Um pouco sobre os antepredicamentos
Por Jose Hellin S.J.
Tradução, Notas e Comentários de Helkein Filosofia
Nomes comuns [1] [ou universais] são aqueles que predicam de muitos seres que são realmente distintos entre si [2]; estes são chamados de inferiores. O nome comum pode ser predicado de seus inferiores em sentido totalmente diverso e sem fundamento real nessa comunidade ou em sentido não totalmente alheio.
Se o nome dito de muitos [o universal] o é em sentido totalmente diverso, o chamamos de equívoco; por exemplo, o nome touro quando aplicado a um animal, a um monte, a uma cidade, e até quando dito tanto do animal como de uma constelação. Se o nome dito de muitos não o é totalmente diverso, então podem suceder-se dois casos: ou é dito em sentido perfeitamente idêntico, i.e., com igualdade e sem dependência nem ordem entre um e outro, ou com desigualdade e ordem de dependência de um a outro. Se ocorre o primeiro, o termo se chama unívoco; se sucede o segundo, é chamado termo análogo. Fica claro, assim, como o termo análogo intermedeia o equívoco e o unívoco. Não é dito dos inferiores em sentido inteiramente idêntico, nem inteiramente diverso, mas em parte idêntico e em parte diverso. [3] Consideremos agora a subdivisão destes termos.
O termo unívoco, por sua vez, ou prescinde perfeitamente, i.e., mutuamente de suas diferenças, ou não o faz, mas as transcende formalmente de modo que os inferiores sejam definidos pela razão comum. Se sucede o primeiro caso, temos os unívocos universais, como os gêneros e as espécies; se o segundo, temos os unívocos não universais ou transcendentes, como se dá, por exemplo, com o ser que se refere a todos os animais ou a todos os homens ou ainda a todas as substâncias completas criadas. Esta divisão talvez soe estranha, mas Suárez nos familiarizará com ela.
O termo análogo se refere ou a uma forma que está própria e intrínseca somente em um dos inferiores – o chamado analogado principal e nos demais que se chamam analogados secundários – e se dá somente devido a certa ordem em relação à forma principal, ou se refere a uma forma que se dá formal e intrinsecamente em todos os inferiores, mas principalmente em um, se dando nos outros somente de forma ordenada ao principal. Se ocorre o primeiro caso, temos a analogia extrínseca; se o segundo, a analogia intrínseca ou metafísica, a única de importância capital para a metafísica. A analogia extrínseca é mais propriamente uma figura de linguagem e deveria ser de uso exclusivamente literário. O dito é clarificado com exemplos clássicos: o nome “leão”, quando aplicado a Deus ou a um animal, e o termo “sanidade” quando aplicado à medicina e ao animal, são exemplos paradigmáticos de analogia extrínseca, visto que a forma “leão” está apenas no animal, e em Deus apenas é dito por semelhança proporcional com o leão; e “sanidade” está formalmente apenas no animal, sendo que na medicina é dito na medida em que serve de medium para o reestabelecimento da sanidade animal. O ser, quando dito de Deus e da criatura, ou da substância e do acidente, é um termo análogo enquanto analogia intrínseca, porque a forma se diz própria e intrinsecamente de todos os inferiores, mas de maneira diversa e ordenada em relação a um e a outro.
Subdivisão da analogia extrínseca. – No caso da analogia extrínseca, ou a forma significada é atribuída aos secundários por certa semelhança proporcional com o principal, ou por certa referência dos analogados inferiores aos superiores, como a [causa] eficiente, a [causa] exemplar ou a [causa] final. Se ocorre o primeiro caso, temos a analogia de proporcionalidade extrínseca ou metafórica, ou de muitos a muitos; se o segundo, teremos a analógica de atribuição extrínseca. Nos dois exemplos mencionados onde tomamos o nome “leão”, tal é dito de Deus por certa semelhança proporcional de Deus com o leão na medida de uma proporcionalidade extrínseca metafórica, que expressa semelhanças de proporções ou conveniência de relações quaisquer. Assim, tal analogia na frase: “Deus é o leão de Judá” equivale a outra: Deus é sua fortaleza em resistir e punir o adversário assim como o leão é sua fortaleza em resistir e punir aos seus. Em geral a fórmula é: A está para B como C está para D. Na analogia de atribuição extrínseca, o termo, por exemplo, sanidade, convém à medicina por ordenar a saúde ao animal como um meio para um fim.
