz, na sequência dos acontecimentos, uma ação técnica que altera o seu curso, ou pelo teólogo, quando este permite um ato de arrependimento para reparar as consequências do pecado. Deste mesmo ato, se ele utiliza dos materiais emprestados do passado, deve ser dito, no entanto, que ele lhes dá uma nova orientação que, como tal, é uma ruptura e um primeiro começo e que, no próprio instante em que ocorre, aparece como uma espécie de irrupção do intemporal no temporal.
Mas as coisas são mais fáceis de compreender se, ao contrário da opinião comum, aceitarmos, como propusemos no nosso livro Du Temps et de l’Éternité, inverter a ordem do tempo. Pois, se não considerarmos o futuro como realizado, ou seja, como já passado, mas na medida em que é futuro, ou seja, como possível, é evidente que ele é anterior ao passado, pois é sempre o futuro que se torna o passado.[2] No entanto, o futuro está sempre por nascer, ele não é nada mais é do que um possível que se atualiza. E é a sua própria atualização que o faz cair no passado. A ordem que vai do passado para o futuro é a ordem das realizações consumadas e não das realizações que se consumam, a ordem segundo a qual as coisas são feitas e não a ordem segundo a qual as coisas se fazem. É retrospectiva, não prospectiva. É a ordem segundo a qual o conhecimento se desdobra, que se opõe à ordem segundo a qual a ação é produzida, a ordem da história que regista às avessas a ordem da vida. O ser emerge constantemente do nada do futuro para entrar no passado que o realiza. O futuro enquanto tal é o lugar da liberdade, ou seja, de um ato que sempre recomeça.
A análise do tempo e a contraposição do passado e do futuro nos faria opor a necessidade à liberdade como as suas duas faces inseparáveis; no entanto, a distinção no tempo de duas ordens opostas, uma das quais é a ordem do conhecer e a outra a ordem do ser, resulta na subordinação da necessidade à liberdade e na demonstração de que a primeira pressupõe a segunda, que a engendra, em vez de ser reduzida a ela. Assim, dependendo da ordem que adoto para considerar o curso do tempo, dependendo se o futuro me parece vir do passado ou o passado do futuro, o tempo me subjuga ou me liberta.
Pois podemos ver que a necessidade só pode reinar onde as coisas se sucedem no tempo como um devir especulativo, ou seja, aos olhos da pessoa que considera o tempo de fora como o esquema do conhecimento: então a ordem realizada é uma ordem implacável que se impõe à consciência e que a razão explica o melhor que pode. Por outro lado, assim que o tempo é vivido como nosso, somos libertos de sua escravidão; pois o tempo é o meio da nossa liberdade, ele dificilmente se distingue do seu exercício: o futuro torna-se o lugar da nossa ação, povoado de possibilidades entre as quais devemos escolher e que não deixamos, através da atualização, de converter em nosso próprio ser.
Mas do futuro considerado em si mesmo, pode-se dizer que pertence propriamente ao tempo? Pertence-lhe apenas ao se realizar, ou seja, tornando-se passado. Até lá, ele é apenas uma possibilidade intemporal; e a liberdade que o realiza o faz entrar no tempo sem que ela mesma pertença ao tempo. Ela é, portanto, a criadora do tempo. E quando dizemos que é primeira, é para mostrar que ela não ocupa nenhum lugar no tempo, onde não há nada de primeiro, mas que ela traz a eternidade ao tempo. E ela pode fazê-lo graças ao instante em que atua e cuja função é dupla, pois é o ponto imóvel onde não deixa de converter o futuro no passado, ou seja, a própria génese do tempo.
Assim, podemos dizer que a liberdade é, a um só tempo, temporal e intemporal: temporal pelos efeitos que ela deposita no tempo, e intemporal pela fonte de onde ela se origina e que sempre os transcende. Não se deve acreditar, como frequentemente se faz, que a liberdade é uma atividade temporal que se entrelaça com o tecido do devir. Ela está sempre acima do tempo, mas a nossa existência se assenta a cada instante nesta liberdade intemporal; não há uma única fase do seu desenvolvimento que não dependa dela e que não ostente, por assim dizer, a sua marca. O devir da nossa vida é o vestígio deixado no tempo por uma liberdade que nunca deixa de agir: mas é, tal como o ato criativo, simultânea aos seus efeitos, sem nascer ou morrer com eles. Ela é transcendente em relação ao tempo, ou ainda, há um tempo que lhe próprio e no qual ela sempre recomeça novamente.
