Por Helkein Filosofia & Gabriel Marvin
Tem cuidado contigo, e presta bem atenção aos teus ouvidos, pois andas em risco de te perder.
Há um problema, comum a docentes e discentes, que, embora comum em todas as épocas, parece pior na nossa: a falta de concentração. Os primeiros se queixam da dificuldade em adaptar o conteúdo de sua disciplina para reter a atenção dos alunos e os segundos de não conseguirem atentar a matéria senão conforme exposições bem específicas, a saber, aquelas típicas de um ensino-entretenimento. É de se perguntar o motivo disto, e a resposta não é difícil de encontrar: vivemos no tempo do entretenimento e, estando acostumados a performances cuja técnica engloba transmitir alguma mensagem através da captura da atenção do expectador, é natural o aluno querer aprender brincando e rejeite o ensino tradicional. No entanto, tal explicação valeria, quiçá, para discentes dos anos 90, época da televisão, do discman e das primeiras gerações de videogames; a coqueluche daqueles nascidos no século XXI são o computador, o smartphone e o streaming. Felizmente, a diferença entre as gerações é apenas de grau, nos habilitando a pensar de que forma uma boa seqüência de horas de exposição a tais mídias pode fazer com nosso comportamento.
Manfred Spitzer foi dos primeiros a pensar no impacto das mídias digitais no comportamento humano e, encontrando uma série de problemas escamoteados por narrativas, escreveu Demência Digital para expor os efeitos do uso excessivo de eletrônicos. Este livro é especialmente interessante por descrever com minúcias quase todas as características viciosas do estudante moderno e, nisto, é útil para professores e alunos que queiram eliminá-las. Exporemos, a seguir, alguns comentários sobre os efeitos nocivos da demência digital no ensino da filosofia e, no limite, do ensino em geral e da idéia mesma de formação (paidéia).
- O processamento de informações no cérebro
Assim, logo que nos livrarmos de cuidados e negócios, desejamos ver, entender, aprender qualquer coisa; pensamos que o conhecimento dos segredos ou maravilhas da natureza é indispensável à felicidade; procuramos ver o que é verdadeiro, simples e puro, e conveniente à natureza do homem.
Marco Túlio Cícero – Dos Deveres p.33
Spitzer explica o processamento de informações no cérebro enquanto envio de impulsos neuronais mediante sinapses modificadas durante a aprendizagem; quanto mais profundamente tratamos de algo, mais neurônios empregamos e, por conseguinte, mais sinapses. O autor cita, no terceiro capítulo de seu Digitale Demenz, um experimento interessante onde foram separados três grupos de pessoas, onde cada um destes deveria olhar, num computador, algumas palavras que seriam trocadas por outras após dois segundos. O primeiro grupo foi instruído a atentar o tamanho das letras (se eram maiúsculas ou minúsculas); o segundo, se eram substantivos ou verbos; e o terceiro, se o seu significado era referente a algo animado ou inanimado.
A diferença fundamental entre as tarefas incumbidas a cada grupo consiste na operação mental, i.e., no processamento de informações necessárias à execução de um trabalho. Alguns dias depois, os pesquisadores perguntaram para os membros de cada grupo o que eles lembravam acerca das letras utilizadas no experimento e o resultado foi que os incumbidos de “pensar mais” memorizam melhor, a saber, os cuja função foi memorizar se a coisa referida era animada ou inanimada.
O autor explica a diferença entre os graus de memorização através da idéia de trabalho empregado no processamento das informações recebidas. O cérebro humano é dividido numa série de setores especializados, todos ativos por estímulos externos específicos, com a intensidade da operação de suas divisões dependendo do grau de atenção dedicado a cada tarefa – o setor da cor se intensifica caso atentemos a cores, com o mesmo valendo para o movimento, etc. Quanto mais intensa a ativação de um setor do cérebro, maior seu processamento de informações e melhor nossa aprendizagem. O armazenamento, i.e., a memorização das informações processadas também depende da atenção enquanto determinante da ativação dos setores cerebrais:
“[…] quando me aprofundo em algo, todos os seus aspectos e propriedades são capturados por diferentes áreas do cérebro. Esse processamento intensivo de todos os aspectos possíveis faz com que um grande número de sinapses seja alterado e, assim, o conteúdo é armazenado na memória de forma otimizada.”[1]
Daqui não segue a identificação entre a dificuldade de memorização com o trabalho para memorizar. A dificuldade de memorização pode advir de uma quantia de informações maior do que nossa capacidade presente (feito a tentativa de decorar os detalhes de uma pintura complexa), da desorganização dos dados obtidos, do cansaço, etc.; o trabalho para memorizar refere-se aos elementos do processo (atenção, quantia de sinapses) e à técnica imputada, como associar os elementos de uma pintura a idéias, inserção de dados obtidos numa imagem mental qual o palácio da memória, anotar o que se ouviu numa caderneta, etc. O primeiro caso refere-se a uma incongruência no processo de memorização; o segundo refere-se a uma dialética entre a maior qualidade possível de aprendizado mediante a maior quantia de trabalho sem fadiga. Quando o trabalho excede a capacidade do estudante, o cansaço corrói a qualidade da aprendizagem e ocorre, nos termos de Mira y López, o esforço ineficiente, quando se estuda sem aprender. Por outro lado, a falta de trabalho promove a superficialidade.
A superficialidade consiste na falta de esforço qualitativamente adequado durante o processo de aprendizagem. Aqui podemos fazer duas analogias: a) a qualidade do trabalho é compreendida como a relação entre o consumo e a dispensa de energia num motor; se o trabalho empregado não dá retornos adequados então ele é ineficiente, e daí a utilidade de técnicas de estudo; b) feito um membro atrofiado por pouco uso, um cérebro pouco usado fica incapaz de processar corretamente as informações que recebe e, assim, prejudica o processo de aprendizagem e memorização. É possível exemplificar a superficialidade mediante uma série de atitudes tomadas por estudantes. Foquemos três delas: a) tirar fotos do livro/lousa para copiar depois, sem copiar; b) pedir para uma IA resumir conteúdo X ou Y e preocupar-se apenas com ele, preterindo o material original – o mesmo vale para qualquer priorização do resumo em vez da fonte –; c) ler – não estudar – material Z apenas uma vez, esperando aprender algo por conta de evento A, feito uma prova, e por aí vai.
A superficialidade fica notória, nos três exemplos, quando a explicitamos sob o seguinte aspecto: a cooperação entre um esforço físico e um cognitivo foi supressa mediante a subutilização dos meios disponíveis em prol de uma falsa facilidade. No primeiro caso, o trabalho de anotar ou resumir um texto mediante esforço físico e cognitivo foi substituído pelo de apertar um botão. O remédio seria, naturalmente, fazer o que se espera quando se registrar algo para depois, a saber, utilizar o registro para a atividade proposta, copiar ou resumir o texto sob exame. No entanto, o mero registro, passível ou não ser meramente lido (isto será tratado no exemplo c), é eminentemente insuficiente em casos normais onde o estudante não possui uma memória bem treinada, pois o usuário de técnicas feito o palácio da memória compreende que sua utilização depende do trabalho que foi ignorado no exemplo em questão. No segundo caso, o mais perigoso, o esforço cognitivo de analisar e sintetizar algum conteúdo – que pode ser, posteriormente, anotado, etc. – foi substituído pela confiança num algoritmo. Este exemplo contém a substituição do aspecto racional do homem por um de seus simulacros; o trataremos nos dois tópicos seguintes deste ensaio. E o terceiro, sobrecarregando a cognição humana, leva ao esquecimento. Devemos atentar por outro lado, que nem todo estudo exige o mesmo grau de atenção; consideramos, aqui, os exigentes.
É possível apontar, em prol do equilíbrio, um uso benéfico de qualidade eminentemente auxiliar ou anexa para os dois primeiros citados: o primeiro, já apontado, é o uso do registro provisório para estudo posterior; o segundo consiste no uso de IA para fornecimento de “opiniões”, análise e revisão de algum assunto. É necessário reter que o uso anexo da tecnologia tende a ser benéfico desde que não substitua a essência do estudo, i.e., a dialética entre esforço físico e cognitivo na promoção da quantia correta de processamento cerebral, memorização, etc. Isto fica evidente de maneira curiosa quando tomamos o terceiro exemplo adicionando o fator “cola”, digo, quando um aluno apressado, num esforço para passar de ano, resolve transcrever resumos em pequenos papéis para trapacear prova e, assim, aprende “involuntariamente” por estudar sem perceber. Nota-se, por outro lado, a inferioridade – e não a nulidade – de transcrições feitas mediante teclados em vez de “na mão” devido à importância da forma das letras; sabemos quando escrevemos “a” num papel, entre outros fatores, pelo movimento manual diferir de “b”, algo ausente na digitação com teclas quadradas.[2]Devemos ter em conta, aqui, o aviso de Pierluigi Piazzi: “não adianta nada fazer resuminhos num editor de texto […] ficarão gravados no HD do computador e não no seu HD.”[3]
Entretanto, o exemplo do editor de texto e da IA são algo escandalosos para o estudante moderno, “nativo digital”. Mas, olhando a situação de perto, notamos uma situação análoga à descrita por Platão no Fedro, com apenas uma diferença: enquanto o filósofo descrevia o problema de legar nossa memória aos textos, agora legamos não apenas nossa memória mas a atividade mesma de pensar. Alguns podem argumentar em prol da praticidade, alegando que o armazenamento em nuvem nos impede de perder arquivos e a IA é uma ferramenta muito eficiente. Deveríamos nos perguntar, aqui, se o computador é nossa ferramenta ou nós a dele, pois este não apenas armazena mas, tendo em conta sujeitos que delegam seu trabalho à IA, também processa dados no nosso lugar. Sobre algo do homem quando lhe retiramos seus apetrechos? Talvez, no ditame aristotélico, uma pessoa que percebe a razão, mas não mais a possui.[4]A paidéia filosófica consiste na formação de um homem[5]e nela não há espaço para aquele que, transformando a máquina em seu senhor delegando-a sua faculdade de pensar, seria chamado por Aristóteles de escravo.
1.1. Adendo à alma servil
Da vontade pervertida nasce a paixão; servindo à paixão, adquire-se o hábito, e, não resistindo ao hábito, cria-se a necessidade. Com essa espécie de anéis entrelaçados (por isso falei de cadeia), mantinha-me ligado à dura escravidão.