Na analogia de atribuição extrínseca, podemos considerar outra subdivisão, visto que o termo análogo pode ser considerado como referente a todos os inferiores tanto principais como secundários ou somente em relação aos secundários. Se ocorre o primeiro caso, temos a analogia de atribuição extrínseca imediata ou de um a um, “unius ad unum”; se o segundo, temos a analogia de atribuição extrínseca mediata ou de muitos a um, “plurium ad unum”.
Assim, quando o termo “sanidade” é dito do animal e da medicina, o é enquanto analogia de atribuição extrínseca imediata ou “unius ad unum”, porque se diz que um é são por referência imediata a outro. Mas se o termo são for considerado somente em relação aos analogados secundários, por exemplo, em relação à medicina, ao pulso, à cor ou ao clima, então é análogo por analogia de atribuição extrínseca mediata, i.e., por analogia de muitos a um, “plurium ad unum”, porque a denominação de sanidade não convém a um por referir-se a outro, mas por todos se referirem a um terceiro, que é a sanidade do animal. Até aqui tratamos da analogia extrínseca e de suas divisões. Falemos agora da analogia intrínseca ou metafísica.
Quando há analogia intrínseca, o termo significa uma forma verificada própria e intrínseca nos inferiores, ainda que de maneira diversa segundo cada uma de suas formas.
Nesta analogia podem ocorrem dois casos: O primeiro se dá quando o termo significa um único conceito objetivo, prescindindo de suas diferenças ainda que imperfeitamente, as quais se verificam formal e intrinsecamente nos inferiores com semelhança formal, mas com diversidade essencial devida à ordem de prioridade e posterioridade de um em relação a outro. Neste caso se dá a analogia de atribuição intrínseca. Intrínseca pela forma significada convir formalmente a todos os analogados, ainda que diversamente, e de atribuição pela forma convir aos secundários por participação, dependência ou referência à forma principal. Tal é o ser, predicado de Deus e das criaturas, da substância e do acidente, e em geral também com todo nome que se aplique aos inferiores própria ou intrinsecamente como apenas um conceito objetivo que transcenda as diferenças que [os inferiores] tenham entre si, como a ordem de prioridade e posterioridade. Esta é a única forma de analogia [intrínseca ou metafísica] que Suárez defendeu – contra todas as outras formas de analogia de proporcionalidade intrínseca –, como veremos mais adiante.
O segundo caso que se dá na analogia intrínseca ou metafísica é aquele em que o termo significa uma forma verificada nos inferiores própria e intrinsecamente, embora de maneira absolutamente diversa e relativamente idêntica: “simpliciter diversa et secundum quid eadem”. Se verifica de maneira diversa irrestritamente pois os inferiores não possuem semelhança formal segundo um conceito objetivo uno que prescinda dos inferiores ainda que imperfeitamente; e se verifica de maneira idêntica por haver nos inferiores semelhanças de proporção ainda que não segundo a forma significada. Assim, quando dizemos que Deus é ser, não afirmamos algo comum a Deus e às criaturas, mas que seu ser é semelhante ao que se dá nas criaturas com o ser destas.
Pode-se descrever de maneira mais breve a analogia de proporcionalidade intrínseca do seguinte modo: o termo é um nome que significa uma forma verificada nos inferiores própria e intrinsecamente, não segundo semelhança formal sob um conceito objetivo único prescindido dos inferiores – nem sequer imperfeitamente –, mas segundo semelhança de proporções inclusas na esfera de um conceito objetivo proporcionalmente uno.
Com o dito, deduzimos a divisão ou classificação dos termos comuns, especialmente os análogos, e ao mesmo tempo obtivemos a definição ou descrição de cada um dos membros das divisões. Assim, podemos chegar à fórmula que se segue.