9. A passagem do nada ao ser
A liberdade parece implicar a passagem do nada ao ser, pois antes que ela se exerça, não há nada (ou, pelo menos, o que a liberdade retira do nada, não existia); e ela mesma, que é apenas um poder, enquanto não age, parece não existir. Damo-nos conta deste poder no momento em que ele age, mas antes de agir, como poderíamos distingui-lo do nada? É necessário, portanto, que nela se realize a passagem do nada para o ser, ou ao menos que ela seja uma sorte de intermediária entre o ser e o nada, capaz de extrair do nada tanto o que é quanto o que faz.[3]
No entanto, há uma dificuldade insuperável nesta concepção, que resulta precisamente da inserção, no tempo, desta mesma oposição que aqui se estabelece entre o ser e o nada. Pois é contraditório colocar um tempo primeiro, uma espécie de antes que seria ocupado pelo nada, e um tempo segundo, uma espécie de depois, em que a liberdade, ao agir, introduziria nesse nada o próprio ser do seu efeito. E a própria noção desse poder que não pertence nem ao ser, nem ao nada, mas que faz surgir o primeiro do segundo, é ela mesma sem sentido. No entanto, é sob esta forma elementar que a imaginação popular representa o próprio ato da criação. Mas tudo muda se compreendermos que as palavras nada e ser não representam um antes e um depois, mas expressam dois aspectos simultâneos do ato livre que são essenciais à sua definição. Pois é verdadeiro dizer que, a todo momento, a liberdade é como um puro nada, desde que se pense que o ser é uma realidade ou uma coisa; ou que ela é próprio ser, caso se aceite o velho adágio de que ser é agir: pois, então, a realidade e a coisa não são mais do que aparência e fenômeno.
Não nos deteremos pela objeção de que a ação da liberdade é, no entanto, intermitente, e que ela que não age, ou que, se reduzida ao desemprego, é um poder inerte que razão nenhuma poderia fazê-la agir sem aboli-la. Assim, ela seria um poder só de nome. Mas se a liberdade é arrancada do tempo e confundida com o seu próprio ato, ela está sempre presente e ativa; não conhece nem interrupção e nem fracasso. Pois para ela não agir é também uma ação. Só podemos olhá-la sob dois aspectos diferentes: nesta espécie de atualidade eterna e transcendente, onde permanece sempre disponível, e na participação, onde se mistura com a natureza e pode escolher a qualquer instante, na presença do acontecimento, exercer-se ou abdicar-se.
10. A liberdade como primeiro começo
Ainda podemos dizer que a liberdade é um primeiro começo, no sentido em que ela é a própria origem do tempo, isto é, uma origem que é apenas uma origem, ou a origem, no instante, de tudo o que pode se produzir no instante. É, se quisermos, este primeiro começo que sempre recomeça novamente.
A liberdade escapa à lei do tempo porque é ela mesma uma causa que não é o efeito de nada. E os próprios efeitos que produz, podem sempre deixar de estar correlacionados a ela, uma vez que eles pertencem ao mundo do tempo, onde os acontecimentos se desenrolam segundo uma ordem sucessiva e onde o antes parece sempre uma causa suficiente do depois. Mas esta é uma ilusão que mostra que todo o devir é apenas uma projeção do ato livre, que expressa o seu poder e os seus limites, de modo que, onde quer que este ato se exerça, ele estabelece entre os acontecimentos uma ordem necessária da qual ele próprio é razão, e onde quer que se dobre, uma ordem que continua a ser necessária, mas que depende apenas da simples inclinação do tempo.
Vemos então que o primeiro começo do tempo está sempre presente ao tempo inteiro, embora ele possa ser tomado como sempre ausente, se considerarmos o tempo como suficiente em si mesmo.