Sto. Agostinho – Confissões VIII 5-10
O escravo aristotélico enquanto tipo psicológico, nos termos de Bodéüs e Voegelin[6], refere-se, essencialmente, à pessoa agrilhoada a dois vícios: a) alta preferência temporal e b) renúncia de pensar e/ou agir por si mesma. Estamos, portanto, diante de uma interpretação tributária do aparato aristotélico como ferramenta para descrever uma personalidade viciosa independente de classe social ou qualquer condições que não sejam noéticas, não sendo, portanto, uma justificação da escravidão em sentido moderno – e, nestes termos, o presidente de um banco ou país pode ser o arquétipo encarnado de um servo. Tendo isto em conta, utilizaremos o termo alma servil, ou servo, para evitar confusões.
Aristóteles define o servo como o participante da razão sem possuí-la; é, portanto, uma participação suficiente e/ou limitada; nisto, fica submisso a seus instintos. Reelaborando o cerne da descrição, qualquer um dotado de hábitos viciosos pode ser dito escravizado quando, por exemplo, “a cabeça de baixo suplantou a de cima”. Ora, esta interpretação pode ser facilmente encontrada em autores patrísticos ou teologias morais, onde os vícios costumam ser retratados como grilhões.[7] Esta também é a opinião de Bodéüs quando interpreta o servo como um estado natural do qual podemos sair:
À primeira vista, Aristóteles parece estar no contrapé do pensamento contemporâneo quando sustenta que no fundo nascemos todos naturalmente escravos, em vez de livres, e permanecemos nesse estado a não ser que encontremos um projeto de vida, uma meta, algum meio de libertação.[8]
O agrilhoado a seus vícios procura ativamente satisfazê-los; um apostador patológico venderá seu patrimônio em busca d´alguma recompensa da mesma forma que um fumante buscará prazer em bitucas usadas e o viciado cocaína cheirará qualquer espécie de pó. E, novamente, conforme Aristóteles, o poder de um hábito é proporcional é constância de sua prática; daí uma escalada viciosa em busca de maiores doses de dopamina, feito o viciado em pornografia cujos gostos partem do “frango-assado” e terminam na vigésima aba da categoria “bizarro” n´algum site duvidoso. Tal processo “corrói” a capacidade da pessoa de “esperar” por um prazer decente e a fazer desejar ardentemente o prazer imediato, numa ansiedade incessante pela migalha dopamínica mais próxima. Neste sentido, o servo dos vícios possui altíssima preferência temporal, i.e., “demonstra uma preferência universal por bens presentes em vez de por bens futuros”[9], ao mesmo tempo em que perdeu seu autocontrole para seu vício irrefreável e já não pode mais esperar para satisfazê-lo:
Os juízos de Aristóteles sobre o escravo natural, que não visavam, em sua época, senão parcialmente os escravos de direito, se estendiam, em compensação, a muitos de seus contemporâneos de condição juridicamente livre e que tinham como única meta na existência a satisfação dos prazeres corporais. O filósofo assimila sua existência à de escravos, devido ao fato de ela não ser, no fundo, comandada por nenhuma outra meta além da fixada necessariamente pelo animal em nós (ver, a esse respeito, Ét. Nic., I, cap. 3). É um juízo que também atinge nossos contemporâneos. (Grifos meus)[10]
Bodéüs segue a análise e caracteriza o servo aristotélico como incapaz de conceber objetivos ou metas de longo prazo, sendo reduzido, portanto, a um carpe diem.[11] Ora, o satisfeito com o imediato é, no tempo dos gregos antigos, força de trabalho; nos modernos, o mesmo, mas também vítima de golpes oferecendo dinheiro fácil ou qualquer facilidade que os absolva de pensar. Há, nos termos deste ensaio, pouca ou nenhuma diferença entre a pessoa que deixa de pensar para alimentar seu vício daquela que deixa de pensar pois delega seu ofício a uma IA de processamento de texto. Isto pode ser demonstrado por várias vias, todas elas centradas num fato central: o uso indevido da IA não é um auxílio, mas uma substituição; não a utilizamos como ferramenta, mas como substituição de nossa inteligência e, nesse sentido, ela “pensa” e nós não; nesta clave, nos escravizamos voluntariamente. A tese será provada mediante o comentário de Spitzer sobre a falsa analogia entre um computador e uma ferramenta.
1.2. Servus ex Machina
Por isso acrescenta: Sofreis que vos reduzam a escravidão (IICor 11, 20). Não é boa paciência consentirdes em tornar-vos escravo, quando podeis ser livre. Não deveis dissimular a escravidão, a que todos os dias vos vindes sujeitando, sem dardes por isso. É próprio de um coração embotado não sentir os males que continuamente o assaltam.
São Bernardo de Claraval – Os Cinco Livros da Consideração p.19
O argumento a favor do uso irrestrito de meios digitais tomando-os como mera ferramenta é apresentado no primeiro tópico do capítulo 3 de Digitale Demenz; ele é, parafraseado, assim: o computador é análogo ao moinho ou o motor à combustão por nos aliviar de trabalho físico; nesta clave, sua tarefa é nos absolver de trabalho dispensável, sem prejuízo algum, em prol de outro mais importante. A idéia é análoga à substituição de uma pessoa por um robô numa linha de montagem: em vez de um homem parafusar, cem vezes por dia, uma porca, instituímos braço mecânico programado para isto.
A resposta de Spitzer aponta que o computador não acumula funções referentes apenas a trabalho mecânico – cuja substituição é, ao menos na maioria dos casos, inofensiva – mas também intelectual. A primeira parte da resposta refere-se ao seguinte apontamento: o uso excessivo do GPS nos impede de treinar no conhecimento de área; ora, isto causa um atordoamento típico de pessoas idosas, a falta de orientação espacial. O apontamento pode parecer trivial, visto ser possível usar o GPS para se localizar apenas uma ou duas vezes e, partindo daí, memorizar percurso X sem ajuda; no entanto, não estamos falando, aqui, de um uso consciente, mas do irrestrito e excessivo análogo ao da pessoa que, utilizando apenas calculadora, se esquece dos passos para resolução de operações matemáticas. Ademais, como apontado anteriormente, ficamos autorizados a questionar o seguinte: considerando a importância do trabalho físico (anotação, etc) para o aprendizado, se o computador (ou uma IA qualquer) substituísse isto, já não seria malefício suficiente?
A segunda parte da resposta consiste na caracterização do computador como processadores de informações cuja concepção não nos exime apenas de trabalho mecânico físico mas também intelectual por dispensar a necessidade de avaliar e seguir uma série de passos lógicos para a resolução de um problema. Neste sentido, à luz do fracasso de uma série de experimentos de inserção de equipamento digital em sala de aula, fica claro que a dispensa de esforço cerebral, em especial durante a infância, é, de certa forma, um fator de emburrecimento[12], pois elimina a dialética entre o aspecto mecânico e o aspecto noético do aprendizado. Expandindo isto para o uso de IA, considerando aqueles transformers capazes de leitura e interpretação de texto (feito o Chat GPT, Generative Pre-trained Transformer), o usuário fica, paulatinamente, dependente da “opinião” de um algoritmo fornecedor de respostas baseadas na probabilidade de uma palavra vir após a outra; a rigor, nossa interpretação fica refém de algo sequer interpretado.
Examinando um pouco mais, isto é a substituição da razão humana por um algoritmo de funcionamento análogo ao seu entendimento e que, nisto, causa a ilusão de “pensar”. Ao legar a leitura, interpretação e escrita ao transformer, nos eximimos de pensar, deixando que “pense” por nós a troco de alguma aceleração em nosso ritmo de trabalho. Em termos aristotélicos, isto é cumprir o requisito de deixar de pensar e também de colocar a imediatez acima de tudo. No teatro grego antigo, havia o Deus ex Machina, um recurso onde uma divindade, presa por um braço mecânico, entrava em cena e resolvia tudo; nós, legando nossa imago ao algoritmo, nos tornamos Servus ex Machina.
- Solução e Resolução
[…] proporcionarás aos teus discípulos a aparência de sabedoria, mas não a verdadeira sabedoria, porque lerão muitas coisas sem se instruírem, com o que parecerão conhecer muitas coisas, mas na realidade permanecerão majoritariamente ignorantes, incapazes de acompanhar essas matérias, visto que não são sábios, mas só parecem ser sábios.
Platão – Fedro 274c-275b
Podemos retomar os paralelos entre Platão e Spitzer[13] atentando às suas concepções de aprendizado. O neurocientista afirma que trabalhar mecânica e intelectualmente numa questão resulta em maior retenção de informações ante a mera aquisição de uma resposta pronta para ser decorada, i.e., a memorização e a compreensão são resultado de tentativas de resolução de problemas aos quais atentamos. Levada a sério, esta concepção expõe o problema capital dos manuais de filosofia para estudo autodidático, posto consistirem em compilados sistemáticos de respostas prontas: o estudante, a rigor, não pensa.[14] Outrossim, o mesmo calcanhar de Aquiles é expandido para o “estudo” com IA´s por elas não apenas fornecerem “respostas” prontas substituírem o trabalho mesmo de procurar a resposta num manual, bastando “perguntar” algo para o algoritmo.
No entanto, a idéia de o conhecimento advir do esforço pode ser facilmente encontrada na estrutura dos diálogos platônicos por estes, em especial em sua forma aporética, dispensarem soluções em prol de resoluções, i.e., seu foco é trabalhar uma questão em vez de meramente resolvê-la. Pouco importa decorar a resposta de tema filosófico X em quadro teórico Z se o raciocínio que leva à conclusão não tiver sido aprendido e seu percurso não pode ser reproduzido – neste sentido, a filosofia e a ciência compartilham a noção de reprodutibilidade. Platão busca, assim, forçar o leitor a pensar o tema proposto e, acompanhando o raciocínio de Sócrates enquanto mestre, reavaliar suas concepções e aprender a especular. Em termos modernos, ele está nos forçando um aspecto do efeito Zeigarnik, tendência psicológica de nos recordarmos melhor de tarefas incompletas em vez das concluídas. Aprendemos melhor por pensarmos mais enquanto retemos nossa atenção no raciocínios proposto; isso é diametralmente oposto não apenas ao ensino manualístico mas à moderna cultura dos resumos de internet, prática eminentemente superficial. Mas é precisamente esta tendência à superficialidade que corrói o raciocínio de jovens e veteranos, os tornando não apenas incapazes de compreender os resultados de suas fontes mas também de avaliar sua fiabilidade; estamos diante da falta de critério originária do politeísmo opinativo, a incapacidade de escrutinar o posto no plano da doxa.[15]
- A Superficialidade e a Destruição da Atenção
“Por isso rogo-te, ó leitor, que não te alegres de mais se porventura lês muitas coisas, mas alegra-te, sim, se compreenderes muitas coisas, e não só se as compreender, mas se consegues retê-las na memória.”