Termo comum é o que é dito de muitos seres distintos entre si.
Termo equívoco é o termo comum que é dito de muitos em sentido totalmente diverso segundo a razão significada pelo nome.
Termo unívoco é o que é dito de muitos em sentido idêntico na medida em que o é de todos própria e formalmente, sem ordem de prioridade e posterioridade em relação a um e outro.
O termo unívoco pode ser universal, não-universal ou transcendente.
O unívoco universal se diz com igualdade e independência mútua dos inferiores, e prescinde perfeitamente das diferenças, como os gêneros e as espécies.
O unívoco transcendente ou não-universal é dito de todos os inferiores na medida em que se refere a eles com igualdade e independência mútua, não prescindindo perfeitamente das diferenças, mas transcendendo-as formalmente.
O termo análogo é aquele que é dito de muitos, em parte no mesmo sentido e em parte em outro, com desigualdade proveniente da ordem de prioridade e posterioridade.
Pode ser análogo por analogia extrínseca de proporcionalidade ou de atribuição, ou com analogia intrínseca de atribuição ou de proporcionalidade.
O termo análogo de proporcionalidade extrínseca ou metafórica convém a muitos porque a forma significada está propriamente em um e em outros por mera semelhança proporcional, sem dependência ou referência causal, como quando atribuímos o riso ao prado: o riso do prado não depende ou refere-se causalmente ao riso humano, mas apenas possui semelhança de proporção.
O termo análogo por analogia de atribuição extrínseca é dito de muitos por significar uma forma que, numérica ou essencialmente se verifica apenas no analogado principal – que pode ser apenas um ou uma classe de indivíduos, estando nos demais apenas por referência ao principal, como efeitos, ou meios, ou signos. Assim o é quando chamamos de divino o mundo criado, e já se percebe que a forma do divino se dá apenas em um indivíduo, a saber, Deus; e a medicina, o pulso e a cor se dizem sãos, e a forma verificada está em uma classe apenas de inferiores, que são os animais.
A analogia de atribuição extrínseca é imediata ou “unius ad unum” se o termo referir-se a todos os analogados, principais e secundários. Será mediata ou de muitos a um se o nome se referir somente aos analogados secundários.
A analogia intrínseca ou metafísica é a do termo que significa uma forma verificada formal ou intrinsecamente em todos os inferiores ainda que com diversidade essencial.
Pode ser de atribuição intrínseca e de proporcionalidade intrínseca.
A analogia de atribuição intrínseca é a que se dá nos termos que significam um conceito objetivo único que se verifica própria e intrinsecamente nos inferiores que divergem segundo a ordem essencial de prioridade e posterioridade.
A analogia de proporcionalidade intrínseca é a que se dá nos termos que significam uma forma que se verifica nos inferiores formal e intrinsecamente, mas não segundo semelhança formal num conceito objetivo único que prescinda dos inferiores, mas segundo semelhança de proporções às quais sabe um conceito proporcionalmente uno.
As analogias de atribuição intrínseca e extrínseca se dividem em de distância finita e de distância infinita. A de distância infinita se dá quando a conveniência ou proporção – o fundamento da analogia – é entre Deus e as criaturas. Tal é o ser quando dito de Deus e das criaturas ou o divino quando dito de algum atributo de Deus ou do mundo, como a obra de Deus. A de distância finita se dá quando a conveniência é entre as criaturas. Assim é o ser dito da substância criada e do acidente, ou a sanidade quando dita do animal e da medicina.
As analogias de proporcionalidade, tanto extrínseca como intrínseca, não admitem semelhante divisão, pois nelas se considera apenas semelhança de proporção que se verifica de forma idêntica em termo finitos ou infinitos. Quando se diz que “Deus é seu ser como a criatura tem o seu”, pouco importa se a primeira proporção seja em termos incriados e a segunda em criados; o que importa é que ambas as proporções sejam semelhantes
Todas essas divisões podem ser resumidas no seguinte quadro sinóptico:
Nome Comum [universal] aqui é aquele que é predicado de seres distintos.