Assim, estamos muito longe da tese de Bergson, segundo a qual a liberdade é sempre a expressão e a acumulação de todo o passado, na medida em que essa acumulação sempre explica a novidade do impulso criador. Ao contrário, o ato livre é para nós sempre um recomeço e nunca uma continuação. É uma ruptura e uma conversão. A afirmação de que a vida deve sempre recomeçar é inseparável das nossas melhores resoluções; mas é difícil mantê-las, pois o passado depressa nos subjuga novamente. Os antigos pensavam que, se houvesse uma nova vida após a morte, ela só poderia surgir depois de termos atravessado as águas do rio Lethe. No entanto, a morte não pode fazer outra coisa senão expressar, em sua forma derradeira, a própria experiência da existência. E na existência, cabe a liberdade fazer de nós um ser verdadeiramente espiritual, ou seja, um ser que, libertando-se da servidão do passado, produz sempre novamente as suas próprias razões de agir.
11. A liberdade, que é o espírito em ato, é criadora das suas próprias razões.
Não se deve definir a liberdade pela indeterminação ou pela indiferença, que é uma definição negativa que a reduziria a um puro estado de equilíbrio até ao momento em que uma solicitação exterior, por mais fraca que se suponha, fizesse pender a balança. Ela é essencialmente o poder de se determinar; e a indiferença, quando subsiste, é a marca de uma fraqueza extrema e de um perfeito vazio interior: é um estado do qual procuramos sempre nos libertar. É notável que a palavra determinação possa ser usada tanto para excluir a existência da liberdade como, pelo contrário, para designar o seu ato mais específico: dizemos uma “determinação da vontade” ou mesmo “ter determinação” para evocar um poder de agir que vem de nós e não das coisas. É que a liberdade se opõe ao determinismo apenas como uma atividade determinada por razões se opções a uma atividade determinada por causas, ou, o que é a mesma coisa, como uma atividade que procede da consciência se opõe a uma atividade que procede da natureza.
Nenhum ato pode ser justificado através da pura liberdade, mas somente pelas razões que o eu ratifica, em que ele se reconhece e se compromete. Mas, então, parece que a liberdade deixa de ser um primeiro começo, pois será dito que, acima dela, há razões que a comandam e a subjugam. No entanto, não é bem assim, a não ser que materializemos essas razões e as transformemos em coisas. Mas se a liberdade é o espírito em ato, não temos o direito de dizer que ela é estranha a toda razão, como fazem os partidários da liberdade de indiferença, nem que ela obedece às razões, como fazem os partidários do intelectualismo. Deve-se dizer que é ela mesma a criadora das suas próprias razões, ou que ela é uma atividade que justifica a si mesma. A razão não é o seu modelo ou a sua regra, ela é o seu efeito e o seu fruto. Só uma atividade que tenha produzido as suas próprias razões é uma atividade livre. Pois não há liberdade em uma atividade sem razão, nem em uma atividade sujeita a razões que ela própria não produziu. E não se poderá objetar que a sua origem está em um poder arbitrário que as dita, pois, pelo contrário, esse poder deixa de ser arbitrário precisamente quando engendra o critério que o julga. Não se muda a natureza da razão ao considerar nela não há regra que a exprime, mas o ato do qual ela procede. E de nada adianta dizer que ela poderia ser de outro modo, pois, se é a liberdade que a faz ser, é para que ela possa reconhecer a sua validade e submeter a si mesma à sua jurisdição. Há aí um círculo entre o ser e a razão de ser que é, sem dúvida, característico de um termo primeiro, e onde vemos o eu provar que é livre ao extrair de si mesmo as razões que o justificam. A liberdade autentifica então a sua própria interioridade a si mesma. Já não há nada de exterior que a determine. Ela é una com o espírito considerado em sua pura atividade e em sua perfeita suficiência.
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Artigo publicado no número de novembro-dezembro da revista Jornal de Metafísica [Giornale di Metafisica], Turim, 1949. Este volume foi consagrado ao problema da liberdade.