Didascalicon p.143
O uso impróprio de ferramentas que substituem nossa capacidade de pensar nos leva ao pensamento superficial e ao estilhaçamento da atenção. Tratando superficialmente[16] de várias coisas alimentamos a ilusão de alguma qualidade de aprendizagem; entretanto, os antigos acertam ao apontar que o operador de várias atividades ao mesmo tempo tende à desleixo: “πολυμαθιή νόον εχειν ου διδασκει”.[17] Aprendemos apenas mediante a ordem e a profundidade; sem o primeiro, nos perdemos na multiplicidade das opiniões; sem o segundo, há apenas a ilusão do aprendizado. Podemos observar o problema de perto examinando o caso do estudante ansioso que, tratando a filosofia como tema no qual devemos estar sempre atualizados, feito uma rede social, procura não apenas vasculhar o que há de mais moderno mas vários materiais ao mesmo tempo; nos termos de Nicholas Carr, o estudo filosófico tradicional, “linear, calmo, focado e sem distrações” é trocado pelo acúmulo de informações em “surtos curtos, desconexos, frequentemente superpostos”.[18]Temos, então, o exemplo crítico da quimera formada pela desordem e pela superficialidade. Examinemos então, em primeiro lugar, o núcleo do problema do acúmulo desordenado de informações: o mito da multitarefa.
3.1. O Mito da Multitarefa
Não queiras multiplicar os atalhos antes de teres aprendido os caminhos.
Didascalicon p.135
Byung-Chul Han caracteriza, em seu A Sociedade do Cansaço[19], o problema da multitarefa através de uma imagem interessante, a saber, como nota de um estado selvagem – e fica, portanto, no contexto civilizatório, como retrocesso. No estado selvagem, diz, os animais precisam se preocupar com o próprio alimento sem, eles mesmos, virarem o almoço alheio; nisto, dividem sua atenção num conjunto de atividades práticas que os priva de um “aprofundamento contemplativo. É discutível, naturalmente, se algum animal bruto poderia contemplar alguma coisa mesmo munido de tempo livre, tal o caso de um gato doméstico; entretanto, a imagem pode ser facilmente transposta para o exemplo de qualquer pessoa cujo tempo é consumido numa multiplicidade de tarefas impeditivas à atenção sobre qualquer uma delas e, assim, privam-lhe da tal “contemplação”. Continuando o raciocínio, o sociólogo aponta que tal atenção ampla – pois dividida em múltiplos afazeres –, mas eminentemente rasa, é característica de atividades modernas feito jogos eletrônicos. Podemos complementar o exemplo com outros elementos mais familiares: uso simultâneo de várias redes sociais – comumente dividido numa variedade e eletrônicos, feito computador, celular, tablet, smartwatch, etc. – acúmulo de tarefas indevido no trabalho e/ou estudo, sobreposição de tarefas de teor cognitivo – ler ouvindo músicas no mesmo idioma do escrito enquanto conversa e/ou acompanhar alguma rede social –, e por aí vai. Han afirma que o estabelecimento desta atenção multifacetada, mas desfocada, causa uma “mudança da estrutura da atenção” e “aproxima cada vez mais a sociedade humana da vida selvagem”, apontando ainda que os picos culturais dependem precisamente do negado pela superficialidade, “a atenção profunda, contemplativa”, pois “a cultura pressupõe um ambiente onde seja possível uma atenção profunda”. Nesta clave, o impedimento do ócio criativo e do foco necessário à atenção minam a possibilidade de um avanço cultural, nos restringindo a ruminar o feito pela geração anterior: “a inquietação não gera nada de novo” e “só acelera o já existente”.[20] Resulta, daí, a síntese de dois ditados: “quem faz muito ao mesmo tempo não faz nada direito” e “somos uma sociedade decadente vivendo nos escombros de uma superior”. A superficialidade da atenção nos impede de progredir culturalmente e nos instala no mesmo estado visto nos anos finais do império romano do ocidente, onde arquitetos incapazes de criar ou refinar o já feito construíam os novos arcos mediante “colagens” de peças de monumentos antigos – um bom exemplo disto é o arco de Constantino.[21]
Aplicando a idéia de multitarefa e atenção superficial à vida de estudo, cumpre apontar o problema como antigo e diagnosticado; podemos encontrá-lo, por exemplo, no Didascalicon, onde Hugo de S. Vitor afirma, com razão, que o exame destituído de ordem e meditação não pode ser chamado de estudo.[22] Sintetizando a concepção antiga de memorização, Mary Carruthers esclarece o problema:
Sem a estrutura classificatória, não há invenção, inventário ou experiência e, portanto, conhecimento — há somente uma pilha imprestável, que por vezes é chamada de silva, uma floresta inexplorada de material caótico. A memória sem uma organização consciente é como uma biblioteca não catalogada, uma contradição de termos sem utilidade. Ora, a memória humana deve ser mais como uma biblioteca de textos, tornada útil e acessível mediante variados esquemas heurísticos conscientemente aplicados.[23]
Fica posto, então que a superficialidade é um problema humano presente desde a antiguidade; entretanto, sua manifestação em nossa era é facilitada por questões próprias de nosso tempo e, especificamente, a presença das mídias digitais enquanto fator de desagregação da atenção. Nicholas Carr, em seu A Geração Superficial, culpa o excesso de estadia na “web” como responsável por inculcar um comportamento semelhante a uma ansiedade adquirida, inserindo em nosso modo de pensar algo semelhante a uma cacofonia ou curto-circuito que nos faz buscar, cada vez mais rápido, pela “novidade do dia”, v.g., uma espécie de procura superficial por uma massa de dados potencialmente infinita; ora, isto é a morte da idéia mesma de aprendizado,[24] pois os elementos ordenadores, como a atenção e a meditação, foram eliminados, isto sem falar do trabalho cinestésico (físico e cognitivo) anteriormente exposto.
Podemos verificar os temores de Carr com exemplos simples. A leitura de uma página na internet difere estruturalmente daquela voltada a uma página de papel, [25]mas o aspecto interessante, aqui, é a presença de hiperlinks; sua função é semelhante à de rodapés, mas, levanto para outras páginas, servem de encorajamento à multiplicação de abas num navegador – e atire a primeira pedra quem nunca faz isto na Wikipédia! A mudança de assunto mediante uma série de hiperlinks nos afasta do exame em questão ao ponto do esquecimento. Nisto, embora úteis para coleta de informações, também nos desorganizam e distraem,[26] numa espécie de corrupção da leitura inspecional descrita por Adler e entrando na esfera do estudo ineficiente comentado por Mira y López. No entanto, devemos ser realistas: a culpa da erosão da atenção moderna refere-se antes às redes sociais do que a enciclopédias digitais, algo dado, entre outros fatores, pelo algoritmo próprio delas ter sido feito para captação e manutenção do usuário, pelo maior tempo possível, dentro de seu escopo.[27] Temos, então, um código feito para viciar e cujo princípio ativo é o fomento do chamado FOMO (fear of missing out).
3.2. Fear of Missing Out
Como observa o psicoterapeuta Michael Hausauer, os adolescentes e outros jovens adultos têm um “enorme interesse em saber o que está acontecendo nas vidas dos seus pares, somado a uma enorme ansiedade em estar dentro da roda”. Se pararem de enviar mensagens, arriscam-se a se tornar invisíveis.
Geração Superficial p. 130-1
A terapeuta Dora Sampaio Góes, co-organizadora do livro Como lidar com dependência tecnológica expôs o construto FOMO “como o medo e a preocupação de que os outros possam estar tendo naquele momento, experiências prazerosas das quais o indivíduo em questão não está fazendo parte.”[28]Ficam evidentes, então, algumas das conseqüências desta síndrome, no que a pessoa “vivencia um eminente desejo de estar conectado a fim de saber o que os outros estão postando nas mídias sociais”, afetando, assim, sua auto-percepção, pois o “medo de perder algo não só desconecta uns dos outros, mas impede a vivência do momento presente. O Fomo ativa as inseguranças pessoais e está intimamente ligado ao uso excessivo de celular.[29]”[30]
Estudos recentes apontam a correlação entre FOMO e os usos específicos mais comuns de meios tecnológicos, i.e., o celular, a internet e as redes sociais[31]. Em verdade, o efeito psicossomático é extenso, e daí os achados apontarem à associação positiva entre narcisismo vulnerável[32], uso excessivo de mídias sociais[33], ansiedade[34], depressão[35] e neuroticismo[36]. O usuário problemático típico, motivado, entre outros fatores pelo visual e funcionamento das plataformas digitais, fará uso simultâneo de múltiplos aparelhos, pois, em primeiro lugar, perdeu parte de seu senso temporal para observar as horas despendidas nestas atividades, algo confirmado pela atrofia das secções cerebrais relacionadas à gratificação de longo prazo neste tipo de usuário[37] e pela presença do delay discounting (desconto por atraso)[38].
Este tipo de comportamento FOMO é incentivado pelo uso excessivo de internet e, em especial, pelo algoritmo de redes sociais em geral. Ora, se compreendermos o uso problemático da internet como resultado de distorções cognitivas associadas a comportamentos que perpetuam ou amplificam respostas desadaptativas[39], temos um aparente reforço direto à síndrome FOMO, agente mediante dois amplificadores notórios: a imersão no mundo digital e a desadaptação ao mundo real. Considerando os algoritmos e a interface visual das redes sociais, temos, então, o ciclo perfeito para a perpetuação dos sintomas[40], dada a constância do estímulo para a liberação de dopamina[41], algo propositalmente evocado pelas aplicações de grandes companhias de tecnologia, com o intuito de manter o usuário mais tempo possível conectado[42] – nisto, muito dos viciados em internet, smartphone e jogos eletrônicos, apresentam comportamento anormalmente impulsivo, algo correlacionado ao design intuitivo[43] das mídias digitais, cuja construção sempre apresenta opções predispostas para encaminhá-lo a um local pré-definido.