- Equívoco: em sentido inteiramente diverso.
- Unívoco: em sentido perfeitamente idêntico, e., sem ordem de prioridade e posterioridade.
A) Unívoco universal: prescinde perfeitamente das diferenças.
I.Físico: se as diferenças são meramente individuais. Por exemplo: o homem dito tanto de Pedro quanto de André.
II. Metafísico: se as diferenças são essenciais. Por exemplo: animal dito de homem e de cavalo.
B) Unívoco transcendente ou não-universal: se prescinde das diferenças não mutuamente, e., transcende formalmente as diferenças.
I. Físico: se as diferenças são meramente individuais. Por exemplo: o ser dito de Pedro e de André.
II. Metafísico: se as diferenças são essenciais. Por exemplo: o ser dito do animal e do mineral.
- Análogo: parte sem sentido idêntico e parte em sentido diverso ou desigual, com ordem de prioridade e posterioridade.
A) Com analogia extrínseca e lógica: se a forma significada está somente em um formal e intrinsecamente, e nos demais por certa conveniência ao principal.
I. Analogia de proporcionalidade extrínseca: se a forma significada está formal e intrinsecamente em um, e em outros com certa conveniência de semelhança proporcional ao primeiro. Por exemplo: leão, dito de Deus e do animal. [4]
II. Analogia de atribuição extrínseca: se a forma significada está formal e intrinsecamente em um, e nos outros por certa conveniência de referência causal ao primeiro. Por exemplo: são, dito tanto do animal quanto da medicina. [5]
a) Imediata, ou de um a outro, se o termo é considerado em relação a todos os analogados, principais e secundários.
a¹ Com distância infinita, como a conveniência entre Deus e a criatura. Por exemplo: divino, dito de algum atributo de Deus ou do mundo criado.
a² Com distância finita, como a conveniência entre criaturas. Por exemplo: são, dito tanto do animal como da medicina.
b) Mediata, ou de muitos a um terceiro, se o termo análogo se encontra relacionado somente aos analogados secundários. Por exemplo: são, dito da medicina, da cor e do ambiente.
B) Com analogia extrínseca ou metafísica: se a forma significada está formal e intrinsecamente em todos, mas neles se diferencia essencialmente por si mesma e não por propriedades externas.
I. De atribuição intrínseca: se o termo significa um conceito objetivo único, prescindido imperfeitamente das diferenças e se diversifica nos inferiores com diversidade de prioridade e posterioridade. Por exemplo: o ser dito de Deus e das criaturas.
a¹ Com distância infinita, se há conveniência ou ordem entre Deus e as criaturas. Por exemplo: o ser dito de Deus e das criaturas.
a² Com distância finita, se há conveniência ou ordem entre as criaturas. Por exemplo: o ser, dito da substância criada e do acidente.
II. De proporcionalidade intrínseca ou própria: se o termo significa uma forma que se verifica nos inferiores formal e intrinsecamente, mas de tal maneira que neles “simpliciter diversa et secundum quid eadem”. É “simpliciter diversa” porque não há entre os inferiores semelhanças formais e imediatas de perfeição a perfeição, e assim não cabem em um só conceito uno com unidade de precisão sequer imperfeita. É “secundum quid eadem”, porque há entre os inferiores semelhança proporcional, que cabe em um conceito uno com unidade proporcional (esta analogia não é admitida por Suárez porque não se põe nela a ordem de prioridade e de posterioridade, e porque nega a unidade de precisão imperfeita do conceito comum, e admite somente a unidade proporcional).
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Bibliografia recomendada que mencione o mesmo tema ou ajude em sua compreensão
- Régis Jolivet – Curso de Filosofia [ Ontologia Art. II em diante]
- A.S. McGrade (Org.) – Filosofia Medieval
- Norman Kretzmann & Eleonore Stump (Org.) – Tomás de Aquino [Em especial a partir da p.112]
- Mário Ferreira dos Santos – Ontologia e Cosmologia
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O presente artigo foi retirado do livro La analogia del ser y el conocimiento de Dios en Suarez
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