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Bônus: Recomendações de leitura ao interessado em Louis Lavelle.
por Helkein Filosofia
Comentário: Louis Lavelle pode ser visto como estranho a seu tempo: em um mundo prestes a afundar-se ou no niilismo ou em seus parentes, o filósofo resolveu tomar a direção inversa e fazer metafísica. O desespero, que alimenta tantos tipos de pensamento, nasce da constatação do abismo sob os pés; uma queda constante, um devir cruel, i.e, uma sensação de que nada há senão o caos que, uma vez camuflado por nossas elucubrações, volta do princípio dos tempos para nos pegar. Mas se é assim, o que a filosofia pode fazer? Ela pode fornecer bases fixas e certas, o regramento da realidade que nos mostra que o caos está antes em nossa incapacidade de compreender a ordem. O que o desesperado precisa não é constatar sua miséria e permanecer nela; ele não precisa amar sua miséria, amar seu estado decaído e crer que suportaria, impávido, um destino em que tudo se repetisse eternamente ou que fôssemos meros entes atirados no ser; o que ele [o desesperado] precisa é do instrumento final da filosofia: a disciplina do ser enquanto ser. Não sei se Lavelle pensou assim, mas o dado é que agiu como se tivesse — e talvez também por isso tenha se tornado um autor tão querido. Forneço aqui algumas sugestões de leitura ao interessado naquele que por vezes foi chamado de Platão do sec. XX.
Urge que sigamos a sugestão do autor e leiamos seus escritos populares. Sendo assim, em primeiro lugar, creio que a melhor porta de entrada seja o magnífico A Consciência de si; logo em seguida vem o tão necessário O Mal e o Sofrimento e então talvez um dos livros mais estranhos a seu tempo que saíram da pena de nosso filósofo, O Erro de Narciso. Resta então, quanto aos escritos populares disponíveis em português, a coletânea de artigos Ciência Estética Metafísica, um livro misto, dado que seu conteúdo pode, em linguagem jovem, “ir de zero a 100 muito rápido” e passar de uma simples resenha a um comentário de física quântica. Deixo o Regras da Vida Cotidiana a critério do leitor, dado que o livro é constituído de anotações que o filósofo não pretendia publicar.
Creio que todos os livros sugeridos sejam de leitura livre, i.e., podem ser lidos a qualquer momento sem que exijam muito mais do que atenção redobrada — dado que o autor é famoso por escrever pouco e dizer muito. Mas a coisa muda totalmente de figura quando falamos de A Presença Total, o “livro de divulgação metafísica” [sic] de Lavelle, em que ele busca apresentar um resumo [sic, novamente] de sua imensa Dialética do Eterno Presente, coleção de que gozamos de apenas um mísero volume em português, a saber, Do Ser. Para ambos os citados roga-se que o leitor tenha feito o dever de casa, a saber, conhecer mais ou menos os dois mil anos de filosofia que ocorreram antes de Lavelle começar a escrever suas obras. Há muitas outras obras escritas por Lavelle e principalmente muitas outras que não possuem traduções para o português; por outro lado, creio que as recomendadas aqui darão ao interessado um bom panorama das idéias do filósofo.
Notas:
[1] No sentido de que toda liberdade é exercida no âmbito da determinação, digo, segundo regras. Movo meu braço segundo as regras de suas articulações e não posso, ao menos sem prejuízo, dobrar o cotovelo no sentido contrário. Podemos andar para frente e correr, mas nossa velocidade é limitada por nossa condição física. Assim, por mais irrestrito que o conceito de liberdade possa ser, sua realização concreta opera segundo regras determinadas – ainda que não seja redutível a ela. [N.E.]
[2] Inversão análoga à tomista quando, no comentário da Física, coloca a causa final como anterior à eficiente na medida em que a causa eficiente opera em razão da final, digo, enquanto encontra seu termo na realização daquela. [N.E.]
[3] É importante ter em mente que, aqui, não se fala em sentido metafísico. O “nada” referido é antes o “não-realizado”, não “posto no curso do tempo” enquanto transformado de presente em passado, i.e., não tendo vindo-a-ser. [N.E.]
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