Os usuários de multitarefa ficam imediatamente englobados nesta crítica pois fazem uso muito maior do chamado “sistema-1 de pensamento”[44], i.e., tomada de decisão rápida e intuitiva[45]. Poderemos, com esta informação em mãos, elaborar um exame mais detalhado de como o multitarefa, principalmente quando do tipo pesado, pode se tornar um dos fatores que alteram nossa fisiologia cerebral e, deste modo, podendo danificar irreversivelmente esta condição material – necessária para atualização de certas potências espirituais, como a atenção –, apesar da neuroplasticidade; assim, já não nos deteremos unicamente nos impactos práticos do uso problemático de tecnologias.
Na teoria dos dois sistemas de pensamento, o do sistema-1 é rápido e intuitivo, enquanto o do sistema-2 é mais lento, eficaz, e deliberado. Enquanto a resposta “1” aparecerá de imediato em nossas cabeças quando dada a operação “1 × 1”, numa multiplicação entre números de maior escala, certamente nos esforçaremos cognitivamente mediante o sistema-2 para resolvê-la. É assim pois a eficiência do sistema-1 é superior no primeiro caso, mesmo estando subjacente ao desempenho comum e errôneo visto nas heurísticas comuns de tomada de decisão, tais como disponibilidade e representatividade. Um grande problema pode ocorrer caso priorizemos o primeiro perante o segundo sistema de pensamento, pois estudos apontam para uma relação previsível entre pontuações mais baixas do sistema-2 e um atraso reduzido da gratificação[46], que é nossa capacidade de renunciar à gratificação imediata para receber uma recompensa maior num momento posterior – e o delay discounting está associado a muitos dos comportamentos estimulados por essas práticas viciosas, incluindo o jogo problemático[47]. Temos, portanto, um alargamento vicioso da preferência temporal devido ao uso excessivo do sistema-1 de pensamento estimulado pelo uso indevido de multitarefa.
3.3. A Superficialidade e a Destruição do Ensino da Filosofia
We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats’ feet over broken glass
In our dry cellar
T.S. Eliot – The Hollow Men
Aparentemente, um usuário problemático classificado como HMM (Heavy Media Multitasker) não será capaz de realizar os passos necessários para a formação filosófica sugerida por Olavo de Carvalho em seu A Filosofia e seu Inverso[48], pois a forma mentis multi-atarefada restrita ao sistema-1 de pensamento, cuja preferência temporal é altíssima, cultiva hábitos diametralmente opostos ao desejável para aprender filosofia. Mesmos os usuários “leves” de multitarefa, sentirão dificuldades para executá-los devido ao comportamento raciocinante eminentemente anti-reflexivo. Exporemos alguns dos principais obstáculos à execução dos passos propostos pelo filósofo.
a) Dano psicossomático[49] na percepção temporal[50]– seja por condicionamento adquirido via reforço dos algoritmos (por uso problemático) ou mesmo pela conseqüente degeneração de certas áreas do cérebro[51], este é um grave empecilho contra o primeiro item proposto por Olavo, a anamnese, pois esta inclui a meditação e o exame de consciência, atividades reflexivas diretamente afetadas pelo estado psicológico do usuário problemático tornado incapaz de distinguir o tempo gasto[52] entre diferentes atividades, a origem de certas informações e focar, extensamente num conteúdo determinado, tudo isto devido à sua atenção prejudicada[53] e fraqueza da memória de longo prazo[54]. Perde-se, portanto, na espontaneidade do tempo, sem mesmo ter a salvo o “registro temporal” de seus estudos[55], pois está imerso num sistema de imediatez e desordem.
b) Multiplicidade simultânea dos atos[56] – Tal forma de multitarefa, emergida dum procedimento “bola de neve”[57] mediante este sistema[58], ocorre comumente perante dois tipos de objetivo, passíveis de mesclagem: um informativo e outro interativo. Dentre o chamado misto, observa-se no usuário problemático o acesso descontrolado às mídias sociais, numa atividade prazerosa dispersa estimulada pela curiositas[59] e vice-versa, envolvendo uma seqüência de ações entre redes, usando de todas as suas ferramentas sociais e, recorrentemente, tendo por efeito a percepção negativa do próprio corpo.[60] Quanto ao uso informativo, muito se assemelha àquelas ocasiões onde um jovem indeciso toma, sobre sua mesa, muitos livros, lê algumas páginas de alguns e, por fim, não se debruça sobre nenhum deles, prática análoga ao doomscrolling, o consumo excessivo de notícias[61] e múltiplos vídeos simultaneamente. Referente ao uso interativo, exemplifiquemos mediante alguém imerso numa infinidade de conversas impossíveis de serem mantidas senão por ferramentas de conversação (chat´s online), por sua quantidade e variedade, num ambiente presencial. O impacto imediato disto, para o estudo da filosofia, é a dificuldade de executar uma pesquisa histórico-filológica comprometida com a ordem e sucessão seqüencial de leituras, prejudicando, por conseguinte, a hermenêutica e o exame dialético, pois a desordem intrínseca ao uso interativo impede a reunião dos materiais e o uso informativo impede sua classificação – desordem e superficialidade, portanto.
c) Atrofia cerebral parcial – A redução na capacidade cognitiva mediante atrofia[62] de partes do cérebro, não somente entre os usuários multitarefa, mas também entre os problemáticos[63], no ambiente volátil e altamente imbecilizado próprio da internet – mesmo considerando argumentos a favor do uso das plataformas, algo dificílimo de acontecer na prática, pois maioria dos usuários não domina a tecnologia que usa[64] – e a superficialidade dos meios (forma) e conteúdos (matéria)[65], impossibilita em absoluto o uso correto do aparato cognitivo caro ao aprendizado correto da filosofia e de outras matérias. Ao contrário da crença popular de que a pessoa “multitarefa” se torna mais habilidosa, na verdade, seu controle cognitivo é impactado negativamente[66] e sua massa cinzenta é, aparentemente, reduzida.[67] Deve-se ter em conta que grande parcela da população carece de formação básica para pesquisa e, nesse sentido, o ambiente online apresenta três principais e aparentes vantagens prejudiciais, no longo prazo, para o incauto que utilize excessivamente ferramentas que não domina. Em primeiro lugar, mecanismos de busca (Google[68] etc.), possuem um mecanismo sofisticado para tentar encontrar o procurado pelo usuário, por mais estranho que sejam os termos pesquisados (input). Isto seria, normalmente, impossível numa biblioteca, exceto entrando em contato com alguém mais experiente e de boa vontade para nos ajudar a procurar tal ou qual conteúdo – gerando uma troca de informações e não uma mera pesquisa vista numa fração de segundos apenas para verificação se o conteúdo mostrar é ou não o desejado e, daí, alimentar o algoritmo que passará a recomendar resultados similares e nos empurrar para um perigoso ensimesmamento. Em segundo lugar, comunicação online é feita sempre “ansiosamente”, devido a mecanismos que exigem respostas curtas e imediatas (feito microblogs e limitações devido ao tamanho da tela e do teclado de celulares e notebooks) e geram a necessidade torpe de certa corrupção da linguagem mediante abreviaturas adequadas a um ambiente dinâmico; daí casos curiosos, como o de crianças “nativas digitais” “aprendendo a falar errado” devido à exposição a “cortes” presentes em vídeos. Isto nos leva a pensar que, se a linguagem fosse utilizada com mais rigor, os típicos usuários poderiam se expressar de forma mais adequada[69]. Em terceiro lugar, quase todo conteúdo online é produzido com o propósito de ser “intuitivo”; textos são feitos por copywriters ou IA´s e a maioria deles pertencem a dois tipos: mercantilizados ou genéricos. No primeiro, subverte-se a linguagem em prol de uma venda (uso retórico da voz ativa, inculcamento de gatilhos); no segundo, procura-se “preencher” (ou, vulgarmente, encher lingüiça) publicações com textos ambíguos e dotados de pouco ou nenhum rigor, algo piorado pelo uso das IA de geração de texto. Mas tal comunicação intuitiva não fica restrita a textos: o visual destas mídias é projetado para a tomada de decisão imediata (engatilhamento do sistema-1 de pensamento) e, portanto, irrefletida do usuário[70]. Podemos afirmar, disto, que a capacidade de reflexão para execução das etapas do estudo filosófico fica impossibilitada.
d) Raciocínio relacional comprometido – O comprometimento, pelo meio dinâmico, do raciocínio relacional,[71]induz aos problemas previamente mencionados e o usuário problemático, com seu agir viciado e memória, atenção e inteligência verbal afetados, pode apresentar complicações para compreender raciocínios mais complexos, mesmo empregando, muitas das vezes, mais recursos para executar as mesmas atividades que uma pessoa comum[72]– em verdade, teme-se o acerto da previsão de Manfred Spitzer quando correlaciona tal comportamento à demência, dada uma variedade de estudos apontando para o déficit cognitivo neste tipo de usuário[73], v.g., o já comentado déficit de massa cinzenta no ACC (córtex cingulado anterior), comumente associado a..
[…] atuação como um importante núcleo de convergência nos caminhos de processamento de informações no cérebro, também tomando parte em processos sensório-motores, nociceptivos, cognitivos superiores e emocionais/motivacionais e, se tomado nos termos de processamento cognitivo, acredita-se geralmente que o ACC esteja envolvido na detecção de erros ou conflitos; suas ativações são tipicamente observadas em tarefas que ativam simultaneamente respostas incompatíveis, como na Tarefa de Stroop, atenção seletiva e na Tarefa Flanker. Ele também tem sido implicado em paradigmas de tarefas duplas, onde o indivíduo enfrenta estímulos e respostas concorrentes associados a duas ou mais tarefas.[74]
Isto parece impactar diretamente o exame dialético e de consciência; afinal como examinar e relacionar aquilo cujo material não conseguimos recordar[75]? Ademais, usuários pesados de multitarefa, durante pesquisas, também apresentaram processamento de informações com menor seletividade para objetivos relevantes, tanto em buscas visuais[76], quanto em tarefas de memória de trabalho[77].É relevante notarmos a mútua influência entre os quatro obstáculos elencados para não os tomarmos como casos isolados; todo o processo de formação filosófica fica comprometido, nalguma medida, em cada um deles, diferindo apenas conforme seu grau de corrosão.
- Epílogo: A Demência Digital e o Homo Insipiens
[…] entre outras funções que os homens atribuem ao sábio, a de que pertence ao sábio ordenar é proposta pelo filósofo.
Sto. Tomás de Aquino – Suma Contra os Gentios I c.1 2a
Santo Tomás de Aquino, no primeiro capítulo de sua Suma Contra os Gentios, confere ao sábio dupla função cujo significado pode ser parafraseado assim: ordenar e proferir a “verdade divina meditada”. Considerando ambas as funções, extraídas algo grosseiramente da filosofia tomista, como capacidade de ordenamento intelectual unida à meditação e proferimento da verdade, podemos examinar os danos causados pelo fenômeno de decaimento cognitivo chamado demência digital no ensino e aprendizado da filosofia – pois, aparentemente, ele impugna as características citadas pelo aquinate.
O problema que serviu de estopim para este ensaio foi a dificuldade, alegada por professores, em tornar suas aulas atrativas para alunos incapazes de atentá-las, senão quando seu procedimento se aproxima de uma forma de entretenimento. O exame do problema da exposição excessiva a meios digitais facilita a compreensão de como isto pode ser reflexo da oposição entre a idéia de ensino, intimamente atrelada aos temas da atenção e da reflexão (o “linear, calmo, focado e sem distrações” de Carr), e a de resumos superficiais embutidos em outros meios – feito vídeos pseudo-explicativos dividindo a tela com outros dois destinados a “prender” a atenção do espectador (algo “embaraçado, agitado, desfocado e com distrações”). Não é estranho que este e outros tipos de hábitos viciosos estilhacem a já parva atenção da juventude. Entretanto, o caráter mesmo de tais hábitos torna sua inserção no meio docente algo eminentemente corrosivo, pois seria a reprodução da mesma substância culpada pela degradação cognitiva do discente.
Partindo deste escopo, expomos rudimentos de teoria da aprendizagem: aprendemos mediante formas de trabalho mental ordenadamente orientado que, se mal orientado, nos impede de aprender e pode gerar o malefício mais importante para nosso estudo, a superficialidade ou falta de esforço qualitativamente adequado durando o processo de aprendizagem. A tarefa imediata do professor é, nisto, evitar a superficialidade aquilatando as informações transmitidas numa dialética entre a qualidade do informado e a quantia de trabalho necessário para compreendê-lo, i.e., um conteúdo adequadamente transmitido e ficado através de atividades (reflexão, anotações, etc). A falha em evitar a superficialidade encerra a aula, seja de jure ou de facto; a inserção do modus operandi cujo objetivo é replicar em sala um vídeo de rede social é a antítese óbvia disto.
No entanto, por boa parte dos estudantes aprender de forma mais ou menos autodidática, compete apontar vícios específicos desta forma de proceder, como o “facilitamento excessivo” manifesto no uso de ferramentas potencialmente substitutivas do trabalho cinestésico necessário à aprendizagem. O meio indevidamente utilizado em nosso tempo é, comumente, o computador – desconsideramos, aqui, o uso “comum” desta ferramenta e restringimos o escopo da exposição às pessoas que o utilizam de bom grado para aprender, desconsiderando, por óbvio, os 73% ocupados com sites duvidosos. Tal uso vicioso, como aponta Spitzer, consiste em “substituir” nossa capacidade reflexiva pelo processamento eletrônico; mas tal “delegação do pensar”, onde apenas consumimos o conteúdo cuspido por um algoritmo, não revela uma confiança excessiva num material cuja veracidade estamos, na maioria das vezes, incapazes de avaliar? Ademais, não é uma inversão dos papéis, onde a máquina deixa de ser uma ferramenta para se tornar aquela que pensa por nós? Isto nos recorda imediatamente do servo aristotélico, servindo, aqui, de análogo para a pessoa que renuncia a pensar e agir por si, permitindo a uma IA geradora de texto “pensar” por ela – e é, neste sentido, Servus ex Machina.
A analogia não é despropositada; o usuário vicioso de meios eletrônicos, cometido por certa “ansiedade adquirida” soma, à sua renúncia de pensar, um aumento pujante de sua preferência temporal, caracteres distintivos do servo aristotélico na interpretação de Bodéüs e Voegelin. Não é um bom sinal notar que aparelhos feitos para auxílio humano relegarem seus criadores a uma posição inferiorizada devido a mal uso; neste sentido, quando boa parcela da população sofre as consequências da generalização do vício, ser normal, i.e., renunciar ao hábito corrosivo, se torna, curiosamente, uma forma de superioridade – pois, em terra de cegos, quem tem um olho é rei.
Embora boa parte de nossos apontamentos tenha como alvo a grande vítima da demência digital, o jovem nascido, em especial, após os anos 2000, é um erro restringir o fenômeno a tal faixa etária. Qualquer pessoa pode sofrer disto, e mesmo profissionais de grande prestígio, feito advogados, podem agir como servos aristotélicos versão sec. XXI quando deixam de escrever suas petições as relegam a uma IA geradora de texto e privando o resultado de revisões, confirmando a interpretação de Bodéüs quando nota que o servo pode ocorrer em qualquer classe social – e, embora a servidão voluntária seja um fenômeno antigo, tornar-se instrumento do instrumento é, decerto, algo novo.
Fica algo óbvio, neste ponto, que o aprendizado fica impossível quando a razão humana foi substituída quando o esforço ficou relegado à máquina; e isto ocorreu não pelos robôs terem ficado mais inteligentes – como rezaram os livros de ficção científica – mas por alguns terem ficado burros de tanto imiscuir-se de sua dignidade trocando o próprio cérebro por uma super-calculadora – alguns ao ponto de humanizarem-na e acharem uma boa idéia engatar um romance com o algoritmo. Não é um exagero dizer que nos emburrecemos quando há pesquisas associando o excesso de uso de telas à desaceleração e declínio do QI.[78]
Quem não pensa não medita, ordena ou profere a verdade pois, no limite e considerando um sujeito de vocabulário parco, suas limitações expressivas o incapacitam de exprimir proposições com sentido, aproximando-o da chamada, pejorativamente pelos gregos antigos, de língua bárbara. A superficialidade age, neste sentido, como espécie de doença priônica que impede o paciente de inteligir o “visto”, seja no chat da IA o no “vídeo satisfatório” onde “aprendeu”, seja o que for, em quinze segundos. Muitos, considerando a pressa como inimiga da perfeição, reclamam de coisas feitas em quinze segundos; no entanto, mesmo cursos (alguns até de produtividade) têm sido feitos em IA –e há quem peça para a o algoritmo roteirizar um curso e, então, o “professor” lê e “explica” o dado por seu Senhor robô, num curioso caso de cegos guiando outros – e, se um cego guia outro cego, ambos caem na fossa (Mt. 15:14).
Alguns, desejando remediar a superficialidade, procuram “executar várias tarefas simultaneamente” e recuperar algum tempo perdido; entretanto, isto é apenas outro salto no abismo – curiosamente ligado a quantias reduzidas de massa cinzenta. No lado da sociologia, Han descreve tal comportamento como coisa de bicho; no jornalismo, Carr se horroriza com o “medo de ficar para trás” (FOMO). A pressa advinda da preferência temporal viciosa, sintoma de um cognição cambaleante, é, novamente, inimiga da perfeição e parasitária – aprendemos somente mediante ordem e profundidade: sem a primeira, perdemos a unidade da verdade na multiplicidade das opiniões; sem a segunda, resta apenas a ilusão do aprendizado. A forma correta de “reverter” a superficialidade é focar, ordenadamente, em apenas um assunto de cada vez, e examinando-o profundamente conforme métodos (de preferência cinestésicos) testados pelo tempo enquanto se busca substituir os hábitos viciosos (ligados a eletrônicos) por sua virtude correspondente. Este conselho, embora voltado a um público moderno, é facilmente encontrado em escritos antigos, pois os problemas humanos são sempre os mesmos:
A partir disso, deve-se considerar que a leitura costuma sobrecarregar e afligir o espírito por duas maneiras, a saber, qualitativamente, se for muito obscura, e quantitativamente, se for demasiado extensa. Nos dois casos é necessário agir com muita moderação, a fim de que o que buscamos para nos refazer não nos destrua. Há muitos que querem ler tudo. Não queiras tu entrar nesta disputa. Contenta-te com o que podes. Não te inquietes se conseguirás ou não ler todos os livros. O número dos livros é infinito, não queiras tu perseguir as coisas infinitas. Onde não há fim não pode haver repouso. Onde não há repouso, não há paz. Onde não há paz, Deus não pode habitar. [79]
Hugo de São Vitor – Didascalicon p.229
Caso contrário, a mesma FOMO, típica do incapaz de largar microblogs leva ao ápice da superficialidade numa bola de neve (anti)cognitiva regida pelo sistema-1 de pensamento onde, de certa forma, “chutamos” resultados decorados e algo previsíveis; mas como o afetado pela demência digital poderia decorar ou prever coisas, considerando sua memória deficitária e senso temporal degenerado? Resulta que o sujeito fica incapaz até disto. Descemos então, pelo barranco da geena, à conclusão de que tais hábitos viciosos impugnam o ensino da filosofia. A exibição da conclusão tomou por base os sete passos para o estudo da filosofia apontados por Olavo de Carvalho e composto dos seguintes itens, cada um deles impugnado pelo decaimento cognitivo, de forma a impossibilitar uma anamnese (rastreio da origem das próprias crenças), a meditação (depuração do material da anamnese), o exame dialético (integração dos resultados da meditação), a pesquisa histórico-filológica (recolha de teses), a hermenêutica (depuração de teses), o exame de consciência (integração em si dos resultados obtidos) e, por fim, a técnica expressiva (exposição dos resultados). Todos os passos exigem uma reflexão profunda e ordenada; se o déficit adquirido pelo uso vicioso de eletrônicos impugna isto, então é impossível aprender filosofia e, em verdade, qualquer outra matéria, pois age degenerando o que temos de mais humano: o intelecto.
Este óbvio decaimento cognitivo que levou Spitzer a chamar o fenômeno de demência digital.[80] O argumento do livro pode ser perfilado, algo grosseiramente, assim: as mídias digitais afetam o amadurecimento cognitivo dos jovens; o fator modificável mais importante contra o surgimento da demência consiste no bom desenvolvimento cognitivo desde a infância até a adultez; os danos causados pelo excesso do uso de mídias digitais na juventude promove o aparecimento, na velhice, da demência. [81] Desconsideramos, aqui, os efeitos análogos (e antecipatórios) da demência, muito antes de seu surgimento efetivo, causados pelo vício já descrito.
É assim que o homo sapiens se torna homo insipiens: escravizado por suas próprias ferramentas num processo degenerativo executado não de uma vez, num estrondo, mas lenta e dolorosamente, num gemido.
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Notas:
[1] “[…] beschäftigen. Dies macht den Effekt der Verarbeitungstiefe auf das Speichern nur zu verständlich: Wenn ich mich mit einem Sachverhalt eingehend beschäftige, dann werden alle seine Aspekte und Eigenschaften von verschiedenen Gehirnarealen erfasst. Diese intensive Bearbeitung nach allen möglichen Aspekten bewirkt die Veränderung sehr vieler Synapsen und damit das bessere Speichern dieses Inhalts.” Manfred Spitzer – Digitale Demenz cap.3.1 [Epub].
[2] Ver Comparing Memory for Handwriting versus Typing, de Timothy J. Smoker, Carrie E. Murphy & Alison K. Rockwell
[3] Aprendendo Inteligência p.59
[4]“Pois é um escravo, por natureza, aquele […] que participa da razão tanto quanto percebê-la, mas não a tem. Pois os demais seres vivos não a percebem pelo pensamento, mas estão submetidos a seus instintos.” Política 1254b 20-25
[5] “Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os Gregos entendiam por paidéia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez.” Werner Jaeger – Paidéia p.3
[6]“A concepção de um escravo por natureza desperta com frequência a indignação dos igualitários – bastante sem razão, pois a concepção não nega a igualdade da natureza humana, mas é uma tentativa de diferenciação empírica de tipos de personalidade dentro dessa natureza igual e comum. Os escravos por natureza que praticarão algum ato ruim quando não houver um mestre de olho neles são empiricamente, claro, um setor bastante grande de toda sociedade, tanto da nossa quanto da grega. Quando um membro do governo trabalhista britânico refletiu que as melhorias sociais aumentaram o número de pessoas “cuja renda é mais alta do que a sua estatura moral”, ele apresentou uma definição sociológica clara do escravo por natureza.” Ordem e História III p.386
[7] “E assim retornamos a ti com humilde piedade, e tu nos purificas dos maus hábitos, e te mostras indulgente para com quem se reconhece pecador, “ouves os lamentos dos cativos”, e nos libertas daqueles grilhões que nós mesmos preparamos…” Sto. Agostinho – Confissões III.8
[8] Richard Bodéüs – Aristóteles, a Justiça e a Cidade p.40
[9] Hans Hermann-Hoppe – Democracia, o Deus que Falhou p.31
[10] Richard Bodéüs – Aristóteles, a Justiça e a Cidade p.40-1
[11]“[…] a oposição entre aquele que naturalmente visa, na existência, outra coisa além de seu trabalho e aquele que visa apenas, satisfeito, como dizemos, “ganhar a própria vida”.” Richard Bodéüs – Aristóteles, a Justiça e a Cidade p.42
[12]Conclusão cap. 3 Demência Digital.
[13] Cap.4 de Demência Digital
[14] Manuais não intentam e nem possuem espaço para fornecer o aparato necessário para o tratamento de questões filosóficas, uma vez que esta é a função das fontes primárias. Sua função é, antes de tudo, servir de guia para professores e não de material de estudo autodidático.
[15]“Com efeito, além das alarmantes inaptidões técnicas, as novas gerações experimentam também dificuldades assustadoras para processar, selecionar, ordenar, avaliar e sintetizar as massas gigantescas de dados armazenados nas entranhas da Web. Segundo autores de um estudo voltado para essa problemática, achar que os membros da Google Generation são experts na arte da busca digital de informação “é um mito perigoso”. Uma triste constatação corroborada pelas conclusões de uma outra pesquisa de grande alcance, publicada por pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Para estes, “em geral, a capacidade dos jovens de refletir sobre as informações na Internet pode ser resumida em uma palavra: desoladora. Nossos nativos digitais podem ser capazes de flertar com Facebook e Twitter enquanto, ao mesmo tempo, ‘sobem’ um selfie para o Instagram e mandam uma mensagem de texto para um amigo, mas quando se trata de avaliar informações que desfilam pelos canais de mídia social, eles logo ficam perdidos. […] De todo modo, e em todos os níveis, ficamos perplexos com o despreparo dos estudantes. […] Muitas pessoas supõem que, pelo fato de os jovens terem fluência em mídia social, eles sejam igualmente perspicazes no que diz respeito a tudo que encontram nesse ambiente. Nosso trabalho mostra o oposto”. No final das contas, essa incompetência se exprime com uma “espantosa e desalentadora consistência”.” Michael Desmurget – A Fábrica de Cretinos Digitais p.17
[16]“Aparentemente, lidar com mensagens de texto e postar em redes sociais, em vez de ler livros, revistas e jornais, não são proveitosos para a compreensão de textos ou redações acadêmicas. Isso talvez se deva parcialmente ao limiar curto de atenção estimulado pelas novas mídias. Um estudo instalou em notebook de estudantes universitários um programa que fazia uma captura de tela a cada cinco segundos. Os pesquisadores descobriram que os estudantes mudavam de tarefas em média a cada dezenove segundos. Mais de 75% das janelas dos computadores dos estudantes ficavam abertas por menos de um minuto, o que é completamente diferente de se sentar e ler um livro durante horas.” Jean M. Twenge – iGen p.75 [pdf]
[17] “A multiplicidade das opiniões não produz o ensinamento” Fragmento 40 de Heráclito em Diels-Kranz – Die Fragmente der Vorsokratiker Band I.
[18]“A mente linear, calma, focada, sem distrações, está sendo expulsa por um novo tipo de mente que quer e precisa tomar e aquinhoar informação em surtos curtos, desconexos, frequentemente superpostos…” Geração Superficial p.18 [PDF]
[19] Os comentários a seguir referem-se às páginas 32 e 33.
[20] Carr não chega neste ponto da reflexão, mas eminentemente percebe o problema, pois descreve em seu Geração Superficial (p.131) um caso incluso neste escopo: “Quando os interesses sociais se sobrepõem aos literários, os escritores parecem fadados a se abster do virtuosismo e da experimentação em prol de um estilo ameno mas imediatamente acessível. A escrita se tornará um meio de registrar bate-papos.” Geração Superficial p. 118 [PDF]
[21]“Apena trinta anos volvidos, o arco de Séptimo Severo é uma obra grosseira: os relevos não passam de um plano traçado na pedra, as formas são reduzidas a linhas e os objectos a esquemas, enfim, no dizer de um perito, como que recusando-se a ir mais longe. O arco de triunfo de Constantino é uma autêntica confissão de impotência: a decoração é parcialmente feita à base de pedaços pilhados nos arcos de Trajano, de Marco Aurélio, e até mesmo talvez de Diocleciano. Nas suas partes originais, a execução é grosseira, rígida, sendo o corpo humano traçado de um modo esquemático. Já desde meados do século III que a forma humana estava reduzida a uma função meramente decorativa: assim sucede no caso do sarcófago em que é representado (em 242) Timesiteu, avô de Gordiano III. Isto porque já não se consegue entender devidamente qual a função do baixo-relevo, surgindo assim as figuras destacadas, à semelhança de títeres, num fundo plano. O baixo-relevo veio a sobreviver nos sarcófagos cristãos, aonde infelizmente o abuso do simbolismo vem a engendrar obras convencionais e frias.” Ferdinand Lot – O Fim do Mundo Antigo e o Princípio da Idade Média p.142-3
[22] “[…] em qualquer atividade, duas coisas são necessárias, a saber, o trabalho e a razão deste trabalho, que de tal modo estão conectados entre si que um sem o outro se torna inútil ou menos eficaz. Quem trabalha sem critério evidentemente trabalha, mas não progride, e, como que açoitando o ar, dispersa suas forças ao vento. Imagine dois homens caminhando pela floresta: um deles se desdobra pelos desvios, enquanto o outro segue pelo atalho do caminho reto; eles percorrem o trajeto no mesmo ritmo, mas não chegam ao mesmo tempo. […] Quem, pois, diante de uma multidão de livros, não cuida do modo e da ordem de lê-los, como alguém que vagueia pela floresta densa, se perde da trilha do caminho reto, e, como se diz, “está sempre estudando, nunca chegando ao conhecimento”. O critério, pois, vale tanto que, sem ele, todo ócio é desprezível e todo trabalho, inútil. Que ninguém deixe de saber disso!” Hugo de São Vitor – Didascalicon p.221-223
[23]Mary Carruthers – O Livro da Memória p.66
[24] “A desatenção constante que a net encoraja — o estado de ser “distraído da distração pela distração”, para emprestar outra frase de Quatro quartetos de Eliot, — é muito diferente da espécie de distração temporária, proposital, de nossa mente, que refresca nosso pensamento quando estamos buscando uma decisão. A cacofonia de estímulos da net dá um curto-circuito tanto no pensamento consciente como no inconsciente, impedindo que a nossa mente pense profundamente ou criativamente. Nosso cérebro se transforma em simples unidades de processamento de sinais, conduzindo informação para dentro da consciência e depois para fora.” Geração Superficial p. 131 [PDF]
[25] “Os achados, diz Liu, indicam que “o ambiente digital tende a encorajar as pessoas a explorarem tópicos extensivamente, mas em um nível muito superficial”, e que “os hiperlinks distraem as pessoas de ler e pensar profundamente”. Um dos participantes do estudo disse a Liu: “Eu acho que a minha paciência em ler documentos longos está decrescendo. Quero pular logo para o fim dos artigos longos”. Outro disse: “Eu passo os olhos muito mais [do que leio] pelas páginas de html do que faço com materiais impressos”. É bastante claro, concluiu Liu, que, com a enxurrada de textos digitais despejada através dos nossos computadores e telefones, que “as pessoas estão despendendo mais tempo com a leitura” do que estavam habituadas. Mas também é igualmente claro que é um tipo muito diferente de leitura. “Está emergindo um comportamento de leitura baseado na tela”, escreveu, que é caracterizado por “navegar, explorar, olhar o teclado, leitura de uma única vez, [e] leitura não linear”. O tempo “despendido na leitura em profundidade e na leitura concentrada”, por outro lado, está declinando continuamente. A capacidade de ler por cima um texto é tão importante quanto a de ler profundamente. O que é diferente, e perturbador, é que ler por alto está se tornando o nosso modo dominante de leitura. Outrora um meio para um fim, um modo de identificar a informação para um estudo mais profundo, a varredura está se tornando um fim em si mesmo — nosso modo preferido de coletar e compreender informações de todos os tipos.” Geração Superficial p. 146-147 [PDF]
[26] “Uma página de texto on-line vista através da tela de um computador pode parecer similar a uma página de texto impresso. Mas rolar ou clicar através de um documento da web envolve ações físicas e estímulos sensoriais muito diferentes daqueles envolvidos em segurar e virar as páginas de um livro ou uma revista. Pesquisas mostraram que o ato cognitivo de ler se baseia não apenas no sentido da visão, mas também no do tato. É tátil assim como visual. “Toda leitura é multissensorial”, escreve Anne Mangen, uma professora norueguesa de estudos literários. Há “uma conexão crucial” entre “a experiência sensório-motora da materialidade” de uma obra escrita e “o processamento cognitivo do conteúdo do texto”. O deslocamento do papel para a tela não mudou apenas o modo como navegamos um escrito. Também influencia o grau de atenção que dedicamos a ele e a profundidade da imersão nele. Hiperlinks também alteram a nossa experiência das mídias. Os links são, em um certo sentido, uma variação das alusões textuais, citações e notas de rodapé que foram durante muito tempo elementos comuns dos documentos. Mas o seu efeito em nós enquanto lemos não é de modo algum o mesmo. Os links não apenas nos indicam trabalhos relacionados ou suplementares; eles nos impulsionam rumo a eles. Eles nos encorajam a roçar uma série de textos em vez de dedicar atenção continuada a qualquer um deles. Os hiperlinks são planejados para capturar a nossa atenção. Seu valor como ferramentas de navegação é inseparável da distração que causam.” Geração Superficial p. 99 [PDF]
[27] “A net é, pelo seu design, um sistema de interrupção, uma máquina calibrada para dividir a atenção. Isso não resulta apenas de sua capacidade de exibir muitos tipos diferentes de mídia simultaneamente. É também o resultado da facilidade com que pode ser programada para enviar e receber mensagens.” Geração Superficial p. 131 [PDF]
[28] Como lidar com dependência tecnológica p.44-45
[29] Przybylski et AL., 2013; Wolniewicz et al., 2018
[30] Como lidar com dependência tecnológica p.45
[31] Elhai, J. D., Yang, H., & Montag, C.. (2021). Fear of missing out (FOMO): overview, theoretical underpinnings, and literature review on relations with severity of negative affectivity and problematic technology use. Brazilian Journal of Psychiatry, 43(2), 203–209.
[32]Trata-se de um tipo patológico específico do narcisismo. Há indícios positivos na literatura médica que sua causa esteja em níveis disfuncionais de neuroticismo,que também é um outro problema associado ao uso excessivo de meios tecnológicos.
[33]Julia Brailovskaia, Phillip Ozimek, Elke Rohmann, Hans-Werner Bierhoff, Vulnerable narcissism, fear of missing out (FoMO) and addictive social media use: A gender comparison from Germany, Computers in Human Behavior, Volume 144, 2023
[34] Elhai JD, Yang H, Montag C. Anxiety and stress severity are related to greater fear of missing out rewarding experiences: A latent profile analysis. Psych J. 2021
[35] Wolniewicz CA, Rozgonjuk D, Elhai JD. Boredom proneness and fear of missing out mediate relations between depression and anxiety with problematic smartphone use. Hum BehavEmerg Technol. 2020;2: 61-70.
[36] David Blackwell, Carrie Leaman, Rose Tramposch, Ciera Osborne, Miriam Liss, Extraversion, neuroticism, attachment style and fear of missing out as predictors of social media use and addiction, Personality and Individual Differences, Volume 116, 2017, Pages 69-72
[37] “O desconto por atraso consiste no facto das recompensas tardias serem frequentemente desconsideradas ou menos valorizadas do que os resultados mais imediatos” (Rachlin et al., 1991)
[38] Schulz van Endert T, Mohr PNC (2020) Likes and impulsivity: Investigating the relationshipbetweenactual smartphone use and delay discounting. PLOS ONE 15(11)
[39] R.A. Davis, A cognitive-behavioral model of pathological Internet use.
[40] “As distorções cognitivas podem ser classificadas em dois tipos principais: aquelas relacionadas à percepção de si mesmo e aquelas relacionadas à visão do mundo. No caso da auto-imagem, as distorções freqüentemente envolvem sentimentos de insegurança e baixa eficácia pessoal. Esses indivíduos tendem a desenvolver uma visão negativa de si mesmos e utilizam a internet como um meio de compensação, buscando interações sociais e validação que não encontram no ambiente off-line. Já as distorções cognitivas sobre o mundo implicam uma generalização excessiva de eventos individuais para contextos mais amplos.” Adaptado de R.A. Davis, A cognitive-behavioral model of pathological Internet use.
[41] A situação é bem descrita pela Dra. Anna Lembke em seu Nação Dopamina (p.31-2 ed. Digital): “O mundo de hoje oferece um vasto complemento de drogas digitais que antes não existiam, ou, se existiam, agora estão acessíveis em plataformas que aumentaram exponencialmente sua potência e disponibilidade. Isto inclui pornografia online, jogos de azar e vídeo games, só para citar alguns. Além disso, a própria tecnologia é adictiva, com suas luzes pulsantes, seu estardalhaço musical, seu conteúdo ilimitado e a promessa, com uma participação contínua, de recompensas cada vez maiores. Minha própria progressão, de um romance açucarado de um vampiro relativamente domesticado para o que equivale à pornografia socialmente sancionada para mulheres, pode ser atribuída ao advento do leitor eletrônico. O ato de consumo por si só se tornou uma droga. Meu paciente Chi, um imigrante vietnamita, viu-se fisgado no ciclo de busca e compra de produtos online. Para ele, a euforia começava com a decisão do que comprar, continuava com a antecipação da entrega e culminava no momento em que ele abria o pacote. Infelizmente, a euforia não durava muito além do tempo que ele levava para arrancar a fita adesiva da Amazon e ver o que havia dentro. Seus cômodos estavam cheios de bens de consumo baratos e ele devia dezenas de milhares de dólares. Mesmo assim, não conseguia parar. Para manter o ciclo funcionando, passou a encomendar produtos ainda mais baratos – chaveiros, canecas, óculos escuros de plástico –, devolvendo-os imediatamente após a entrega.”
[42] Conghui Su, Hui Zhou, Liangyu Gong, Binyu Teng, Fengji Geng, Yuzheng Hu, Viewing personalizedvideo clips recommended by TikTok activates default mode network and ventral tegmental área.
[43] Flayelle, M., Brevers, D., King, D.L. et al. A taxonomy of technology design features that promote potentially addictive online behaviours.
[44] Embasado frente às contribuições de heurísticas e vieses e na Teoria da Perspectiva de Daniel Kahneman e Amos Tversky (Shleifer, Andrei. 2012. Psychologists at the Gate: Review of Daniel Kahneman’sThinking, Fast and Slow).
[45] Schutten, Dan & Stokes, Kirk & Arnell, Karen. (2017). I want to media multitask and I want to do it now: Individual differences in media multitasking predict delay of gratification and system-1 thinking.
[46] (2005). Cognitive Reflection and Decision Making. Journal of Economic Perspectives. 19. 25-42. 10.1257/089533005775196732.
[47] Alessi, Sheila & Petry, Nancy. (2003). Pathological Gambling Severity Is Associated with Impulsivity in a Delay Discounting Procedure.
[48] Olavo de Carvalho – A Filosofia e seu Inverso p.133
[49] Somente alguns estudos que apontam os danos: Zou L, Wu X, Tao S, Yang Y, Zhang Q, Hong X, Xie Y, Li T, Zheng S, Tao F. Functional connectivity between the parahippocampal gyrus and the middle temporal gyrus moderates the relationship between problematic mobile phone use and depressive symptoms: Evidence from a longitudinal study; Schmitgen MM, Wolf ND, Sambataro F, Hirjak D, Kubera KM, Koenig J, Wolf RC. Aberrant intrinsic neural network strength in individuals with “smartphone addiction’: An MRI data fusion study; Schmitgen MM, Horvath J, Mundinger C, Wolf ND, Sambataro F, Hirjak D, Kubera KM, Koenig J, Wolf RC. Neural correlates of cue reactivity in individuals with smartphone addiction; Pyeon A, Choi J, Cho H, Kim JY, Choi IY, Ahn KJ, Choi JS, Chun JW, Kim DJ. Altered connectivity in the right inferior frontal gyrus associated with self-control in adolescents exhibiting problematic smartphone use: A fMRI study; Kwon M, Jung YC, Lee D, Lee J. Altered resting-state functional connectivity of the dorsal anterior cingulate cortex with intrinsic brain networks in male problematic smartphone users; Horvath J, Mundinger C, Schmitgen MM, Wolf ND, Sambataro F, Hirjak D, Kubera KM, Koenig J, Christian Wolf R. Structural and functional correlates of smartphone addiction; Choi J, Cho H, Choi JS, Choi IY, Chun JW, Kim DJ. The neural basis underlying impaired attentional control in problematic smartphone users; Chun JW, Choi J, Cho H, Choi MR, Ahn KJ, Choi JS, Kim DJ. Role of Front striatal Connectivity in Adolescents With Excessive Smartphone Use.
[50]Yu-Hsuan Lin, Yu-Cheng Lin, Yang-Han Lee, Po-Hsien Lin, Sheng-Hsuan Lin, Li-Ren Chang, Hsien-Wei Tseng, Liang-Yu Yen, Cheryl C.H. Yang, Terry B.J. Kuo, Time distortion associated with smartphone addiction: Identifying smartphone addiction via a mobile application (App)
[51] M. Moisala, V. Salmela, L. Hietajärvi, E. Salo, S. Carlson, O. Salonen, K. Lonka, K. Hakkarainen, K. Salmela-Aro, K. Alho, Media multitasking is associated with distractibility and increased prefrontal activity in adolescents and youngadults
[52]Chinchanachokchai, Sydney &Duff, Brittany & Sar, Sela. (2015). The effect of multitasking on time perception, enjoyment, and ad evaluation. Computers in Human Behavior.
[53]Yeykelis L, Cummings JJ, Reeves B. Multitasking on a single device: arousal and the frequency, anticipation, and prediction of switching between media content on a computer.
[54] Liu X, Lin X, Zheng M et al. Internet search alters intra‐ and inter‐regional synchronization in the temporal gyrus; Firth, Josh A. et al. “Exploring the Impact of Internet Use on Memory and Attention Processes.” International Journal of Environmental Research and Public Health 17 (2020): n. pag.
[55]Dong G, Potenza MN. Behavioural and brain responses related to Internet search and memory.
[56] Para mais informações das dimensões do multitarefa em mídias, consultar o seguinte artigo: Shan Xu, Zheng Wang, Prabu David, Social media multitasking (SMM) and well-being: Existing evidence and future directions, Current Opinion in Psychology.
[57] “O SMM (Social Media Multitasking) pode ser prejudicial para o bem-estar de uma pessoa através dos seus impactos negativos no desempenho e nas funções cognitivas. De facto, pode existir um mecanismo complexo que se influencie mutuamente. Por exemplo, as pessoas com um desempenho cognitivo insatisfatório poderão tender a utilizar ainda mais o SMM para aliviar o stress ou o tédio, o que, por sua vez, pode levar a efeitos prejudiciais adicionais na cognição.” Shan Xu, Zheng Wang, Prabu David, Social media multitasking (SMM) and well-being: Existing evidence and future directions, Current Opinion in Psychology.
[58] Schulz van Endert T, Mohr PNC (2020) Likes and impulsivity: Investigating the relationship between actual smartphone use and delay discounting.
[59] Curiosidade desmedida e desordenada, típica daquele que, desejando saber muito em pouco tempo, se dispersa num mar de opiniões sem aprender coisa alguma, mesmo mantendo a ilusão de aprendizado devido à coleta voraz de informações.
[60] Para conferir alguns estudos relacionados, olhar em: Johanna M.F. van Oosten, Laura Vandenbosch, Jochen Peter, Predicting the use of visually oriented social media: The role of psychological well-being, body image concerns and sought appearance gratifications
[61]McLaughlin B, Gotlieb MR, Mills DJ. Caught in a Dangerous World: Problematic News Consumption and Its Relationship to Mental and Physical Ill-Being. Health Commun. 2023
[62]Loh KK, Kanai R (2014) Higher Media Multi-Tasking Activity Is Associated with Smaller Gray-Matter Density in the Anterior Cingulate Cortex.
[63]Zhou, F., Montag, C., Sariyska, R., Lachmann, B., Reuter, M., Weber, B., Trautner, P., Kendrick, K. M., Markett, S., and Becker, B. (2019) Orbitofrontal graymatter deficits as marker of Internet gaming disorder: converging evidence from a cross-sectional and prospective longitudinal design.
[64] Manfred Spitzer pode elucidar-nos brevemente: “Um resumo conciso, realizado pelos autores da bibliografia científica, acerca da conduta dos jovens ante a busca de informação, mostra que não há motivo para supor que ela seja melhor que a dos adultos, nem que esse fato tenha mudado substancialmente nos últimos quinze anos. Mostrou-se também que a tendência à superficialidade nas buscas na Internet afeta não apenas os usuários jovens, mas usuários de todas as idades, inclusive professores! Mais alguns resultados de sua investigação: Os jovens têm dificuldade em avaliar a importância das diferentes fontes; muitas vezes não sabem distinguir entre a autoridade de boas fontes (estudos científicos, por exemplo) e más fontes (opiniões sobre um tema). Eles julgam a qualidade das fontes ‘de maneira superficial, se é que alguma vez a julgam’, e ‘eles não estão em posição (e o fazem com relutância) de avaliar as fontes de informação.’(Grimmes & Boening, zit. nach Williams & Rowlands 2007, S. 11) Justamente porque a rede também permite consultas diretas, em vez de limitar a busca usando uma combinação hábil de palavras-chave vinculadas a operadores lógicos, isso não pode levar a uma melhora na capacidade de busca de informações, apontam os autores que em outro trecho escrevem: ‘Em suma, pode ser que a falta de habilidade aprimorada em encontrar informações [information retrieval], esteja condicionada, ironicamente, pela simplicidade da utilização de sistemas digitais (como a World Wide Web).’(Williams & Rowlands 2007, S. 10) E como os jovens não sabem como podem estar organizadas as informações, com que lógica podem relacionar-se e, o que é importante ou trivial, não sabem pesquisar muito bem.” Demência Digital, tradução autoral, cap.9: Generation Google: Genieodergrenzbegabt?
[65]Nong Z, Gainsbury S. Website design features: Exploring how social cues present in the online environment may impact risk taking.
[66] E. Ophir, C. Nass, A.D. Wagner, Cognitive control in media multitaskers, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A; conferir também: Jie Zhang, TongtongXue, Shaobo Liu, Zhijie Zhang, Heavy and light media multitaskers employ different neurocognitive strategies in a prospective memory task: An ERP study
[67]Loh KK, Kanai R (2014) Higher Media Multi-Tasking Activity Is Associated with Smaller Gray-Matter Density in the Anterior Cingulate Cortex.
[68] Betsy Sparrow et al., Google Effects on Memory: Cognitive Consequences of Having Information at Our Fingertips.
[69] “Uma maior freqüência de uso da internet foi associada à diminuição da inteligência verbal e menor aumento no rGMV e rWMV de áreas cerebrais generalizadas após alguns anos em análises longitudinais. Essas áreas envolvem setores relacionados ao processamento de idiomas, atenção e funções executivas, emoção e recompensa. Em conclusão, o uso freqüente da internet está direta ou indiretamente associado à diminuição da inteligência verbal e desenvolvimento a um volume menor de matéria cinzenta em fases posteriores. Similarmente, um estudo de imagem funcional mostrou que a pesquisa na internet está associada a uma maior ativação cerebral no córtex orbitofrontal direito, que está relacionado à recompensa, e menor ativação cerebral no giro temporal médio direito, que está relacionado ao processamento de linguagem (Dong&Potenza, 2015).” adaptado de Takeuchi H, Taki Y, Asano K, Asano M, Sassa Y, Yokota S, Kotozaki Y, Nouchi R, Kawashima R. Impact of frequency of internet use on development of brain structures and verbal intelligence: Longitudinal analyses.
[70] Conferir: Nong Z, Gainsbury S. Website design features: Exploring how social cues present in the online environment may impact risk taking; Parboteeah, D. Veena, et al. “The Influence of Website Characteristics on a Consumer’s Urge to Buy Impulsively”
[71] M.R. Uncapher, A.D. Wagner, Minds and brains of media multitaskers: Current findings and future directions.
[72]Jie Zhang, Tongtong Xue, Shaobo Liu, Zhijie Zhang, Heavy and light media multitaskers employ different neurocognitive strategies in a prospective memory task: An ERP study.
[73]Ioannidis K, Hook R, Goudriaan AE, Vlies S, Fineberg NA, Grant JE, Chamberlain SR. Cognitive deficits in problematic internet use: meta-analysis of 40 studies.
[74]Adaptado de Loh KK, Kanai R (2014) Higher Media Multi-Tasking Activity Is Associated with Smaller Gray-Matter Density in the Anterior Cingulate Cortex. Para além, podemos voltar até mesmo os níveis estruturais do “nativo digital”, pois pesquisas indicam redução de matéria branca no cerébro, conferir em: Hutton JS, Dudley J, Horowitz-Kraus T, DeWitt T, Holland SK. Associations Between Screen-Based Media Use and Brain White Matter Integrity in Preschool-Aged Children; Hu Y, Long X, Lyu H, Zhou Y, Chen J. Alterations in White Matter Integrity in Young Adults with Smartphone Dependence.
[75]Guangheng Dong, Marc N. Potenza, Short-term Internet-search practicing modulates brain activity during recollection.
[76] Cain MS, Mitroff SR. Distractor filtering in media multitaskers;
[77] Stanford Report: “A decade of data reveals that heavy multitaskers have reduced memory, Stanford psychologist says”
[78]“In fact, evidence is emerging that excessive screen time may be a significant negative social multiplier contributing to the deceleration and decline of population IQ. The negative Flynn effect starting post-1975 is paralleled by a decline in vocabulary, documented from 1974 to 2016 for American adults; this is despite an increase in educational attainment (e.g., 11.83 to 13.68 years of school completed), which is generally correlated with verbal intelligence [43]. During this same time period, there has been a significant decrease in reading print (e.g., books, magazines, newspapers) and a critical increase in digital screen exposure (e.g., television, computers, tablets, smartphones) [44]. In a study examining reading comprehension, it was found that students who read from print scored significantly higher on reading comprehension tests than those who read the text digitally [8].” Laurie A. Manwell, Merelle Tadros, Tiana M. Ciccarelli, Roelof Eikelboom. Digital dementia in the internet generation: excessive screen time during brain development will increase the risk of Alzheimer’s disease and related dementias in adulthood. J. Integr. Neurosci.2022, 21(1), 28. https://doi.org/10.31083/j.jin2101028
[79] Continuação: Diz o Profeta: “Fez da paz seu lugar, e de Sião sua habitação”. “De Sião”, mas também “da paz”; é preciso que exista Sião, mas sem perder a paz. Busca contemplar, e não se ocupar. Não queiras ser avarento, para que não estejas sempre necessitado. Escuta Salomão, escuta a Sabedoria, e aprende a prudência. “Filho meu”, disse, “não procures mais do que isto; nunca se termina de fazer livros e mais livros, e a meditação freqüente é aflição para a carne”. Onde, então, está o fim? “Escutemos todos juntos o final do que se diz: teme a Deus e observa seus mandamentos; este é o fim de todo homem”.
[80] “O consumo excessivo de mídia na tela tem um impacto negativo na aprendizagem [ 3 ], [ 32 ], [ 34 ], memória [ 16 ], [ 53 ], atenção [ 13 ], [ 20, ] [ 60 ], [ 62 ] e concentração [ 5 ], [ 10 ], a capacidade de regular emoções e comportamento social [ 2 ], [ 56 ]. Os efeitos agudos do uso excessivo de telas são semelhantes aos sintomas do comprometimento cognitivo leve ( MCI ), razão pela qual os cientistas coreanos cunharam o termo “demência digital” para ele na década retrasada [ 6 ]. Na neuropsicologia, o MCI refere-se aos sintomas observados em adultos nos estágios iniciais da demência. Estes incluem deficiências de concentração, orientação, aquisição de novas memórias (amnésia anterógrada), recuperação de memórias (amnésia retrógrada), comportamento social e autocuidado independente [ 30 ], [ 33 ]. Portanto, não é surpreendente que em estudos comparativos diretos e metodicamente limpos de aulas com e sem mídia de tela digital, o desempenho deles tenha sido significativamente pior.” Tradução autoral de artigo do Manfred Spitzer: Nervenheilkunde 2022; 41(11): 733-743 DOI: 10.1055/a-1826-8006
[81] De modo que possamos definir a demência digital como um fenômeno psicopatológico polissintomático causado, em sua maior parte, pelo uso problemático de mídias digitais durante o período de maturação biológica, responsável por mudanças negativas potencialmente irreversíveis nas capacidades cognitivas-sociais (memória, atenção, capacidade de relação causal e externalização de conhecimento) do indivíduo, culminando no Alzheimer.
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